quarta-feira, julho 30, 2003
Um tamagochi
Quando (altas horas da noite ou muito cedo de manhã) passo pelo computador a ver como vai o mundo dos posts, confesso que chego a pensar que isto dos blogs às vezes é como ter um tamagochi...
Última hora
Afinal está confirmado que não houve nenhum terramoto no Algarve, confirmando-se ainda que os sismógrafos detectam oscilações da crosta e movimentos de placas, mas não a «qualidade» (digamos assim) dessas oscilações e movimentos. Deste modo se compreendem também as dificuldades dos técnicos do Instituto de Meteorologia em esclarecer a localização precisa do epicentro: é que as ondas de choque partiam de pontos múltiplos, de forma difusa, e seguiam padrões relativamente aleatórios.
Restabeleça-se, pois, a verdade dos factos: a terra tremeu ligeiramente em consequência do aumento dos fluxos de trânsito associados à mudança de mês, no preciso instante em que a auto-estrada registou a presença simultânea de 800.000 viaturas a caminho do Sul, mais 200.000 em sentido contrário. É só o Verão...
Nada de anormal, portanto. De resto, o direito de beber uma cerveja e desaparecer por uns tempos deixa de ser um exclusivo do Francisco: a partir de agora, todos nós, os que vivemos no Algarve o ano inteiro, estamos autorizados a fazê-lo...
Restabeleça-se, pois, a verdade dos factos: a terra tremeu ligeiramente em consequência do aumento dos fluxos de trânsito associados à mudança de mês, no preciso instante em que a auto-estrada registou a presença simultânea de 800.000 viaturas a caminho do Sul, mais 200.000 em sentido contrário. É só o Verão...
Nada de anormal, portanto. De resto, o direito de beber uma cerveja e desaparecer por uns tempos deixa de ser um exclusivo do Francisco: a partir de agora, todos nós, os que vivemos no Algarve o ano inteiro, estamos autorizados a fazê-lo...
Rendimento Mínimo
Confesso que estava à espera de mais e melhores argumentos quando ouvisse o autor do abrupto falar do Rendimento Mínimo (RM). É claro que um pequeno post num blogue não é o local indicado para desenvolver uma argumentação atenta sobre um tema no mínimo controverso. Mas assumir que o RM é pernicioso apenas pelo facto de, eventualmente, poder dar origem a clivagens sociais nas pequenas aldeias não é, convenhamos, afirmar uma grande contra-indicação para uma política que tem vindo a fazer, senão muito, pelo menos alguma coisa por muitos portugueses que sobrevivem no limiar da pobreza e da exclusão absolutas.
Na discussão sobre o rendimento mínimo é imprescindível que se enuncie claramente à partida a distinção entre um bom princípio eventualmente mal aplicado e um mau princípio com uma, eventualmente, boa aplicação, coisa que Pacheco Pereira naturalmente não faz.
E o RM é efectivamente um bom princípio com aplicações que, ao que sei, têm vindo a ser corrigidas ao longo do tempo. Os detratores do RM, ao referirem apenas os "maus exemplos" esquecem-se, não apenas de mencionar o facto de as famílias que o auferem estarem obrigadas a escolarizar os filhos, a frequentar cursos de formação profissional e pessoal, a inscrever-se num centro de emprego etc, como evitam afirmar que estas famílias estão sujeitas a um acompanhamento e uma fiscalização, que podem funcionar melhor ou pior consoante as conjunturas políticas e as estruturas organizacionais.
O RM é, para muitas famílias portuguesas a única forma de sobrevivência e a única fonte de dignidade que ainda lhes resta, e se fosse só isso já seria louvável.
Mas o grande objectivo do RM é o de procurar romper com aquilo que os sociólogos chamam o "ciclo vicioso da pobreza e da exclusão", através da injecção, junto dessas famílias, de um pequeno montante de capital a troco de uma mudança de hábitos e comportamentos. Ou seja, a troco da mudança daquilo que em sociologia se designa por "cultura da pobreza". Afirmar que o RM agrava as desigualdades sociais, que promove a exclusão social e que produz uma clivagem entre os que trabalham e os que nada querem fazer são falácias argumentativas. Se a clivagem existe é entre os que têm poder e aqueles que nada podem fazer.
As pessoas a quem o RM efectivamente se destina estão de tal modo mergulhadas nesse ciclo vicioso da exclusão, nessa cultura da pobreza, que as próprias noções de "trabalho", "integração", "dignidade" ou "ócio" lhes são completamente estranhas.
Não é "dar dinheiro" aos pobres que está em causa no princípio que subjaz ao RM - que, por acaso, existe em todos os países da Europa central - é, nomeadamente, a criação de condições mínimas para que os filhos daqueles que são hoje excluídos não o sejam no futuro e não venham, precisamente, a reproduzir a condição social dos pais.
Curiosamente, ou talvez não, nunca li nem assisti a nenhuma discussão acerca do Rendimento Mínimo que não descambasse no despejar do bébé com a água do banho.
Na discussão sobre o rendimento mínimo é imprescindível que se enuncie claramente à partida a distinção entre um bom princípio eventualmente mal aplicado e um mau princípio com uma, eventualmente, boa aplicação, coisa que Pacheco Pereira naturalmente não faz.
E o RM é efectivamente um bom princípio com aplicações que, ao que sei, têm vindo a ser corrigidas ao longo do tempo. Os detratores do RM, ao referirem apenas os "maus exemplos" esquecem-se, não apenas de mencionar o facto de as famílias que o auferem estarem obrigadas a escolarizar os filhos, a frequentar cursos de formação profissional e pessoal, a inscrever-se num centro de emprego etc, como evitam afirmar que estas famílias estão sujeitas a um acompanhamento e uma fiscalização, que podem funcionar melhor ou pior consoante as conjunturas políticas e as estruturas organizacionais.
O RM é, para muitas famílias portuguesas a única forma de sobrevivência e a única fonte de dignidade que ainda lhes resta, e se fosse só isso já seria louvável.
Mas o grande objectivo do RM é o de procurar romper com aquilo que os sociólogos chamam o "ciclo vicioso da pobreza e da exclusão", através da injecção, junto dessas famílias, de um pequeno montante de capital a troco de uma mudança de hábitos e comportamentos. Ou seja, a troco da mudança daquilo que em sociologia se designa por "cultura da pobreza". Afirmar que o RM agrava as desigualdades sociais, que promove a exclusão social e que produz uma clivagem entre os que trabalham e os que nada querem fazer são falácias argumentativas. Se a clivagem existe é entre os que têm poder e aqueles que nada podem fazer.
As pessoas a quem o RM efectivamente se destina estão de tal modo mergulhadas nesse ciclo vicioso da exclusão, nessa cultura da pobreza, que as próprias noções de "trabalho", "integração", "dignidade" ou "ócio" lhes são completamente estranhas.
Não é "dar dinheiro" aos pobres que está em causa no princípio que subjaz ao RM - que, por acaso, existe em todos os países da Europa central - é, nomeadamente, a criação de condições mínimas para que os filhos daqueles que são hoje excluídos não o sejam no futuro e não venham, precisamente, a reproduzir a condição social dos pais.
Curiosamente, ou talvez não, nunca li nem assisti a nenhuma discussão acerca do Rendimento Mínimo que não descambasse no despejar do bébé com a água do banho.
terça-feira, julho 29, 2003
Aqui não há...
Para já, vale a pena. Goste-se ou não, perceba-se a letra ou não. É uma ideia gira de poesia quotidiana. Recomendo, assim continue a inspiração do rapaz. Aqui não há poeta? Assim aqui não houvesse sul.
Coração pós-moderno
Culpa minha. Mas foi você. Quem me deixou assim. Palavras. Escritas. Sem jeito. Acentos. Inexistentes numa vida. Cinzenta. Sobrevivo até. Quando? Nem sei, depende. De si que eu morro todos os dias. Um pouco mais. Que. Lhe importa isso? Deixe, isto passa. Não. Se morre já. Muito menos. Por amor.
O amor e os seus perigos
à olaia também lhe chamam
árvore do amor ou
árvore de judas
nunca aceites essas folhas
em forma
de coração
árvore do amor ou
árvore de judas
nunca aceites essas folhas
em forma
de coração
Se calhar é assim que está certo
Talvez o nosso país pudesse ser um bocadinho diferente se conhecêssemos as árvores pelos seus nomes. Talvez nós mesmos pudéssemos ser um bocadinho diferentes se conhecêssemos as árvores pelos seus nomes. Algumas árvores, pelo menos: um lódão, uma figueira, um amieiro, um vidoeiro, uma olaia... Celtis australis, Ficus carica, Alnus glutinosa, Betula pendula, Cercis siliquastrum . Ou talvez não. E talvez isso já não seja importante.
Olá...
Há uma eternidade que não te vejo. Obrigo-me, por isso, a perguntar-me se te terei alguma vez visto, se terás sido real, ou apenas um sonho. E no entanto, era capaz de jurar que tinhas existido, porque quase consigo sentir a tua pele, cheirá-la. Em dias como o de hoje, oiço, comprimido dentro de mim, o rumor da tua voz e por vezes, na penumbra silenciosa, o teu riso abafado. Toco, cem vezes, num piano desafinado aquela balada que só por uma vez me saiu bem e que só tu conseguiste ouvir. Faço-o, mesmo sabendo que nunca a tornarás a ouvir, porque não estamos no mesmo mundo. Olho na direcção que a tua bússola me aponta e sei que no fim da linha que ela traça, estás lá. Estarás? Já não sei, porque nunca descobri se alguma vez foste real. Acho que é isto a vida imperfeita. Ou será o mais perfeita que se pode desejar? Pela resposta, apenas por ela, apetece-me sussurrar ao vento, ao nosso vento, àquele que me ensinaste a sentir:- Onde estás, liebezito?
O meu elevador está avariado
E depois? Tenho de ter o cuidado de avisar o leitor que pense em visitar-me por estes dias, que terá de subir a pé até ao meu andar. Não é muito alto, pois moro num segundo andar. A desgraça é que tem elevador, porque ao que parece os segundos andares sem elevador já estavam todos vendidos na cidade. Estranhei, mas embarquei na aventura de morar num prédio com elevador. Ou melhor, com dez elevadores. E dois portões de garagem. Achei que assim teria menor probabilidades de ter de subir a pé até ao meu apartamento, ou até de ficar com o carro trancafiado na garagem, quando dela quisesse sair. O leitor concordará comigo quanto à lógica do meu raciocínio e imediatamente passará à crónica seguinte, porque esta não tem assunto. "O tipo endoideceu" - pensará - "não tem assunto para escrever e resolveu divagar". O leitor terá razão, confesso. Mas tenho o elevador avariado. Bem sei, escrever nunca reparará um elevador e muito menos o meu elevador preferido. Sobretudo porque este foi a gota d’água, aquela que fez transbordar o copo da minha confuciana paciência. E pergunto ao leitor se não teria semi-endoidecido, como eu, se, no mesmo fim de semana:
a) O seu elevador, o seu preferido, o único dos dez que lhe passa à porta de casa, tivesse avariado duas vezes. Pior, agora avariasse todas as semanas, sempre com o mesmo irritante problema de ficar com as portas bloqueadas na cave sem que a empresa que os repara o consiga fazer decentemente, ou sequer lhe forneça uma explicação para o problema;
b) Um dos portões da sua garagem persistisse em avariar, sempre com o mesmo problema, quebra de um cabo do sem fim, sem que haja solução à vista para acabar com o mal;
c) O seu estofador, ao fim de dois meses de trabalho e de o ter colocado em segundo plano face a, seguramente, duas centenas de motoqueiros que precisavam de assentos reluzentes para as suas montadas, após insistentes telefonemas da sua parte, lhe conseguisse entregar-me umas cortinas que não servem nas janelas a que se destinavam, por serem demasiado pequenas, apesar de lhe ter entregue as antigas para que as pudesse medir adequadamente;
d) Uma das suas secretárias tivesse contraído varicela e a outra fosse de férias;
e) Tivesse tomado conhecimento que a sua filha de três anos adora ver o saber amar e que esta telenovela continua a passar na TVI;
f) Soubesse que o juiz Rui Teixeira está de férias na Fuzeta;
g) Confirmasse que Paulo Portas continua no governo, José Vitorino ainda é presidente da Câmara de Faro, Valentim Loureiro preside à Liga de Clubes e Gilberto Madaíl à Federação Portuguesa de Futebol...
Reparo no entanto que tudo o que escrevi é palha e não posso desta feita continuar com o meu rol de desgraças; nada disto faz sentido, quando na Televisão se noticia a desgraça que resulta do facto de uma pessoa de idade ficar sem qualquer haver depois de as parcas posses de uma vida terem servido de pasto às chamas de um incêndio. Sinto-me pequeno, mas ao mesmo tempo cheio de sorte. Amanhã vou conseguir com alguma alegria olhar para o meu estofador quando lhe for devolver os cortinados que serão reciclados como panos de pó. Infelizmente, jamais conseguirei exprimir alegria por Paulo, José, Valentim ou Gilberto. São maus demais, como qualquer incêndio, para ser verdade. E não há pano de pó que, no caso deles, nos valha, à falta de um Rui Teixeira, ou de uma varicela estival que os leve.
Vou, por estes dias de férias. Não para a Fuzeta. Por precaução. Claro.
e.alves@vizzavi.pt
a) O seu elevador, o seu preferido, o único dos dez que lhe passa à porta de casa, tivesse avariado duas vezes. Pior, agora avariasse todas as semanas, sempre com o mesmo irritante problema de ficar com as portas bloqueadas na cave sem que a empresa que os repara o consiga fazer decentemente, ou sequer lhe forneça uma explicação para o problema;
b) Um dos portões da sua garagem persistisse em avariar, sempre com o mesmo problema, quebra de um cabo do sem fim, sem que haja solução à vista para acabar com o mal;
c) O seu estofador, ao fim de dois meses de trabalho e de o ter colocado em segundo plano face a, seguramente, duas centenas de motoqueiros que precisavam de assentos reluzentes para as suas montadas, após insistentes telefonemas da sua parte, lhe conseguisse entregar-me umas cortinas que não servem nas janelas a que se destinavam, por serem demasiado pequenas, apesar de lhe ter entregue as antigas para que as pudesse medir adequadamente;
d) Uma das suas secretárias tivesse contraído varicela e a outra fosse de férias;
e) Tivesse tomado conhecimento que a sua filha de três anos adora ver o saber amar e que esta telenovela continua a passar na TVI;
f) Soubesse que o juiz Rui Teixeira está de férias na Fuzeta;
g) Confirmasse que Paulo Portas continua no governo, José Vitorino ainda é presidente da Câmara de Faro, Valentim Loureiro preside à Liga de Clubes e Gilberto Madaíl à Federação Portuguesa de Futebol...
Reparo no entanto que tudo o que escrevi é palha e não posso desta feita continuar com o meu rol de desgraças; nada disto faz sentido, quando na Televisão se noticia a desgraça que resulta do facto de uma pessoa de idade ficar sem qualquer haver depois de as parcas posses de uma vida terem servido de pasto às chamas de um incêndio. Sinto-me pequeno, mas ao mesmo tempo cheio de sorte. Amanhã vou conseguir com alguma alegria olhar para o meu estofador quando lhe for devolver os cortinados que serão reciclados como panos de pó. Infelizmente, jamais conseguirei exprimir alegria por Paulo, José, Valentim ou Gilberto. São maus demais, como qualquer incêndio, para ser verdade. E não há pano de pó que, no caso deles, nos valha, à falta de um Rui Teixeira, ou de uma varicela estival que os leve.
Vou, por estes dias de férias. Não para a Fuzeta. Por precaução. Claro.
e.alves@vizzavi.pt
segunda-feira, julho 28, 2003
Se eu mandasse (II)
Se eu mandasse, tornava obrigatória a leitura de O racismo explicado à minha filha de Tahar Ben Jelloun. Especialmente, aos autarcas portugueses (Cf. posts de 19 e 22 de Julho).
Viver no campo
Na «Pública», Maria Filomena Mónica confessa que no início da década de oitenta pensou em ir viver para o campo e que, depois de muito deambular por montes e vales, topou finalmente com a casa perfeita. «O idílio ficou cancelado, todavia, quando descobri não só que a casa fora deitada abaixo, mas que a aquisição de uma botija de gás, que teria de ser feita em Braga, levava uma hora.»
Pois... Não há nada como o campo, não há nada como uma casa de colmo com vacas à ilharga a servir «arcadianos propósitos». Mas, pelos vistos, se houver gás da companhia ou se existir uma central de distribuição que garanta a entrega das botijas em, digamos, cinco minutos...
Pois... Não há nada como o campo, não há nada como uma casa de colmo com vacas à ilharga a servir «arcadianos propósitos». Mas, pelos vistos, se houver gás da companhia ou se existir uma central de distribuição que garanta a entrega das botijas em, digamos, cinco minutos...
domingo, julho 27, 2003
sexta-feira, julho 25, 2003
Revista Sul
E não se esqueçam do lançamento do nº 7 da Revista Sul. É já amanhã, na Feira da Serra de S. Brás de Alportel pelas 18:00!
A culpa é do clima
A nossa memória meteorológica é uma desgraça. Todos os invernos é o inverno mais chuvoso de que há memória, ou o inverno mais seco de que há memória, ou o mais frio, ou o mais quente. A meteorologia, portanto, vem mesmo a calhar para justificar e desculpar a sobranceria burgessa com que destruímos paisagens e recursos, com que artificializamos linhas de água, com que impermeabilizamos zonas de máxima infiltração, com que potenciamos processos erosivos, com que construímos em zonas de risco: os senhores jornalistas (que nestas coisas sofrem de uma amnésia viral galopante) reportam então a desgraça das cheias, das moradias «germinadas» que são arrastadas por deslizamentos de terras em encostas imunes a qualquer excrescência de mato ou bosquete autóctone, de estradas cortadas pela violência das águas correndo em ribeiras canalizadas a montante, de incêndios que reduzem a cinzas florestas mono-específicas - justificando tudo isto, cientificamente, com a meteorologia: não há memória de ter chovido tanto, não há memória de as temperaturas terem subido tão alto...
Chega-se o Verão e, é claro, ele são os incêndios... No ano passado os jornalistas relatavam em directo a destruição da maior mancha florestal de pinheiro bravo da Europa, que, se bem me lembro, era a do concelho de Boticas; este ano relatam a destruição da maior mancha florestal de pinheiro bravo da Europa, que, ao que parece, agora é (era...) na zona Centro... No próximo ano (ou no ano em curso, com sorte) será outra, em outra zona do país. Em alguma coisa haveríamos de ser os melhores, ou pelo menos os maiores, da Europa civilizada...
Depois declaram-se situações de calamidade, sendo que ninguém a declara (à calamidade) na altura devida: no preciso momento em que as asneiras são cometidas e legitimadas com licença e alvará...
Embora, enfim, a culpa seja do raio da meteorologia, que nos é adversa...
Chega-se o Verão e, é claro, ele são os incêndios... No ano passado os jornalistas relatavam em directo a destruição da maior mancha florestal de pinheiro bravo da Europa, que, se bem me lembro, era a do concelho de Boticas; este ano relatam a destruição da maior mancha florestal de pinheiro bravo da Europa, que, ao que parece, agora é (era...) na zona Centro... No próximo ano (ou no ano em curso, com sorte) será outra, em outra zona do país. Em alguma coisa haveríamos de ser os melhores, ou pelo menos os maiores, da Europa civilizada...
Depois declaram-se situações de calamidade, sendo que ninguém a declara (à calamidade) na altura devida: no preciso momento em que as asneiras são cometidas e legitimadas com licença e alvará...
Embora, enfim, a culpa seja do raio da meteorologia, que nos é adversa...
quinta-feira, julho 24, 2003
Assalto ao Estado de Direito?
Nunca será demais salientar um trabalho de qualidade. Vem isto a propósito do excelente artigo redigido pelo Prof. Vital Moreira, publicado no jornal Público de ontem. Ali, o Prof. Vital Moreira faz aquilo que é preciso fazer e presta um excelente serviço à democracia e ao nosso sistema judicial. Pegando no caso Casa Pia e no sucedido no âmbito do recurso interposto pelo advogado Celso Cruzeiro, defensor do deputado Paulo Pedroso, Vital Moreira explica de forma pedagógica que um juiz é um membro de um órgão de soberania e por esse facto deve à lei - acima de qualquer outra pessoa - obediência e respeito. Mais, deve-lhe obediência inteligente e responsável, sem recurso a quaisquer subterfúgios ou malabarismos de nenhuma ordem. Esquecendo isso, ou manipulando a lei contra o respeito que lhe é imposto por tais funções, pratica um facto que pode e deve ser passível de investigação criminal.
No caso concreto referente a Paulo Pedroso, Vital Moreira volta a lembrar os factos do conhecimento público: estando interposto e pendente para apreciação, no Tribunal da Relação de Lisboa, um recurso de decisão proferida pelo juiz de instrução criminal Rui Teixeira que determinou o estabelecimento da medida de coacção da prisão preventiva àquele deputado, o mesmo juiz Rui Teixeira proferiu, na pendência de tal recurso, um despacho que confirmou a manutenção da prisão preventiva. Com isso, anulou o direito constitucional do arguido ao recurso, na medida em que a decisão recorrida deixa de existir, porque substituída por outra, ainda que de idêntico teor. É vil, fraudulento e, pior que tudo, inconstitucional, porquanto nada obrigava o juiz Rui Teixeira a rever os pressupostos de tal prisão preventiva, uma vez que a argumentação e os pressupostos se mantêm inalterados, como se infere do teor do novo despacho. Tal é tanto mais criticável porquanto faltava ainda um mês para que a revisão daqueles pressupostos (obrigatória a cada três meses) tivesse de ser realizada em face da lei do processo penal. Uma antecipação na análise dos mesmos justificar-se-ia se para alterar a prisão por medida menos gravosa - visto que não existe medida mais gravosa no sistema pena português, nunca para a manter. O juiz do Tribunal da Relação escusou-se em julgar materialmente o recurso com base neste formalismo, facto que igualmente merece reparo de idêntico teor.
Last but not the least, há dias, foi ainda mais assomboso ver um desembargador, em pleno horário nobre, a tentar defender perante as câmaras de televisão, o que é indefensável. Claro, como português e cidadão de um Estado de Direito, mais do que constrangido, fico arrepiado por verificar que em menos de três dias existem três membros de órgãos de soberania que se permitem defender publicamente a negação de um direito fundamental - o direito ao recurso - a um cidadão que procura a todo o custo defender um dos valores mais importantes para cada pessoa - a sua própria liberdade. Na verdade, tal é tanto mais assustador quanto o cidadão em causa é igualmente membro de um órgão de soberania, não porque lhe deva ser destinado tratamento mais favorável, mas porque sendo uma personalidade mediática cada novo desenvolvimento processual é seguido de forma sistemática pela opinião pública e tanto bastaria para que cada acto, cada despachado fosse reflectido e devidamente sustentado. E é isto que me assusta; esta completa ausência de temor pela tomada irresponsável de decisões arbitrárias. Não se trata sequer e apenas de bom senso, mas antes de responsabilidade, num duplo sentido. A um tempo, de respeito, através de um uso e interpretação prudentes das normais processuais e substantivas, noutro momento, da própria responsabilização pessoal pelos actos de um magistrado, quando deles derivem de forma grosseira - como é o caso - sérios danos para os agentes visados por estes, para a legalidade democrática, maxime, para as normas fundamentais do Estado de Direito de que fazem parte enquanto seus pilares de sustentação.
No caso concreto referente a Paulo Pedroso, Vital Moreira volta a lembrar os factos do conhecimento público: estando interposto e pendente para apreciação, no Tribunal da Relação de Lisboa, um recurso de decisão proferida pelo juiz de instrução criminal Rui Teixeira que determinou o estabelecimento da medida de coacção da prisão preventiva àquele deputado, o mesmo juiz Rui Teixeira proferiu, na pendência de tal recurso, um despacho que confirmou a manutenção da prisão preventiva. Com isso, anulou o direito constitucional do arguido ao recurso, na medida em que a decisão recorrida deixa de existir, porque substituída por outra, ainda que de idêntico teor. É vil, fraudulento e, pior que tudo, inconstitucional, porquanto nada obrigava o juiz Rui Teixeira a rever os pressupostos de tal prisão preventiva, uma vez que a argumentação e os pressupostos se mantêm inalterados, como se infere do teor do novo despacho. Tal é tanto mais criticável porquanto faltava ainda um mês para que a revisão daqueles pressupostos (obrigatória a cada três meses) tivesse de ser realizada em face da lei do processo penal. Uma antecipação na análise dos mesmos justificar-se-ia se para alterar a prisão por medida menos gravosa - visto que não existe medida mais gravosa no sistema pena português, nunca para a manter. O juiz do Tribunal da Relação escusou-se em julgar materialmente o recurso com base neste formalismo, facto que igualmente merece reparo de idêntico teor.
Last but not the least, há dias, foi ainda mais assomboso ver um desembargador, em pleno horário nobre, a tentar defender perante as câmaras de televisão, o que é indefensável. Claro, como português e cidadão de um Estado de Direito, mais do que constrangido, fico arrepiado por verificar que em menos de três dias existem três membros de órgãos de soberania que se permitem defender publicamente a negação de um direito fundamental - o direito ao recurso - a um cidadão que procura a todo o custo defender um dos valores mais importantes para cada pessoa - a sua própria liberdade. Na verdade, tal é tanto mais assustador quanto o cidadão em causa é igualmente membro de um órgão de soberania, não porque lhe deva ser destinado tratamento mais favorável, mas porque sendo uma personalidade mediática cada novo desenvolvimento processual é seguido de forma sistemática pela opinião pública e tanto bastaria para que cada acto, cada despachado fosse reflectido e devidamente sustentado. E é isto que me assusta; esta completa ausência de temor pela tomada irresponsável de decisões arbitrárias. Não se trata sequer e apenas de bom senso, mas antes de responsabilidade, num duplo sentido. A um tempo, de respeito, através de um uso e interpretação prudentes das normais processuais e substantivas, noutro momento, da própria responsabilização pessoal pelos actos de um magistrado, quando deles derivem de forma grosseira - como é o caso - sérios danos para os agentes visados por estes, para a legalidade democrática, maxime, para as normas fundamentais do Estado de Direito de que fazem parte enquanto seus pilares de sustentação.
Lucky Luke
Num país onde por vezes parece que nada funciona, é bom saber que as Finanças disparam mais rápido que a própria sombra: um amigo meu, antes ainda de conseguir embolsar um cent pela actividade por conta própria em que está inscrito (não, não é taxista), já recebeu a notificaçãozinha para efectuar o pagamento por conta...
Sinais
Nos últimos tempos, mais que a indignação pelo incumprimento das leis, o que parece sobretudo indignar-nos são as tentativas de garantir o seu cumprimento...
quarta-feira, julho 23, 2003
Profilaxia III
Engraçado... dois amigos diziam-me há dias que bom mesmo para prevenir o cancro na próstata, era, isso sim, a massagem da própria próstata. E demonstravam-me isso com estatísticas relativas aos ciclistas profissionais e à comunidade gay, que apresentam, segundo ele, baixíssimas taxas de incidência. Será assim?
Profilaxia (II)
Parece que já estou a ver a cena:
Farmacêutica - ... leva aqui este vídeo genérico...
Homem - Genérico?
Farmacêutica - Sim, é um video pornográfico igual aos outros, só que é em húngaro e sem legendas, percebe? Mas o que importa é o princípio activo... sim, é mais barato...
Farmacêutica - ... leva aqui este vídeo genérico...
Homem - Genérico?
Farmacêutica - Sim, é um video pornográfico igual aos outros, só que é em húngaro e sem legendas, percebe? Mas o que importa é o princípio activo... sim, é mais barato...
Profilaxia
Se está efectivamente demonstrado que a masturbação masculina previne o cancro da próstata, a literatura pornográfica devia começar a ser vendida... na farmácia.
Onde está o Ás?
Hoje, o mundo ocidental acordou com a notícia da morte dos dois filhos de Saddam - Usay e Qusay. Numa primeira análise e tendo em conta as primeiras reacções, o sentimento geral é de regozijo e de alívio, lamentando-se que falte ainda capturar o principal dos ases do ridículo baralho com que a administração americana anda a jogar ao poker das nações – o próprio Saddam Hussein.
Independentemente da infâmia do regime iraquiano e do escorbuto que lhe corroía as entranhas, nós ocidentais, e em particular europeus, defensores de uma herança milenar, temos de nos deter um pouco nas consequências que daqui derivam para a ordem mundial. Desde logo, há que saber o que significa, no actual quadro de estado ocupado, a morte dos filhos do anterior chefe de estado iraquiano. Em segundo lugar, o que pode legitimar tais mortes. Finalmente, o que legitima a continuação da ocupação do território iraquiano, não para assegurar a transição, mas para continuar a perseguição das cúpulas do antigo regime. É que, da análise destes aspectos resultará a necessidade de tomar medidas drásticas no seio da União Europeia (UE) , por forma a impedir que o Reino Unido torne a alinhar pelo diapasão americano em novas ofensivas do género, arrastando todo o velho continente em disparates semelhantes. Tal é tanto mais importante quanto faz ainda parte da coligação a Polónia - outro estado que irá integrar a UE.
Relativamente ao primeiro aspecto, as mortes de Usay e de Qusay, há algum tempo procurados pelas tropas da coligação anglo-polaco-americana, no contexto de perseguição em que ocorreram, encurralamento, troca de tiroteio e de bombardeamento com rockets e armas pesadas, sem dúvida que terá de ser considerado como comportamento intencional para eliminar os alvos. E pergunta-se: não haveria outra solução? Teria sido possível a sua captura? Neste âmbito, interessa questionar a administração americana relativamente ao que sucedeu aos demais membros do baralho que foram capturados. Os valetes, os duques, os reis, onde estão? Detidos ao abrigo de que normas? Que tratamento lhes está a ser submetido? Irão alguma vez ser submetidos a julgamento, ou encontram-se num limbo de prisioneiros preventivos que assim permanecerão? A serem levados a julgamento, ao abrigo de que direito e com base em que normas?
Relativamente ao segundo aspecto, é evidente que nada pode legitimar tais mortes. A não ser num contexto indefensável de simples decapitação da cúpula de um regime que se visa eliminar mediante a ocupação do território por si dominado. A história, ao invés do que se vem referindo, afinal, não é nova e repete-se. Um estado protagoniza a ocupação de outro, sem nenhum motivo, como se confirma, válido que legitime tal ocupação. Independentemente de se considerar que o derrube de uma ditadura constituirá sempre justificação para intervenção militar, o que é difícil contudo de aceitar, o certo é que não tendo sido encontradas armas de destruição maciça, nem químicas, nem bacteriológicas, a ocupação de ora em diante apenas se justificará para manter a segurança no território, e nunca para perseguir os membros do anterior regime. É que, note-se bem, a caça ao inimigo neste contexto só se justifica para o submeter a julgamento por crimes claros e definidos no quadro de uma ordem de legalidade nacional iraquiana, ou internacional. Ora, tal ordem internacional existe e é representada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Os Estados Unidos, como se sabe, não subscreveram o tratado de instituição do TPI e colocaram-se voluntariamente à sua margem pelo que, em consequência, são o país ocidental com menor legitimidade para perseguir criminosos à escala mundial. Afinal, o seu vil comportamento penaliza apenas o estado e políticas americanas e, aos olhos de um contexto de legalidade internacional, mais do que justificativo do seu ataque ao Iraque, o seu actual comportamento surge-nos como bárbaro e desprovido de qualquer fundamento. A Europa, uma vez mais, tem de pressionar o Reino Unido, e a Polónia, para que estes se decidam por uma ou outra via.
Sem dúvida que a resposta à terceira questão colocada é a de que nada, neste momento, justifica a continuação da ocupação anglo-polaco-americana. Eliminar a cúpula de um Estado sem outro fim que não a mera eliminação física ou simples detenção sem indício de culpa por ausência de normas que o justifiquem, é um acto bárbaro e não merece cobertura pela sociedade internacional. Tout court.
A ONU e a OTAN perdem neste contexto, ficam desvalorizadas, ameaçadas enquanto reféns dos EUA, pelo período em que tais actos persistirem. No limite, é a própria EU que, a reboque da desastrosa política de Tony Blair, fica comprometida enquanto não encontrar uma via que lhe permita construir uma política comum de defesa, mesmo que esta não represente mais do que a mera defesa conjunta – utópica e não bélica - da paz.
Independentemente da infâmia do regime iraquiano e do escorbuto que lhe corroía as entranhas, nós ocidentais, e em particular europeus, defensores de uma herança milenar, temos de nos deter um pouco nas consequências que daqui derivam para a ordem mundial. Desde logo, há que saber o que significa, no actual quadro de estado ocupado, a morte dos filhos do anterior chefe de estado iraquiano. Em segundo lugar, o que pode legitimar tais mortes. Finalmente, o que legitima a continuação da ocupação do território iraquiano, não para assegurar a transição, mas para continuar a perseguição das cúpulas do antigo regime. É que, da análise destes aspectos resultará a necessidade de tomar medidas drásticas no seio da União Europeia (UE) , por forma a impedir que o Reino Unido torne a alinhar pelo diapasão americano em novas ofensivas do género, arrastando todo o velho continente em disparates semelhantes. Tal é tanto mais importante quanto faz ainda parte da coligação a Polónia - outro estado que irá integrar a UE.
Relativamente ao primeiro aspecto, as mortes de Usay e de Qusay, há algum tempo procurados pelas tropas da coligação anglo-polaco-americana, no contexto de perseguição em que ocorreram, encurralamento, troca de tiroteio e de bombardeamento com rockets e armas pesadas, sem dúvida que terá de ser considerado como comportamento intencional para eliminar os alvos. E pergunta-se: não haveria outra solução? Teria sido possível a sua captura? Neste âmbito, interessa questionar a administração americana relativamente ao que sucedeu aos demais membros do baralho que foram capturados. Os valetes, os duques, os reis, onde estão? Detidos ao abrigo de que normas? Que tratamento lhes está a ser submetido? Irão alguma vez ser submetidos a julgamento, ou encontram-se num limbo de prisioneiros preventivos que assim permanecerão? A serem levados a julgamento, ao abrigo de que direito e com base em que normas?
Relativamente ao segundo aspecto, é evidente que nada pode legitimar tais mortes. A não ser num contexto indefensável de simples decapitação da cúpula de um regime que se visa eliminar mediante a ocupação do território por si dominado. A história, ao invés do que se vem referindo, afinal, não é nova e repete-se. Um estado protagoniza a ocupação de outro, sem nenhum motivo, como se confirma, válido que legitime tal ocupação. Independentemente de se considerar que o derrube de uma ditadura constituirá sempre justificação para intervenção militar, o que é difícil contudo de aceitar, o certo é que não tendo sido encontradas armas de destruição maciça, nem químicas, nem bacteriológicas, a ocupação de ora em diante apenas se justificará para manter a segurança no território, e nunca para perseguir os membros do anterior regime. É que, note-se bem, a caça ao inimigo neste contexto só se justifica para o submeter a julgamento por crimes claros e definidos no quadro de uma ordem de legalidade nacional iraquiana, ou internacional. Ora, tal ordem internacional existe e é representada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Os Estados Unidos, como se sabe, não subscreveram o tratado de instituição do TPI e colocaram-se voluntariamente à sua margem pelo que, em consequência, são o país ocidental com menor legitimidade para perseguir criminosos à escala mundial. Afinal, o seu vil comportamento penaliza apenas o estado e políticas americanas e, aos olhos de um contexto de legalidade internacional, mais do que justificativo do seu ataque ao Iraque, o seu actual comportamento surge-nos como bárbaro e desprovido de qualquer fundamento. A Europa, uma vez mais, tem de pressionar o Reino Unido, e a Polónia, para que estes se decidam por uma ou outra via.
Sem dúvida que a resposta à terceira questão colocada é a de que nada, neste momento, justifica a continuação da ocupação anglo-polaco-americana. Eliminar a cúpula de um Estado sem outro fim que não a mera eliminação física ou simples detenção sem indício de culpa por ausência de normas que o justifiquem, é um acto bárbaro e não merece cobertura pela sociedade internacional. Tout court.
A ONU e a OTAN perdem neste contexto, ficam desvalorizadas, ameaçadas enquanto reféns dos EUA, pelo período em que tais actos persistirem. No limite, é a própria EU que, a reboque da desastrosa política de Tony Blair, fica comprometida enquanto não encontrar uma via que lhe permita construir uma política comum de defesa, mesmo que esta não represente mais do que a mera defesa conjunta – utópica e não bélica - da paz.
O céu na Manta Rota
A Ursa Maior, esta noite, estava de patas para o ar. Vá lá que o país não é uma constelação (e que fosse: daqui a uns dias, a Ursa Maior sempre muda de posição, reequilibrando o trapézio agora descaído).
Nortada
Antes de partir de férias para o Brasil, Pinto da Costa apresentou comprovativos do pagamento do colégio da filha, contrariando as acusações de Filomena Pinto da Costa em entrevista recente ao Expresso, ficando-se ainda a saber (entre tanto...) que a prenda da filha, no dia do seu décimo sexto aniversário, custou 11.500 euros, conforme documentos igualmente publicitados. E dizer-se que tudo isto começou com a exemplificação do que é verdadeiramente um código deontológico...
Sotavento
Isto no Sotavento não se pode dizer que ande melhor que assim-assim, com a nortada a insistir e persistir. O meu amigo Zeca, que tem um bar e um humor ácido a ver os turistas a partilhar na esplanada um quarto de águas por agregado familiar, diz que se hoje comprasse um veleiro, o vento parava de imediato e ficávamos seis meses sem ponta de aragem. Assim vai o Verão...
terça-feira, julho 22, 2003
Se isto não é racismo... (II)
No Verão de 1996, em Oleiros, uma milícia popular apoiada por autarcas locais expulsou violentamente uma pequena comunidade de ciganos. Este incidente foi fortemente mediatizado, o que rapidamente deu origem a acontecimentos semelhantes noutras localidades, nomeadamente em Cervães, Cabanelas e Vila Verde. Algumas das perseguições às comunidades ciganas obtiveram mesmo o apoio público de responsáveis políticos locais.
No Verão de 2003 a cena ameaça repetir-se, agora no Algarve: o Presidente da Câmara de Faro mandou recentemente publicar um Edital onde ameaça de expulsão do concelho, os ciganos e outras minorias étnicas que não se portarem bem.
Por obedecerem já a um padrão suficientemente definido, estes acontecimentos merecem uma reflexão sociológica um pouco mais aprofundada.
Os ciganos que, em Portugal, são segregados de forma imposta ou voluntária desde há 500 anos, vêem-se agora demonizados, indiscriminadamente acusados de tráfico drogas e vítimas, não apenas de um forte sentimento de rejeição, como de condutas explicitas de expulsão. Esta minoria é percebida por certas franjas da restante população portuguesa como "inassimilável" e afastada da convivência, em nome das ameaças que, supostamente, constitui. Os ciganos são actuamente vítimas de um racismo cujas fontes se encontram em três níveis intimamente ligados: nos ancestrais preconceitos de que têm sido objecto ao longo dos tempos, nas mutações a que foram submetidos os seus próprios modos de vida e nas transformações sofridas pela sociedade portuguesa.
Por um lado, numa sociedade que se moderniza e se "desruraliza" as actividades a que os ciganos tradicionalmente se dedicavam e as funções sociais que cumpriam - o comércio ambulante de objectos, vestuário ou animais - não apenas entram em declínio como são mal vistas ou mesmo proibidas. As alternativas que se lhes apresentam não são muitas: a sedentarização e assimilação ou o ingresso na economia paralela e, eventualmente, no tráfico. Se a primeira alternativa é dificultada por muitos factores, onde se incluem os preconceitos herdados do passado e um certo afastamento voluntário que cumpre propósitos identitários, a segunda parece ter alimentado o pensamento racista de muitos portugueses: de repente, todos ciganos apareceram como a encarnação daquele que é percebido como o principal mal da modernidade: a droga. Por outro lado, as origens desta rejeição parecem poder encontrar-se nas mutações do mundo rural e na sua desestruturação; num sentimento de crise e de perda da identidade tradicional camponesa, ainda não completamente substituído por uma identidade moderna burguesa.
A presença de famílias ciganas nos terrenos limítrofes das pequenas cidades ou aldeias, nos bairros de habitação social ou nas escolas, é recusada em virtude da ambiguidade daquilo que eles passaram a representar para o resto da população. Os ciganos simbolizam, simultaneamente, o que a sociedade não quer da tradição: a exclusão, a pobreza, o analfabetismo, a ruralidade, a dureza da vida e a sua precaridade, e aquilo que não quer da modernidade: o anonimato das relações sociais, a igualdade de estatutos, a insegurança ou a criminalidade. É esta ambiguidade simbólica que os transforma no bode expiatório ideal e no objecto privilegiado de um perigoso "diferencialismo" que preconiza e põe em acto a sua expulsão.
No Verão de 2003 a cena ameaça repetir-se, agora no Algarve: o Presidente da Câmara de Faro mandou recentemente publicar um Edital onde ameaça de expulsão do concelho, os ciganos e outras minorias étnicas que não se portarem bem.
Por obedecerem já a um padrão suficientemente definido, estes acontecimentos merecem uma reflexão sociológica um pouco mais aprofundada.
Os ciganos que, em Portugal, são segregados de forma imposta ou voluntária desde há 500 anos, vêem-se agora demonizados, indiscriminadamente acusados de tráfico drogas e vítimas, não apenas de um forte sentimento de rejeição, como de condutas explicitas de expulsão. Esta minoria é percebida por certas franjas da restante população portuguesa como "inassimilável" e afastada da convivência, em nome das ameaças que, supostamente, constitui. Os ciganos são actuamente vítimas de um racismo cujas fontes se encontram em três níveis intimamente ligados: nos ancestrais preconceitos de que têm sido objecto ao longo dos tempos, nas mutações a que foram submetidos os seus próprios modos de vida e nas transformações sofridas pela sociedade portuguesa.
Por um lado, numa sociedade que se moderniza e se "desruraliza" as actividades a que os ciganos tradicionalmente se dedicavam e as funções sociais que cumpriam - o comércio ambulante de objectos, vestuário ou animais - não apenas entram em declínio como são mal vistas ou mesmo proibidas. As alternativas que se lhes apresentam não são muitas: a sedentarização e assimilação ou o ingresso na economia paralela e, eventualmente, no tráfico. Se a primeira alternativa é dificultada por muitos factores, onde se incluem os preconceitos herdados do passado e um certo afastamento voluntário que cumpre propósitos identitários, a segunda parece ter alimentado o pensamento racista de muitos portugueses: de repente, todos ciganos apareceram como a encarnação daquele que é percebido como o principal mal da modernidade: a droga. Por outro lado, as origens desta rejeição parecem poder encontrar-se nas mutações do mundo rural e na sua desestruturação; num sentimento de crise e de perda da identidade tradicional camponesa, ainda não completamente substituído por uma identidade moderna burguesa.
A presença de famílias ciganas nos terrenos limítrofes das pequenas cidades ou aldeias, nos bairros de habitação social ou nas escolas, é recusada em virtude da ambiguidade daquilo que eles passaram a representar para o resto da população. Os ciganos simbolizam, simultaneamente, o que a sociedade não quer da tradição: a exclusão, a pobreza, o analfabetismo, a ruralidade, a dureza da vida e a sua precaridade, e aquilo que não quer da modernidade: o anonimato das relações sociais, a igualdade de estatutos, a insegurança ou a criminalidade. É esta ambiguidade simbólica que os transforma no bode expiatório ideal e no objecto privilegiado de um perigoso "diferencialismo" que preconiza e põe em acto a sua expulsão.
Classificados no Verão
Metemo-nos nos classificados do Diário de Notícias, em sendo o Verão, e apetece a pilhéria, a blague, a ironia. Procurar compreender, por exemplo, esse fetiche pelas universitárias que dominam os anúncios de prestação de serviços, e também procurar adivinhar o desempenho académico de uma delas, de 17 anos, presume-se que com classificações bastantes nas específicas, com busto 40, inocente, que está disponível 24 horas por dia e garante estacionamento. Mas também o largo espectro das disponibilidades, desde a brasileira carinhosa à minhota peluda e de pernas largas (esta deve ser um must, e eu só me admira que o seu telefone esteja assim à mão de semear -- há-de ser lapso...), passando pela donzela que garante, em apartamento privado «e vai a hotéis», sexo grátis. Acontece que em alguns dos anúncios se referencia, não tanto a medida do busto, não tanto o grau académico, não tanto a facilidade em estacionar sem parquímetro a caminho da função, mas a possibilidade de fazer sexo sem usar «a borrachinha». E a coisa deixa de ter piada. Ainda (ou também por isso) que nos recordemos do outro que dizia, «tire-me essa coisa, menina, que eu abafo»...
segunda-feira, julho 21, 2003
Convite!
Considerem-se os leitores deste blogue formalmente convidados para o lançamento do nº 7 da revista Sul.
O acontecimento terá lugar no próximo dia 26 (Sábado), no Stand Municipal da Feira da Serra de S. Brás de Alportel, pelas 18:00, a que seguirá um beberete.
Voltaremos a lembrar-lhes o evento.
O acontecimento terá lugar no próximo dia 26 (Sábado), no Stand Municipal da Feira da Serra de S. Brás de Alportel, pelas 18:00, a que seguirá um beberete.
Voltaremos a lembrar-lhes o evento.
Doce revisited II
Peço desculpa aos leitores (continuo com a ideia que eles existem). Acabo de ser informado que as Doce, enfim, apenas três delas, estiveram no último programa do Herman José. Consta que foi uma verdadeira desilusão nacional. Rezam as crónicas que estão obesas, com aspecto entradote e pouco cuidado. Pior, que entre elas houve discussão feia e que Laura Diogo, a namorada do benfiquista Reinaldo, cortou relações com as três restantes. É pena. Assim sendo, nada perdi de importante no fim de semana, muito pelo contrário, na medida em que mantenho intactas as memórias de adolescente.
Há momentos na vida em que o passado deve manter-se intocado. A primeira queca (palavra que o dicionário de correcção ortográfica do meu computador insiste em não aceitar), o primeiro charro, o primeiro espatifanço do automóvel favorito do pai, são alguns desses instantes. As Doce estão nesse limiar de memórias agradáveis que se mistura com uma música inaudível. Estão entre o mau gosto no vestir, apenas perdoável pela volúpia das formas que aquele escondia, e o desejo de uma Wagneriana cavalgada. São o doce e o bizarro aspecto das fantasias de cada um de nós. Na passada semana, aqueles que viram o programa do Herman perderam um pouco dessa fantasia. Pior, foram brutalmente obrigados a crescer um pouco mais e ficaram com a certeza que os sonhos de criança, afinal, à imagem do Pai Natal, não perduram no tempo. Por mais doces que sejam. Imperdoável, Herman.
Há momentos na vida em que o passado deve manter-se intocado. A primeira queca (palavra que o dicionário de correcção ortográfica do meu computador insiste em não aceitar), o primeiro charro, o primeiro espatifanço do automóvel favorito do pai, são alguns desses instantes. As Doce estão nesse limiar de memórias agradáveis que se mistura com uma música inaudível. Estão entre o mau gosto no vestir, apenas perdoável pela volúpia das formas que aquele escondia, e o desejo de uma Wagneriana cavalgada. São o doce e o bizarro aspecto das fantasias de cada um de nós. Na passada semana, aqueles que viram o programa do Herman perderam um pouco dessa fantasia. Pior, foram brutalmente obrigados a crescer um pouco mais e ficaram com a certeza que os sonhos de criança, afinal, à imagem do Pai Natal, não perduram no tempo. Por mais doces que sejam. Imperdoável, Herman.
Doce revisited
Consegui. Passei todo um fim de semana sem ouvir falar da concentração de Faro. Não vi uma única motorizada, não cheirei o mais pequeno indício de óleo de competição, não me apercebi do mais pequeno "rater" dos bikers. Cansei-me de nadar, de comer e, confesso, de não ler a mais pequena linha de jornal ou sequer de um livro. Nada, o zero intelectual absoluto ou, se preferirem, o obsceno "zero ground" intelectual. Abandonei o telefone num canto, e só ontem me lembrei dele. Maravilha das maravilhas, apenas uma ou duas chamadas não atendidas no visor me recordavam que havia outro mundo para além do meu. Mas tudo, mesmo que bem bom, acaba.
Hoje, o mesmo telefone despertou-me para "este" mundo. Cinco minutos depois de abrir o primeiro olho, ligo a televisão e de imediato julguei que me tinha enganado no tempo em que regressara à civilização. "A grande novidade para este Verão" - afirmava o locutor - "será uma nova versão das Doce. A não perder, já a seguir...". Eu, telespectador sonolento, despertei de imediato, e procurei relocalizar-me no tempo. As Doce? Quem não se lembra delas? Quem se pode esquecer daquele quarteto que invadiu os sonhos mais ou menos molhados de metade dos adolescentes nacionais, muito antes da invenção do wonderbra, da silicone e das "marés vivas"? Quem se pode esquecer do... enfim.... romance entre a Laura e o benfiquista Reinaldo? Quem pode obnubilar que foi unicamente a partir desse momento que o Benfica se tornou maior que o Sporting no panorama desportivo? Se dúvidas existiam, elas dissiparam-se e o Benfica foi alcandorado a mito, porque um dos seus conseguira meter o tento por que muitos suspiravam e desejavam. O "seu" Reinaldo, jogador de talento duvidoso, tornou-se, para uns, objecto da inveja nacional, enquanto para outros se tornou num aríete dos desejos intimistas de cada um. O país parou e o anedotário nacional enriqueceu. Tempos gloriosos, sem dúvida.
Mas perdoe-me o leitor (imaginando que este existe e se dá ao genuíno trabalho de ler o que escrevo), que me esqueci de relatar o resto do meu acordar matinal. Nos segundos que sucederam a notícia, seguiu-se o saudoso "Bem Bom", com direito a teledisco e tudo... numa versão "remix" muito pop, muito leve, a atirar para o corneto de morango. Nada de Doce, apenas a música, com batida que teria, na minha opinião, de ser mais house para se tornar aceitável. Tudo o resto era apenas desenhos animados. As Doce já não existem, continuam a ser uma miragem dos meus sonhos de adolescente. Os sonhos esta manhã, não foram molhados. Já nada é bem bom.
Hoje, o mesmo telefone despertou-me para "este" mundo. Cinco minutos depois de abrir o primeiro olho, ligo a televisão e de imediato julguei que me tinha enganado no tempo em que regressara à civilização. "A grande novidade para este Verão" - afirmava o locutor - "será uma nova versão das Doce. A não perder, já a seguir...". Eu, telespectador sonolento, despertei de imediato, e procurei relocalizar-me no tempo. As Doce? Quem não se lembra delas? Quem se pode esquecer daquele quarteto que invadiu os sonhos mais ou menos molhados de metade dos adolescentes nacionais, muito antes da invenção do wonderbra, da silicone e das "marés vivas"? Quem se pode esquecer do... enfim.... romance entre a Laura e o benfiquista Reinaldo? Quem pode obnubilar que foi unicamente a partir desse momento que o Benfica se tornou maior que o Sporting no panorama desportivo? Se dúvidas existiam, elas dissiparam-se e o Benfica foi alcandorado a mito, porque um dos seus conseguira meter o tento por que muitos suspiravam e desejavam. O "seu" Reinaldo, jogador de talento duvidoso, tornou-se, para uns, objecto da inveja nacional, enquanto para outros se tornou num aríete dos desejos intimistas de cada um. O país parou e o anedotário nacional enriqueceu. Tempos gloriosos, sem dúvida.
Mas perdoe-me o leitor (imaginando que este existe e se dá ao genuíno trabalho de ler o que escrevo), que me esqueci de relatar o resto do meu acordar matinal. Nos segundos que sucederam a notícia, seguiu-se o saudoso "Bem Bom", com direito a teledisco e tudo... numa versão "remix" muito pop, muito leve, a atirar para o corneto de morango. Nada de Doce, apenas a música, com batida que teria, na minha opinião, de ser mais house para se tornar aceitável. Tudo o resto era apenas desenhos animados. As Doce já não existem, continuam a ser uma miragem dos meus sonhos de adolescente. Os sonhos esta manhã, não foram molhados. Já nada é bem bom.
sábado, julho 19, 2003
Se isto não é racismo... (I)
Noticia o Correio da Manhã que o Presidente da Câmara de Faro, ameaçou de expulsão, através de edital, todos os indivíduos de «etnia cigana que sejam apanhados a roubar ou a provocar desacatos»(sic).
Já estavamos habituados aos excessos do Sr.Vitorino mas desta vez, convenhamos, foram ultrapassados todos os limites da decência, da moral e da legalidade.
Teremos Oleiros revisitado passados 7 anos, agora no Sul do país?
Será que é preciso estar sempre a lembrar aos autarcas portugueses que a presunção da inocência e a autonomia dos tribunais são dois dos mais fortes pilares de um verdadeiro Estado de Direito?
Será que temos de lembrar ao Sr. Vitorino que a Constituição da República consagra a
liberdade de circulação e de fixação em qualquer parte do território nacional e que proíbe formalmente qualquer forma de discriminação com base na «raça», «etnia» ou confissão religiosa?
Se isto não é racismo...
Já estavamos habituados aos excessos do Sr.Vitorino mas desta vez, convenhamos, foram ultrapassados todos os limites da decência, da moral e da legalidade.
Teremos Oleiros revisitado passados 7 anos, agora no Sul do país?
Será que é preciso estar sempre a lembrar aos autarcas portugueses que a presunção da inocência e a autonomia dos tribunais são dois dos mais fortes pilares de um verdadeiro Estado de Direito?
Será que temos de lembrar ao Sr. Vitorino que a Constituição da República consagra a
liberdade de circulação e de fixação em qualquer parte do território nacional e que proíbe formalmente qualquer forma de discriminação com base na «raça», «etnia» ou confissão religiosa?
Se isto não é racismo...
É por isso que gosto dos bares de praia
Sabem que o padrão camuflado está na moda, e no entanto insistem em aparecer com padrões camuflados...
sexta-feira, julho 18, 2003
Dar a mão (Emplastro II)
(Obrigado pela tua chamada de atenção; obrigado por me teres chamado a capítulo; obrigado por me teres desancado com argumentos que vão, inteiros, em favor do que dizes: quando somos injustos, que pelo menos essa injustiça nos pese...)
Probability Box
Richard Kadrey, um dos autores mais importantes do movimento conhecido no meio da literatura de ficção científica como ciberpunk, apresentou em Janeiro passado na revista Infinite Matrix, uma micro-história intitulada "Probability Box". Uma Probability Box (PB) é um aparelho (de origem alienígena) em tudo semelhante a uma televisão, apenas com a diferença que a PB apresenta programas que nunca existiram, programas cujas probabilidades de existência foram ínfimas e que por isso nunca chegaram a acontecer: imaginem Casablanca com um jovem Ronald Reagan em vez de Bogart, os filmes (que ele nunca chegou a filmar) D. Quixote e Heart of Darkness de Orson Wells ou a série de TV Kung Fu com o primeiro indicado para o papel, Bruce Lee... ou só para acabar, uma temporada extra de Twin Peaks...
Mas as PB também passam notícias, telejornais que juntam no mesmo saco ficção, realidade, sonho, fantasia, tudo ao molho e fé em Deus. Assim, por exemplo, temos notícias da Ilha da Culatra com esgotos e saneamento básico decente, ou então, Portugal com uns bilhões de euros gastos em escolas e hospitais e merdas assim... bibliotecas, sei lá... em vez de serem gastos em estádios de futebol; gestores competentes à frente da empresas públicas; a TAP e a RTP a darem lucro; medidas de combate à crise eficientes; enfim, tudo o que se quiser, porque a grande vantagem das PB é que estas, com o tempo, se adaptam cada vez mais aos desejos do dono, fazendo com que cada um possa ver apenas o mundo da maneira que mais lhe agrada.
Eu nem sou esquisito, para mim, sai um 2004 sem futebol, sefachavôr, e um Anjo Selvagem com as bubies de silicone da Alexandra Lencastre no principal papel, obrigado.
Mas as PB também passam notícias, telejornais que juntam no mesmo saco ficção, realidade, sonho, fantasia, tudo ao molho e fé em Deus. Assim, por exemplo, temos notícias da Ilha da Culatra com esgotos e saneamento básico decente, ou então, Portugal com uns bilhões de euros gastos em escolas e hospitais e merdas assim... bibliotecas, sei lá... em vez de serem gastos em estádios de futebol; gestores competentes à frente da empresas públicas; a TAP e a RTP a darem lucro; medidas de combate à crise eficientes; enfim, tudo o que se quiser, porque a grande vantagem das PB é que estas, com o tempo, se adaptam cada vez mais aos desejos do dono, fazendo com que cada um possa ver apenas o mundo da maneira que mais lhe agrada.
Eu nem sou esquisito, para mim, sai um 2004 sem futebol, sefachavôr, e um Anjo Selvagem com as bubies de silicone da Alexandra Lencastre no principal papel, obrigado.
Munch (1863-1944) revisitado no Olsen
Nada separa o Auto-Retrato Depois da
Gripe (c. 1919) e o Auto-Retrato Entre o
Relógio e a Cama, iniciado em 1940 e
concluído em 1942, em três anos sucessivos
de abandonos e regressos, talvez já não
molhando a tela com água da torneira e
expondo-a aos elementos físicos, e depois
raspando, pintando de novo, voltando a raspar.
E nada separa estes dois quadros do
terror quase melancólico de um outro
óleo de 1881, A Velha Igreja de Aker, com as
casas fechadas e a mesma impossibilidade de
encontro e diálogo marcada pelo ocre das
empenas e por um céu iluminado pela
sua própria sombra. Em Abril de 1998, à
mesa do Olsen, o engenheiro do Instituto de
Hidráulica de Copenhaga recupera da infância o
som das botas dos nazis pisando as ervas
do quintal de casa dos seus pais, onde
Munch, por esse tempo, passara um fim de
semana regressando de Asgardstrand,
e afirma que O Grito (1893, têmpera
e pastel sobre madeira) é já o retrato
do século XX. E que todos estes quadros são
o mesmo quadro. E que Munch haveria
necessariamente de morrer numa Noruega
ocupada pelo ódio, retirado na sua
quinta de Ekely, para que a Arte fosse,
acima da técnica e do estilo, uma ciência
semelhante à História, mas que relata os
factos de um futuro que por
antecipação é possível apreender
nos seus traços essenciais.
Gripe (c. 1919) e o Auto-Retrato Entre o
Relógio e a Cama, iniciado em 1940 e
concluído em 1942, em três anos sucessivos
de abandonos e regressos, talvez já não
molhando a tela com água da torneira e
expondo-a aos elementos físicos, e depois
raspando, pintando de novo, voltando a raspar.
E nada separa estes dois quadros do
terror quase melancólico de um outro
óleo de 1881, A Velha Igreja de Aker, com as
casas fechadas e a mesma impossibilidade de
encontro e diálogo marcada pelo ocre das
empenas e por um céu iluminado pela
sua própria sombra. Em Abril de 1998, à
mesa do Olsen, o engenheiro do Instituto de
Hidráulica de Copenhaga recupera da infância o
som das botas dos nazis pisando as ervas
do quintal de casa dos seus pais, onde
Munch, por esse tempo, passara um fim de
semana regressando de Asgardstrand,
e afirma que O Grito (1893, têmpera
e pastel sobre madeira) é já o retrato
do século XX. E que todos estes quadros são
o mesmo quadro. E que Munch haveria
necessariamente de morrer numa Noruega
ocupada pelo ódio, retirado na sua
quinta de Ekely, para que a Arte fosse,
acima da técnica e do estilo, uma ciência
semelhante à História, mas que relata os
factos de um futuro que por
antecipação é possível apreender
nos seus traços essenciais.
Exemplos de maioridade
Os diabos vermelhos já ultrapassaram os problemas resultantes da indigitação do Hélder e a concomitante subalternização do Simaozinho Sabrosa: a distribuição dos bilhetes no aeroporto, tarefa árdua e tradicionalmente cometida ao capitão da equipa, foi assumida pelos dois, a meias. A «Bola» aplaude na primeira página. Nós também.
Se o Benfica resolve assim, com elegância, estas dissenções, a Cruz Vermelha e o sr. ministro estão à espera de quê?
Se o Benfica resolve assim, com elegância, estas dissenções, a Cruz Vermelha e o sr. ministro estão à espera de quê?
É o Verão
«Adoro-os às rodelas» - eis o slogan brilhante de uma cadeia de supermercados. A frase, entre comas, é acompanhada de uma menina de lábios grossos e olhar (digamos) convidativo e da imagem de um chouriço cortado às rodelas. A gente quase se encolhe - a pensar se não haverá outro estabelecimento «ali ao lado» onde possa, sem sobressaltos, comprar o pão, a cerveja e os artigos de charcutaria.
quinta-feira, julho 17, 2003
Atirar ao boneco
Não me prestarei à defesa de Herman José neste caso do Emplastro (que, consensualmente, domina actualmente a blogosfera). Mas talvez não fosse má política - e este é apenas o meu contributo - incluirmos no rol dos acusados os quarenta e nove sujeitos que nos últimos tempos me enviaram, via mail, fotomontagens e anedotas do dito (e eu próprio, enfim, que reenviei um deles: o Emplastro e Sua Santidade João Paulo II estão a uma janela e um dos fiéis pergunta: quem é aquele sujeito de branco que está ali a acenar ao lado do Emplastro?).
Bem sei que isto é terreno escorregadio, e que uma piada totó pode ser terrivelmente perversa: mas às vezes também me parece que é demasiado fácil arranjar assim uma vítima (neste caso o Herman vem a calhar), expô-la num palanque e começarmos todos a atirar ao boneco, a ver quem o tomba primeiro.
Bem sei que isto é terreno escorregadio, e que uma piada totó pode ser terrivelmente perversa: mas às vezes também me parece que é demasiado fácil arranjar assim uma vítima (neste caso o Herman vem a calhar), expô-la num palanque e começarmos todos a atirar ao boneco, a ver quem o tomba primeiro.
Os únicos dois locais...
Nos próximos 4 dias só há dois locais em todo o concelho de Faro onde se pode estar sem ver motos, sem ouvir motos, sem se estar rodeado de motos, sem se ser atropelado por motos. São eles, a Ilha da Culatra (ver posts anteriores) e o interior do recinto da concentração das motos...
O Sul do Sul (outra versão)
Se tu soubesses, meu caro Eurico (e a Culatra até nem é o melhor exemplo...), o quanto eu dava por ter uma casa onde quase pudesse pescar da janela da sala, uma casa na praia da ilha ou da península, uma casa minha em domínio público (quer dizer: em terrenos públicos...), uma casa nas dunas, uma casa onde já mais ninguém pudesse fazer nenhuma nem fazer-me sombra - e que depois a mesa do orçamento me pagasse o lancil e o murete, o autoclismo e o bidé, o candeeiro público e a recolha selectiva do lixo - sei lá...
quarta-feira, julho 16, 2003
Picasso, Dalí, Cesariny...
Já aqui demos conta da excelente programação da Casa das Artes de Tavira para o Verão de 2003: as exposições de Elna Hellwig («9 Nichos na Casa das Artes») e Miguel Martinho («Redes Neuronais Artificiais») continuam até ao próximo dia 3 de Agosto - e a seu tempo nos quedaremos na Vanguarda Homeostética, em New York Tavira e no mais que se verá...
Mas, ainda em Tavira, o Palácio da Galeria apresenta um núcleo fundamental (o surrealismo) da colecção Joe Berardo, e isso não poderia ficar aqui sem o realce devido: Picasso, Dalí, Max Ernst, Duchamp, Picabia, Miró, Chirico, Pollock - são apenas exemplos...
Numa altura em que o encontro de «motáres» marca, também na comunicação social, a agenda cultural da vilegiatura burgessa - é bom confrontarmo-nos com exemplos assim: longe dos «ratéres», até 14 de Setembro, Tavira merece (por muito mais que isto, obviamente) uma demorada visita.
Mas, ainda em Tavira, o Palácio da Galeria apresenta um núcleo fundamental (o surrealismo) da colecção Joe Berardo, e isso não poderia ficar aqui sem o realce devido: Picasso, Dalí, Max Ernst, Duchamp, Picabia, Miró, Chirico, Pollock - são apenas exemplos...
Numa altura em que o encontro de «motáres» marca, também na comunicação social, a agenda cultural da vilegiatura burgessa - é bom confrontarmo-nos com exemplos assim: longe dos «ratéres», até 14 de Setembro, Tavira merece (por muito mais que isto, obviamente) uma demorada visita.
O Sul do Sul
Chega-se por barco, não há outra hipótese. Não tem estradas, não tem aeroportos, apenas areia. E mar. Por todos os lados, como convém, segundo o conceito de ilha que nos ensinaram quando a idade ainda tinha só um algarismo. A atmosfera, pesada, sente-se à chegada. O cheiro, o ambiente, a sujidade, o alcoolismo. Podia ser um paraíso, mas o aspecto desolado e aqueles problemas não o permitem. Nem o excesso de alumínios cinzentos, que abunda, nas fachadas das casas, a exemplo do que se passa no resto do país. Chama-se Culatra, o lugar, fica a Sul do Sul de um Portugal que aqui também passa ao lado do paraíso. Um Portugal que não apenas existiu como existe, não foi banido nem é feito de memórias. Miséria humana que podia ter sido proscrita, assim o quisessem os Políticos que neste canto nunca existiram, ou nunca passaram de políticos. A ilha pertence ao concelho de Faro, mas nenhuma carreira fluvial ou marítima regular a liga à sede do seu concelho. O habitante da Culatra que um dia, por hipótese absurda, queira ir pagar a sua taxa de esgotos - assim o próximo presidente da câmara, a exemplo dos seus antecessores, cumpra mais esta promessa de instalação de saneamento básico - na sede do seu município terá¡ de apanhar um barco para Olhão e depois seguir de autocarro ou comboio para Faro, perfazendo em seguida o caminho de regresso. Terá com isto perdido um dia, mas que importância tem isso no ridículo número de votos que os culatrenses representam? Mesmo assim, há anos que na Culatra se boicotam todas as eleições, ainda que os políticos nunca se esqueçam do lugar nas suas promessas, em vésperas de campanha. É já um clássico. E seria uma anedota, se não existissem fossas a céu aberto, lixo espalhado nas ruas, areia suja, restos de garrafas e artefactos de pesca nos locais de passagem. Ultrapassadas as primeiras casas, tudo melhora e no final, do lado do oceano, há um mar do tamanho do mundo, iluminado por um Sol quente que nos faz esquecer a primeira sensação. O sal invade-nos e mistura-se com o sangue. Deixamo-nos cair na areia, e rezamos para não ter de sair do paraíso. O problema, é que no regresso, temos de passar pelo mesmo caminho em sentido inverso. E questionamo-nos. Necessariamente. Esta gente não tem nacionalidade? Não paga os seus impostos? Não tem direitos? A explicação, simples, prende-se em parte com a precariedade das casas, com a sua clandestinidade e com o défice de cidadania que poucos se interessaram por colmatar. Estranho país este, em que o Estado cobra impostos (contribuição autárquica) sobre a propriedade de bens ocupados por cidadãos que são clandestinos em suas próprias casas.
E contudo, à evidência, uma de duas soluções lógicas se afigura como necessária, a saber: uma, ou as casas são clandestinas e terão de ser demolidas (cessando o Estado de cobrar impostos aos seus ocupantes) provendo o Estado-providência ao realojamento dos seus cidadãos; ou, segunda hipótese, as casas são legalizadas, as infra-estruturas públicas são construídas e definidas claramente as regras do urbanismo para a zona.
Qualquer que seja a solução, urge pugnar por ela, exigindo-se o compromisso dos políticos na sua resolução. Digam o que disserem, nenhum deles cumpriu as suas promessas. José Vitorino à cabeça. Infelizmente, nada que se não adivinhasse quando foi eleito.
E contudo, à evidência, uma de duas soluções lógicas se afigura como necessária, a saber: uma, ou as casas são clandestinas e terão de ser demolidas (cessando o Estado de cobrar impostos aos seus ocupantes) provendo o Estado-providência ao realojamento dos seus cidadãos; ou, segunda hipótese, as casas são legalizadas, as infra-estruturas públicas são construídas e definidas claramente as regras do urbanismo para a zona.
Qualquer que seja a solução, urge pugnar por ela, exigindo-se o compromisso dos políticos na sua resolução. Digam o que disserem, nenhum deles cumpriu as suas promessas. José Vitorino à cabeça. Infelizmente, nada que se não adivinhasse quando foi eleito.
É aquela altura do ano.
Onde é que eu já (ou)vi isto?
Get your motor runnin'
Head out on the highway
Lookin' for adventure
And whatever comes our way
(...)
Like a true nature's child
We were born, born to be wild
We can climb so high
I never wanna die
Born to be wild
Born to be wild
Todos os anos é a mesma coisa. A partir de amanhã e até domingo, ao som de "Born to be wild", as imagens da concentração de Faro vão fazer o fecho de todos os telejornais cá do burgo.
Segue-se lista dos planos e locuções com que vamos ser brindados nos próximos dias:
- Grande plano (junto ao châo) da roda de uma mota a arrancar.
LOCUÇÃO - A partir de hoje todos os caminhos vão dar ao Vale das Almas em Faro... (que original)
- Plano fixo de estrada onde passam centenas de motas.
LOCUÇÃO - ... e milhares de "motáres" acorrem para 4 dias de festa e de celebração de um estilo de vida ... (vómito)
- Plano de meia dúzia de cámones, todos muito cagados, muito barbudos e cheios de tatuagens.
LOCUÇÃO - ... os convivas chegam de todas as partes do mundo ...
- Plano de um anormal com um capacete ornamentado com uns grandes cornos.
LOCUÇÃO - ... mas são sobretudo os portugueses ...
- Plano de bêbedo a babar-se enquanto dorme no chão entre duas tendas.
LOCUÇÃO - ... e se alguns optam por repôr as forças ...
- Grande plano de umas grandes mamas de uma grande bifa deitada na areia da praia de Faro.
LOCUÇÃO - ... outros há preferem dar um salto até à praia para um mergulho revigorante nas águas límpidas do oceano... (desculpem, eles DIZEM MESMO estas merdas, eu já ouvi.)
- Plano de um imbecil a dar "ráteres" no Jardim da Doca, ladeado por duas bestas que fazem "Burn outs".
LOCUÇÃO - ... a festa estende-se também à cidade de Faro ...
- Plano do Ti Manel que já está arrependidíssimo de ter vindo de Sanbrás até à cidade na sua Famel XF 17 Super com 35 anos de idade.
LOCUÇÃO - ... e ninguém quer ficar de fora.
Corte para estúdio e pivot fecha com uma frase do tipo:
PIVOT - A festa das duas rodas já começou em Faro, hoje que se celebram os 45 anos da criação da primeira retrete para astronautas.
Boa noite e até amanhã.
Get your motor runnin'
Head out on the highway
Lookin' for adventure
And whatever comes our way
(...)
Like a true nature's child
We were born, born to be wild
We can climb so high
I never wanna die
Born to be wild
Born to be wild
Todos os anos é a mesma coisa. A partir de amanhã e até domingo, ao som de "Born to be wild", as imagens da concentração de Faro vão fazer o fecho de todos os telejornais cá do burgo.
Segue-se lista dos planos e locuções com que vamos ser brindados nos próximos dias:
- Grande plano (junto ao châo) da roda de uma mota a arrancar.
LOCUÇÃO - A partir de hoje todos os caminhos vão dar ao Vale das Almas em Faro... (que original)
- Plano fixo de estrada onde passam centenas de motas.
LOCUÇÃO - ... e milhares de "motáres" acorrem para 4 dias de festa e de celebração de um estilo de vida ... (vómito)
- Plano de meia dúzia de cámones, todos muito cagados, muito barbudos e cheios de tatuagens.
LOCUÇÃO - ... os convivas chegam de todas as partes do mundo ...
- Plano de um anormal com um capacete ornamentado com uns grandes cornos.
LOCUÇÃO - ... mas são sobretudo os portugueses ...
- Plano de bêbedo a babar-se enquanto dorme no chão entre duas tendas.
LOCUÇÃO - ... e se alguns optam por repôr as forças ...
- Grande plano de umas grandes mamas de uma grande bifa deitada na areia da praia de Faro.
LOCUÇÃO - ... outros há preferem dar um salto até à praia para um mergulho revigorante nas águas límpidas do oceano... (desculpem, eles DIZEM MESMO estas merdas, eu já ouvi.)
- Plano de um imbecil a dar "ráteres" no Jardim da Doca, ladeado por duas bestas que fazem "Burn outs".
LOCUÇÃO - ... a festa estende-se também à cidade de Faro ...
- Plano do Ti Manel que já está arrependidíssimo de ter vindo de Sanbrás até à cidade na sua Famel XF 17 Super com 35 anos de idade.
LOCUÇÃO - ... e ninguém quer ficar de fora.
Corte para estúdio e pivot fecha com uma frase do tipo:
PIVOT - A festa das duas rodas já começou em Faro, hoje que se celebram os 45 anos da criação da primeira retrete para astronautas.
Boa noite e até amanhã.
Aproximação a Almotássim
Seria borgiano se uma peça de Borges tivesse desaparecido misteriosamente de todas as edições menos de um exemplar recuperado numa biblioteca caseira. E a peça que procuras, caro jcb, a Aproximação a Almotássim consta efectivamente da minha estante.
Contudo, não seria grave se a narrativa tivesse realmente desaparecido, pois essa, como todas as narrativas possíveis, estaria na outra Biblioteca...
Contudo, não seria grave se a narrativa tivesse realmente desaparecido, pois essa, como todas as narrativas possíveis, estaria na outra Biblioteca...
Heterodoxias
As ortodoxias enganam-se sempre e enganam-nos sempre. Só as heterodoxias são fecundas na interpretação do mundo. Porque são modestas e polifónicas, por se basearem num regime de verdade «fraco», raramente incorrem na falsidade. Porque são humildes e desconfiadas, raramente nos enganam.
A força da ortodoxia reside sempre na tradição e na manutenção, mesmo nas ortodoxias revolucionárias. A heterodoxia é sim, sempre revolucionária, mesmo que não apregoe a mudança num estalar de dedos.
Pensar ao contrário, pensar como se nada fosse um dado, pensar que se as respostas não são imediatas é porque as perguntas estão mal colocadas, desconfiar da grande teoria e acreditar - sim, acreditar - que a incorporação dos contrários é possível. E isto sem cedências ao pensamento contraditório, que não incorpora nem concilia, antes «soma e segue».
A heterodoxia consiste em assumir a complexidade do mundo e os limites da razão humana sem ceder nem ao relativismo nihilista nem à tentação totalitária.
A força da ortodoxia reside sempre na tradição e na manutenção, mesmo nas ortodoxias revolucionárias. A heterodoxia é sim, sempre revolucionária, mesmo que não apregoe a mudança num estalar de dedos.
Pensar ao contrário, pensar como se nada fosse um dado, pensar que se as respostas não são imediatas é porque as perguntas estão mal colocadas, desconfiar da grande teoria e acreditar - sim, acreditar - que a incorporação dos contrários é possível. E isto sem cedências ao pensamento contraditório, que não incorpora nem concilia, antes «soma e segue».
A heterodoxia consiste em assumir a complexidade do mundo e os limites da razão humana sem ceder nem ao relativismo nihilista nem à tentação totalitária.
As infinitas galerias hexagonais
Quatro dias de férias não dão para muito: tomo o meu novo exemplar das Ficções, editado pelo PÚBLICO na Colecção Mil Folhas, e decido-me reler quatro peças: «Tlön, Uqbar, Orbis Tertius», «A aproximação a Almotásim», «Pierre Menard, autor do Quixote» e «A Seita da Fénix» (confesso que só muitos anos após a primeira leitura desta peça compreendi que eu próprio era um antigo e militante executor do simplicíssimo rito...).
Conheço bem este livro: aliás, conheço-o praticamente desde o tempo de iniciado na Seita da Fénix. Por isso estranhei não encontrar à primeira uma das minhas peças preferidas: «A aproximação a Almotásim»... Quase com terror, descubro que a peça não consta do meu exemplar, e que de «Tlön, Uqbar, Orbis Tertius», se passa de imediato para «Pierre Menard, autor do Quixote»... Que é feito do relato desse romance originalmente publicado em Bombaim nos anos 30, se bem me lembro?
Já passa da uma da manhã. Não tenho em casa nenhuma outra edição do livro de Borges (quando aprendo a não emprestar Os Livros?). Alguém me pode ajudar? O meu exemplar será diferente de todos os outros exemplares desta edição? Borges escreveu ou não uma peça intitulada «A aproximação a Almotásim»? E, sim ou não, em alguma remota edição esta peça chegou um dia a ser impressa?
Conheço bem este livro: aliás, conheço-o praticamente desde o tempo de iniciado na Seita da Fénix. Por isso estranhei não encontrar à primeira uma das minhas peças preferidas: «A aproximação a Almotásim»... Quase com terror, descubro que a peça não consta do meu exemplar, e que de «Tlön, Uqbar, Orbis Tertius», se passa de imediato para «Pierre Menard, autor do Quixote»... Que é feito do relato desse romance originalmente publicado em Bombaim nos anos 30, se bem me lembro?
Já passa da uma da manhã. Não tenho em casa nenhuma outra edição do livro de Borges (quando aprendo a não emprestar Os Livros?). Alguém me pode ajudar? O meu exemplar será diferente de todos os outros exemplares desta edição? Borges escreveu ou não uma peça intitulada «A aproximação a Almotásim»? E, sim ou não, em alguma remota edição esta peça chegou um dia a ser impressa?
terça-feira, julho 15, 2003
Um poema da Ria
O vento afastou hoje algumas pessoas da praia. Em honra e benefício de quem ficou em casa sujeito à programação televisiva do Estio, e não idiotizou ainda, aqui se deixa um poema de Ibne Darrague Alcacetali, nascido em Cacela em 958 e falecido em 1030:
A onda correu sob os navegantes
e sobre a água voou um pato
a que tivessem emprestado as asas da aurora
para revolutear sobre as abas da tarde.
(in Portugal na Espanha Árabe. António Borges Coelho, Ed. Caminho)
A onda correu sob os navegantes
e sobre a água voou um pato
a que tivessem emprestado as asas da aurora
para revolutear sobre as abas da tarde.
(in Portugal na Espanha Árabe. António Borges Coelho, Ed. Caminho)
São coisas assim que nos salvam
Se bem compreendi (eu vinha da praia e começava a preparar-me para uma patuscada de tremoços), o Jornal da Tarde dava-nos conta de uma manifestação da freguesia da Aguieira, na escadaria da Assembleia da República, afirmando a sua recusa em pertencer ao recém-criado concelho de Canas. Deve ser a este espírito que o sr. prof. Boaventura se refere quando escreve, a propósito, exactamente, da elevação a concelho de Canas de Senhorim («essa vitória do povo democrático»): «Num momento de pessimismo nacional é consolador ver uma comunidade a festejar o êxito da sua luta pela auto-estima, um êxito que se afirma numa vitória democrática traduzida numa votação da Assembleia da República».
Ainda não é desta...
Todos os anos, em chegando o Verão, confesso que lá vou eu às escondidas procurar nas revistas da especialidade uns conselhos para reduzir a barriga e umas receitas que nos permitem emagrecer sem passar fome. É verdade que não costumo ser muito bem sucedido. Enfim, já sabia que é possível emagrecer um pouco se abdicar das bebidas alcoólicas, da carne, dos queijos, das empadas, dos enchidos, dos fritos, dos aperitivos, dos molhos, dos doces, etc., sendo que neste etc. vai tudo quanto não sejam espetadas de tomate e pepino, queijo fresco magro, frutas, vinho branco de sete graus e quejandos... Mas na VISÃO desta semana descubro finalmente o ovo de Colombo: os tremoços. De facto, fico a saber que «os tremoços não são calóricos e sabem sempre bem numa patuscada».
Quer dizer: eu só desconhecia que não eram calóricos, porque de resto sempre foi do meu conhecimento que sabiam sempre muito bem numa patuscada (ainda que não haja cerveja, nem carnes, nem queijos, nem enchidos, nem doces)...
Quer dizer: eu só desconhecia que não eram calóricos, porque de resto sempre foi do meu conhecimento que sabiam sempre muito bem numa patuscada (ainda que não haja cerveja, nem carnes, nem queijos, nem enchidos, nem doces)...
segunda-feira, julho 14, 2003
Ainda as leis
É um termo interessante: «auto-vivenda». No sábado à noite lá estava, junto à praia, na placa sinalizadora de parque de estacionamento: «excepto caravanas, auto-caravanas e auto-vivendas». Estacionando a custo por entre as caravanas e similares que desafiavam duplamente as leis da república (a lei geral, porque passava das 20.00 horas, e a sinalização específica - para além do abuso de serem várias e arrumadas em fila ostensiva), confesso que por um instante me arreceei de deixar ali o carro estacionado, não fosse apanhar uma multa: é que às tantas já só não é proibido o que a lei expressamente proíbe.
domingo, julho 13, 2003
A não ser que não se cumpra...
O João Filipe, em post anterior, insurge-se contra as motas de água. Aqui há uns dias, no Abrupto, Pacheco Pereira trazia a terreiro uma discussão sobre as pedreiras, chamando a atenção para qualquer coisa de «selvagem e irrecuperável que destrói um pouco de Portugal todos os dias».
Acontece que ambas as actividades (chamemos-lhes assim) são enquadradas por legislação específica.
A legislação relativa à extracção de massas minerais, por exemplo, prevê a recuperação paisagística das pedreiras (de resto, qualquer operação de exploração de uma pedreira só pode ocorrer após a aprovação do respectivo plano ambiental e de recuperação paisagística, que deverá ser implementado simultaneamente à própria exploração) e a existência de um rigoroso plano de lavra (que não respeita apenas ao desmonte e aos sistemas de extracção, mas também ao transporte, à energia e à água, aos sistemas de segurança, aos esgotos, etc.)... Está lá tudo...
A circulação de motas de água, por sua vez, é proibida a uma distância inferior a 300 metros das praias, e manobrá-las implica a existência de uma carta de navegador que se obtém mediante exame rigoroso. Por outro lado, está legalmente prevista a possibilidade de interdição destes artefactos em planos de água ou troços de costa sempre que tal se justifique por razões de segurança ou necessidades de conservação de ecossistemas sensíveis.
Como se vê, o João Filipe e o Pacheco Pereira devem estar equivocados: a legislação em vigor garante que a exploração de pedreiras se desenvolve em absoluta compatibilidade com os valores paisagísticos e ambientais existentes, e que a circulação de motas de água é efectuada por cavalheiros encartados e em locais onde não resultem problemas de segurança, inconvenientes de ordem ambiental ou perturbações para os amantes da vela...
Acontece que ambas as actividades (chamemos-lhes assim) são enquadradas por legislação específica.
A legislação relativa à extracção de massas minerais, por exemplo, prevê a recuperação paisagística das pedreiras (de resto, qualquer operação de exploração de uma pedreira só pode ocorrer após a aprovação do respectivo plano ambiental e de recuperação paisagística, que deverá ser implementado simultaneamente à própria exploração) e a existência de um rigoroso plano de lavra (que não respeita apenas ao desmonte e aos sistemas de extracção, mas também ao transporte, à energia e à água, aos sistemas de segurança, aos esgotos, etc.)... Está lá tudo...
A circulação de motas de água, por sua vez, é proibida a uma distância inferior a 300 metros das praias, e manobrá-las implica a existência de uma carta de navegador que se obtém mediante exame rigoroso. Por outro lado, está legalmente prevista a possibilidade de interdição destes artefactos em planos de água ou troços de costa sempre que tal se justifique por razões de segurança ou necessidades de conservação de ecossistemas sensíveis.
Como se vê, o João Filipe e o Pacheco Pereira devem estar equivocados: a legislação em vigor garante que a exploração de pedreiras se desenvolve em absoluta compatibilidade com os valores paisagísticos e ambientais existentes, e que a circulação de motas de água é efectuada por cavalheiros encartados e em locais onde não resultem problemas de segurança, inconvenientes de ordem ambiental ou perturbações para os amantes da vela...
sábado, julho 12, 2003
Motas de água
É conhecida a aversão de todos os velejadores por tudo o que se desloca a motor sobre as águas. Não existe nada como movermo-nos num plano de água tendo apenas como ruído de fundo o leve roçar do vento nas velas de um barco. Deve ser daí que vem a minha repugnância por aqueles aparelhos que nesta época invadem as nossas praias, rias, lagoas ou barragens, commumente desigados por «motas de água». Como se não bastasse o barulho que individualmente produzem, têm por hábito deslocar-se em enxames ensurdecedores. Também parece não lhes bastar a imensidão do mar ou a dimensão das albufeiras pois têm o péssimo costume de trazer para a borda de água as suas ridículas exibições. E parecem reproduzir-se como os coelhos, pois a despeito da recessão ou da crise, cada vez há mais e com mais falta de respeito. Às vezes, quando me perturbam o sossego da contemplação das ondas, apetece-me abater os condutores com uma carabina de precisão, outras vezes, apetece-me ensiná-los a velejar.
sexta-feira, julho 11, 2003
O meu coração é árabe
Como é tão verdade que mudam os tempos e mudam as vontades.
Veja-se este poema do poeta árabe Ibn 'Arabî escrito no longínquo Al-Andaluz dos sécs. XII/XIII:
Meu coração acolhe tudo:
é pradaria de gazelas e claustro de monges cristãos,
templo de ídolos e Kaaba de peregrinos,
tábuas da Tora e livro do Corão.
Sigo somente a religião do amor
(...)
Minha única fé, e minha crença, é o amor.
Ibn 'Arabî ( Murcia 1165-1240)
Ode XI
Veja-se este poema do poeta árabe Ibn 'Arabî escrito no longínquo Al-Andaluz dos sécs. XII/XIII:
Meu coração acolhe tudo:
é pradaria de gazelas e claustro de monges cristãos,
templo de ídolos e Kaaba de peregrinos,
tábuas da Tora e livro do Corão.
Sigo somente a religião do amor
(...)
Minha única fé, e minha crença, é o amor.
Ibn 'Arabî ( Murcia 1165-1240)
Ode XI
Se eu mandasse (1)
Se eu mandasse, tornava obrigatória a leitura de Identidades assassinas de Amin Malouf. Escrito há cinco anos, já lá estava o nosso mundo todo: o 11 de Setembro e a Guerra do Golfo só o vieram actualizar. Uma reflexão profunda e desasombrada acerca das questões identitárias, dos nacionalismos exacerbados, do racismo contemporâneo, da globalização cultural hegemónica, das ortodoxias religiosas ou do «choque das civilizações», escrita por um dos melhores romancistas actuais de língua francesa, numa linguagem simultaneamente despretensiosa e arrebatadora. Um texto que não se fica pelo pessimismo fácil da moderna filosofia política mas que apresenta corajosas alternativas morais à intolerância e ao hiper-relativismo vigentes.
O desejo do autor acerca do destino do livro «era que o seu neto, já homem, o encontrasse um dia por acaso na biblioteca da família, o folheasse e percorresse, e o colocasse outra vez no sítio poeirento de onde o tinha tirado, encolhendo os ombros de espanto pelo facto de no tempo do avô ainda ter sido preciso dizer aquelas coisas.»
Um livro que, indubitavelmente, torna o mundo melhor.
Mas, se eu mandasse, não obrigava ninguém a ler nada.
O desejo do autor acerca do destino do livro «era que o seu neto, já homem, o encontrasse um dia por acaso na biblioteca da família, o folheasse e percorresse, e o colocasse outra vez no sítio poeirento de onde o tinha tirado, encolhendo os ombros de espanto pelo facto de no tempo do avô ainda ter sido preciso dizer aquelas coisas.»
Um livro que, indubitavelmente, torna o mundo melhor.
Mas, se eu mandasse, não obrigava ninguém a ler nada.
Um milagre no Arkansas
Depois de 19 anos em coma profundo, Terry Wallis recuperou a consciência. A primeira palavra que disse foi: "mãe". A segunda palavra que disse foi: "Pepsi". De acordo com o director social do Centro de Cuidados e Reabilitação de Stone County, a sua recuperação está mais que garantida. A nós também nos parece que sim...
Comparado com quê?
O PÚBLICO de ontem faz umas comparações engraçadas entre o Real Madrid e o Nacional da Madeira para justificar "o assombroso salto de Peseiro" (ex-treinador do clube do Funchal, actual adjunto de Queirós na equipa das estrelas). Na peça realça-se por exemplo que apenas cerca de 0.1 por cento da população do município de Madrid caberia de uma só vez no Estádio Engº Rui Alves (3000 lugares), enquanto que para encher o Estádio Santiago Bernabéu (75.328 lugares) seriam necessários 73 por cento da população do concelho do Funchal...
Pois eu parece-me que tudo é relativo: na verdade, o número de sócios do Nacional (assombroso relativamente à população concelhia: 8600) encheria quase três vezes o Estádio Engº Rui Alves; por sua vez, os sócios do Real Madrid (70000) não seriam suficientes para lotar o Santiago Bernabéu, mesmo que levassem como convidados todos os residentes de um concelho recém-criado no país de José Peseiro, incluindo maiores de 65 anos e bebés de chupeta...
Pois eu parece-me que tudo é relativo: na verdade, o número de sócios do Nacional (assombroso relativamente à população concelhia: 8600) encheria quase três vezes o Estádio Engº Rui Alves; por sua vez, os sócios do Real Madrid (70000) não seriam suficientes para lotar o Santiago Bernabéu, mesmo que levassem como convidados todos os residentes de um concelho recém-criado no país de José Peseiro, incluindo maiores de 65 anos e bebés de chupeta...
quinta-feira, julho 10, 2003
Cacela
Sopa harira, pastilha de frango com amêndoas, tagine de carne de vaca com ameixas e amêndoas - eis uma amostra do menu árabe, cristão e sefardita que pode encontrar em Cacela Velha, de hoje até domingo próximo, numa revisitação do ambiente dos séculos X a XIII. São as Noites da Moura Encantada.
E, que mais não fosse, é sempre irrepetível a paisagem da Ria vista do muro da muralha - a península, as estacas dos viveiros erguidas na maré, a barreira arenosa e a linha do horizonte a definirem em planos sucessivos o azul da laguna, o azul do mar, o azul do céu.
E, que mais não fosse, é sempre irrepetível a paisagem da Ria vista do muro da muralha - a península, as estacas dos viveiros erguidas na maré, a barreira arenosa e a linha do horizonte a definirem em planos sucessivos o azul da laguna, o azul do mar, o azul do céu.
Problema lógico
Encontrei-o numa nota de rodapé de uma crónica do Miguel Vale de Almeida, não pude deixar de o reproduzir aqui, sem mais:
Angústia da morte: medo de deixar de viver. Sentido da vida: ninguém sabe o que é. O problema lógico é evidente: como se pode ter medo de deixar de usufruir de algo cujo sentido se desconhece?
Angústia da morte: medo de deixar de viver. Sentido da vida: ninguém sabe o que é. O problema lógico é evidente: como se pode ter medo de deixar de usufruir de algo cujo sentido se desconhece?
quarta-feira, julho 09, 2003
Histórias de Exemplo
Este Arthur William Costigan havia de trazer outra água no bico quando se meteu a falar assim sem mais aquelas de "um país tão pouco merecedor de ser visto como Portugal"... Adiante: a seu tempo volveremos a este pássaro que entre 1778 e 1779 remeteu ao irmão, para a Grande Bretanha, quarenta e quatro cartas desinteressadas e isentas. Pois em missiva datada de Faro, em 1778, Castigan informa que o principal comércio da região "consiste em figos e amêndoas, alguns vinhos, laranjas, cortiça e sumagre"; e acrescenta que "esse comércio é feito por três ou quatro casas inglesas estabelecidas em Faro, às quais proporciona um lucro exorbitante, devido ao módico preço por que compram esses produtos aos pobres camponeses da terra". Uns dias depois, seguindo a caminho de Castro Marim, não deixará de notar, "dolorosamente, à direita, ao longo do mar, um vasto pântano inteiramente inculto que, com algumas sangrias feitas através dele, poderia ser transformado num dos mais ricos terrenos". Ou seja: o artista, não se dando o caso de por aqui andar de passagem célere a caminho de Lisboa, havia de pousar e transformar a Ria Formosa em terrenos férteis, para depois mais as casas inglesas colherem "o lucro exorbitante" à custa do "módico preço" por que se adquirem os bens ao povo autóctone...
Destas histórias, obviamente, poderíamos nós, duzentos e vinte e cinco anos depois, tirar ao menos exemplo e algum proveito...
(A. W. Costigan - Cartas sobre a Sociedade e os Costumes de Portugal, 1778-1779. Círculo de Leitores, 1992)
Destas histórias, obviamente, poderíamos nós, duzentos e vinte e cinco anos depois, tirar ao menos exemplo e algum proveito...
(A. W. Costigan - Cartas sobre a Sociedade e os Costumes de Portugal, 1778-1779. Círculo de Leitores, 1992)
Os subsídios
Este meu amigo de férias na Manta Rota, com três mil hectares de terrenozinho no Alentejo e o seu novo BM a brilhar no estacionamento da praia, pergunta-me o que será da agricultura portuguesa, maxime a alentejana, quando acabarem os subsídios da comunidade.
Pois eu parece-me só que de facto isto a lavoura está má e que os apoios deveriam ser renegociados, senão qualquer dia ainda obrigam estes pobres agricultores a fazer agricultura, e não está certo.
Pois eu parece-me só que de facto isto a lavoura está má e que os apoios deveriam ser renegociados, senão qualquer dia ainda obrigam estes pobres agricultores a fazer agricultura, e não está certo.
Cortazar
Abro Les armes sècretes de Júlio Cortazar. O título de um conto atrai-me de imediato: Le fils de la vierge. Descubro com espanto que se trata da história de um fotógrafo amador, estrangeiro em Paris como eu próprio já fui. Sem perder o espanto descubro que se trata do conto que inspirou Antonioni no suberbo Blow Up. Não consigo deixar de pensar que o conto é infinitamente mais belo do que o filme, e mais perverso também. Embrenhado na tensão do desejo do conto Les armes secrètes lembro-me, de repente, que vivi a alguns metros do quarto onde viveu Cortazar em Paris. Sim, o meu quarto na Maison des Étudiants Canadiens na Cité Universitaire distava apenas dois passos da Fondación Argentina onde Cortazar viveu nos anos 50. Não pude impedir-me de pensar que algumas destas histórias sublimes começaram a ser imaginadas no pequeno quarto que agora exibe a placa: «aqui vivió el grande escriptor argentino...»
Imperdível (2)
Diz-me o jcb, em post anterior, que Manuel João Vieira, Pedro Portugal e Pedro Proença vão expor na Casa das Artes de Tavira.
Trata-se de um conjunto de artistas plásticos que tem vindo a fazer uma das coisas mais importantes, difíceis e raras no domínio da produção artística em Portugal: o humor; um humor irresistível. Desde os anos oitenta - quando integravam o grupo "homeostéticos" - que este trio nos assombra ou nos faz rir às lágrimas com as suas produções verdadeiramente heréticas e iconoclastas.
Pedro Portugal com os "códigos" plásticos, as intervenções multimédia ou as irresistíveis citações do mundo da arte, Pedro Proença com um traço a tinta da china e um imaginário realmente inconfundíveis e Manuel João Vieira (para quem não sabe, é o vocalista dos conhecidíssimos Ena Pá 2000) com um desenho perturbador prometem uma exposição, no mínimo, delirante. Sim, imperdível.
Trata-se de um conjunto de artistas plásticos que tem vindo a fazer uma das coisas mais importantes, difíceis e raras no domínio da produção artística em Portugal: o humor; um humor irresistível. Desde os anos oitenta - quando integravam o grupo "homeostéticos" - que este trio nos assombra ou nos faz rir às lágrimas com as suas produções verdadeiramente heréticas e iconoclastas.
Pedro Portugal com os "códigos" plásticos, as intervenções multimédia ou as irresistíveis citações do mundo da arte, Pedro Proença com um traço a tinta da china e um imaginário realmente inconfundíveis e Manuel João Vieira (para quem não sabe, é o vocalista dos conhecidíssimos Ena Pá 2000) com um desenho perturbador prometem uma exposição, no mínimo, delirante. Sim, imperdível.
O post da montanha
Se dispusesse desta ferramenta, digamos, em 1980, será que Miguel Torga sucumbiria ao fascínio dos blogues e deixaria de publicar os seus diários, desde há tantos anos compostos e impressos pelos diligentes funcionários da Gráfica de Coimbra? Se sim, no dia 15 de Julho de 1980, seguindo o seu endereço digital (http://opostdamontanha.blogspot.com), o país haveria de ler o seguinte texto:
"Portugal. Toda a sua vitalidade de hoje me lembra a de um pântano. Uma podridão a fervilhar."
Estou que muito boa gente o haveria de adicionar aos favoritos...
"Portugal. Toda a sua vitalidade de hoje me lembra a de um pântano. Uma podridão a fervilhar."
Estou que muito boa gente o haveria de adicionar aos favoritos...
Imperdível
Macjête é um blogue verdadeiramente imperdível, mas tenho dúvidas de que alguém, a norte da Serra do Caldeirão, o compreenda verdadeiramente.
Mas há mais
O Programa Verão 2003 da Casa das Artes propõe-se levar-nos a Tavira de 12 de Julho a 13 de Setembro, todos os dias, das 21.00 às 00.30 horas (as inaugurações são às dez da noite). Façam favor de estar atentos: da coisa, que promete (Manuel João Vieira, Pedro Portugal, Pedro Proença, "A Vida dos Papas"...), prometemos nós trazer aqui conta periódica e atempada.
Elna em Tavira
Elna Hellwig nasceu no Norte da Alemanha, em Eutin, e vive no sotavento algarvio desde 1982, numa casa onde uma alfarrobeira se ergue e se espalha a dar sombra a um pequeno pátio. A esta casa se chega, vindo do litoral, depois de percorrer uma estrada estreita rodeada de pomares, amendoeiras dispersas e agaves, e de virar à esquerda, antes da ponte sobre o caminho de ferro, sendo possível aí parar por instantes a olhar a serra e as linhas de cumeada sucedendo-se. Desta a outra casa, a Casa das Artes de Tavira, leva-nos agora a sua própria arte: Elna propõe-se intervir nos nove nichos da galeria cuja existência, apesar do seu encanto, questiona. No próximo dia 12, às 22 horas (rua João Vaz Corte Real, nº 96), saberemos porquê.
terça-feira, julho 08, 2003
Polícia (1)
Um destes dias, durante um jantar, ouvi uma amiga a repreender a filha de três anos: «Porta-te bem senão chamo o sr. polícia e ele leva-te!» Soou-me estranho. Não pude deixar de lhe dizer que, assim, só estava a instilar na criança o medo da polícia. E lembrei-me de, quando eu próprio era pequeno, o meu pai me dizer que os polícias eram amigos, que se me acontecesse alguma coisa ou se me perdesse dele, devia imediatamente procurar um polícia. Que as pessoas de bem nada devem temer da polícia. E passada a revolta natural da adolescência contra qualquer forma de autoridade, foi esta a ideia que permaneceu. Mas a minha amiga, que por acaso é advogada, respondeu-me de imediato: «Tu não lês jornais? Não vês televisão? Neste país deve-se mesmo ter medo da polícia!»
Será?
Será?
Venham mais cinco
Ficamos a saber pelo terras do nunca que o jmf também para cá vem daqui a 3 semanas. E é bem vindo, como todos; mas que leia primeiro o nosso post de 03.07.03 ...
segunda-feira, julho 07, 2003
O segredo para a crise
No barlavento da pretérita quinta-feira, um leitor propõe a criação do concelho de Armação de Pêra, com o pretexto de que não haverá outra forma de travar a sua destruição "pelo cimento armado". Por sua vez, a Associação Quarteira a Concelho afirma que o concelho de Quarteira - que resultaria do desmembramento do actual município de Loulé - permitiria "gerir melhor os recursos existentes no seu território". Isto, como se vê, com mais trezentos ou quatrocentos concelhos o país começava a entrar nos eixos, e às tantas reduzia-se o déficit, e repunham-se as taxas de desemprego em patamares civilizados, e os taxistas recuavam nas suas reivindicações, e a CGTP assinava um acordo formal com a CIP, e as arribas deixavam de cair em cima dos areais empurradas por factores antrópicos, e talvez até o Sporting no próximo ano (agora com o grande reforço de o Jardel pelos vistos sair de vez) ainda fizesse um bonito na Super Liga...
Ainda que fosse como testemunha abonatória
Com tanta gente nas praias do Algarve, como se viu neste fim de semana, não é de supor que seja estatisticamente representativo o número de pessoas que aguarda o início das férias judiciais (16 de Julho p.f.) para marcar as suas próprias férias sem correr o risco de vê-las interrompidas por uma chamada ao TIC e uma medida de coacção pouco consentânea com os apelos da época estival.
Algarves e tudo
Um Pouco Mais de Sul - blogue mantido por João Filipe Marques (JFM), José Carlos Barros (jcb) e Eurico Alves (E) - agradece as atenções de Abrupto, Aviz e Jaquinzinhos. Não apenas, obviamente, por ser de regra que estes agradecimentos se façam...
Dia HPI
Há dias, já mais calmo, olhei friamente para os números da minha declaração de IRS e achei obscenos os números com que tive coragem de a preenchar. Não porque sejam muito elevados - há com toda a certeza muitos portugueses que têm razões para esterem mais escandalizados que eu - mas apenas porque o facto de pertencer a um grupo restrito de pessoas em Portugal me faz sentir um peso de responsabilidade incomum para a maioria dos portugueses. Passo a explicar. Declarei ao fisco tudo o que consegui ganhar durante todo o ano 2002, nem um cêntimo a mais, nem um cêntimo a menos, fiz todos os abatimentos possíveis e imaginários que a legalidade e um correcto enquadramento fiscal me permitem, não esbanjei dinheiro, não saí do país e fiz uma vida relativamente regrada. Trabalhei em média 10 horas por dia, por vezes aos fins de semana. Outros o fizeram, a maioria, provavelmente não. Fui tributado pelo escalão máximo em sede de IRS, facto que não é difícil, atento nível baixo dos escalões que compõem o imposto. Outro dado importante, devo dizê-lo, é que sou heterossexual e não sou simpatizante nem sócio do Benfica. Olhando em volta, vejo que existe um dia para os gays e lésbicas, o dia de combate ao racismo, o dia do perdão da dívida fiscal do Benfica, o dia das bruxas, o dia da inauguração de cada um dos estádios do Euro 2004, o último dia de cada prazo com que temos de nos ater em cada dia da nossa vida. O dia do cigano, o dia do doente cardíaco, o dia da Unicef, o dia do tuberculoso, enfim, um dia, uns mais que outros, para cada causa, meritória. E todavia, não existe um dia para esta minoria que consiste no heterossexual pagador de impostos. Nós não temos sede, não temos associação, não somos reconhecidos por nenhuma entidade oficial e pagamos quotas como ninguém para pertencer a uma colectividade da qual não nos podemos desvincular. É este o preço da solidariedade social, é esta a consequência do contrato social que outros subscreveram por nós... pois, é fraco argumento, que tenho de aceitar, claro, mas cujo enquadramento deve ser, definitivamente, posto em causa, num dia de reflexão nacional. Dia HPI. Procuram-se sócios. Que los hay
Os "psis" e a Psicologia
Uma amiga psiquiatra que dava aulas numa licenciatura em Psicologia desistiu recentemente daquela actividade por não querer ser conivente com o ensino que se ministrava naquela faculdade. Não queria - confessou-me - ser responsável pela existência daquele tipo de psicólogos. Na altura só lhe consegui responder que não sentia o mesmo tipo de responsabilidade porque, em princípio, dos futuros economistas que são os meus estudantes, não depende a vida de ninguém. Mas esta conversa reavivou em mim algumas reflexões e interrogações já antigas: O que é efectivamente um psicólogo? O que é que um licenciado em psicologia tem realmente competência para fazer? Quem é que controla a actividade dos psicólogos? E quem é que pode responder a estas perguntas?
As ordens dos médicos, dos engenheiros ou dos economistas servem, entre outras coisas, para controlar o exercício das respectivas profissões e a adequação das respectivas formações. Mas relativamente a uma profissão investida de um grande simbolismo social e de uma enorme responsabilidade individual como a de "psicólogo" quem é que controla a qualidade da formação e o exercício da profissão?
Com a proliferação de licenciaturas no sector público e privado estas interrogações tornam-se ainda mais prementes. Vou utilizar uma parábola para tentar explicitar as minhas dúvidas. Uma menina que quer muito ser psi, licencia-se com média de 10 numa qualquer universidade privada. Mal obtém o tão desejado diploma, a nossa psi, cuja família tem algumas posses obtidas, por exemplo, na construção civil, aluga imediatamente um rés-do-chão esquerdo e manda afixar na entrada uma placa onde se pode ler « psicóloga clínica». No dia seguinte bate-lhe à porta um adolescente com problemas. A nossa psi fixa um extenso plano de consultas de psicoterapia porque não conseguiu diagnosticar a depressão clínica do jovem. Passados alguns dias o adolescente suicida-se. Os pais do nosso jovem até se podem consolar dizendo para si próprios: «nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance; ele até andava numa psicóloga», mas ninguém pára para reflectir sobre a responsabilidade do psicólogo.
Esta história, construída no limite dos possíveis para nos obrigar a pensar, não é tão inverosímil quanto parece. Conheço de perto uma pessoa com uma "perturbação obsessiva compulsiva" grave que pura e simplesmente não foi diagnosticada por um psicólogo, tendo-lhe sido prolongado, por uma série de anos, um inútil e escusado sofrimento . Como conheço o caso de uma rapariga que se auto-mutilava e que, ao pedir ajuda a um psicólogo, foi-lhe proposta uma psicoterapia totalmente desajustada que a levava a mutilar-se ainda mais intensamente.
As ordens dos médicos, dos engenheiros ou dos economistas servem, entre outras coisas, para controlar o exercício das respectivas profissões e a adequação das respectivas formações. Mas relativamente a uma profissão investida de um grande simbolismo social e de uma enorme responsabilidade individual como a de "psicólogo" quem é que controla a qualidade da formação e o exercício da profissão?
Com a proliferação de licenciaturas no sector público e privado estas interrogações tornam-se ainda mais prementes. Vou utilizar uma parábola para tentar explicitar as minhas dúvidas. Uma menina que quer muito ser psi, licencia-se com média de 10 numa qualquer universidade privada. Mal obtém o tão desejado diploma, a nossa psi, cuja família tem algumas posses obtidas, por exemplo, na construção civil, aluga imediatamente um rés-do-chão esquerdo e manda afixar na entrada uma placa onde se pode ler « psicóloga clínica». No dia seguinte bate-lhe à porta um adolescente com problemas. A nossa psi fixa um extenso plano de consultas de psicoterapia porque não conseguiu diagnosticar a depressão clínica do jovem. Passados alguns dias o adolescente suicida-se. Os pais do nosso jovem até se podem consolar dizendo para si próprios: «nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance; ele até andava numa psicóloga», mas ninguém pára para reflectir sobre a responsabilidade do psicólogo.
Esta história, construída no limite dos possíveis para nos obrigar a pensar, não é tão inverosímil quanto parece. Conheço de perto uma pessoa com uma "perturbação obsessiva compulsiva" grave que pura e simplesmente não foi diagnosticada por um psicólogo, tendo-lhe sido prolongado, por uma série de anos, um inútil e escusado sofrimento . Como conheço o caso de uma rapariga que se auto-mutilava e que, ao pedir ajuda a um psicólogo, foi-lhe proposta uma psicoterapia totalmente desajustada que a levava a mutilar-se ainda mais intensamente.
Multiculturalismo
Leio no "Público" de hoje que muitos estrangeiros que visitam o Algarve alimentam-se de sardinhas assadas acompanhadas de batatas fritas com Ketchup e de "galões". Perdoai-lhes meu pai pois não sabem o que fazem...
domingo, julho 06, 2003
Interurbanas
A gente quase lhe custa a acreditar: a verdade é que os jornais continuam a saber em primeira mão os resultados das escutas telefónicas. Ontem, ao ler o Expresso, juro que estive para ligar à Judiciária e ao Ministério Público, a avisá-los. Atendendo no entanto à tiragem do semanário de referência e à relevância da coisa, imagino que a alguma alma da Grande Lisboa lhe tenha ocorrido cumprir o mesmo serviço público ao preço de uma chamada local.
sexta-feira, julho 04, 2003
A menos de cinco minutos a pé
Actualmente é difícil ligar a RFM ou a TSF sem ouvir o anúncio a um determinado empreendimento turístico algarvio: "bora aí mas é dar corda aos chinelos que as garinas estão à nossa espera na praia..." Parece-me um contributo interessante para ajudar à definição do difuso conceito de "turismo de qualidade": esta imagem dos maduros a sair dos apartamentos em chinelos e bermudas enrugadas, de camisa aberta de cima a baixo até ao último botão a demonstrar os pêlos machos, a afinfar uma sandes mista a caminho do areal e das garinas bronzeadas... É do camandro...
Inspessoes
O meu carro fez quatro anos sem que me tivesse ocorrido a necessidade de o levar à inspecção obrigatória: na rotunda de Monte Gordo, no domingo à noite, um polícia fez questão de mo recordar por escrito. Como consequência quase imediata (a imediata foi sentir a carteira a chiar em euros...), lá fui eu ao centro de inspecções. Aquilo tem umas maquinetas engraçadas e uns letreiros curiosos a indicar aos leigos o nome das ditas. No entanto, e como vai sendo de tradição um pouco por todo o lado onde existem letreiros ou avisos, não há quase uma palavra correctamente grafada (meu Deus, já ninguém sabe para que servem os acentos?): ele é o "frenometro", ele é o "ripometro", ele é, enfim, o "reglóscopio"... Apesar de o relatório final informatizado me garantir que a viatura estava em perfeitas condições, claro que fiquei de pé atrás: com tanto pontapé na ortografia, que garantias temos de que nas fórmulas e nos cálculos matemáticos não se cometem os mesmos dislates?
Alta velocidade
Na Luz de Tavira há uma paragem de autocarros em cima de uma passadeira de peões. Os marmanjos parados no passeio tanto podem estar à espera do transporte público a caminho de Cabanas como ter na ideia atravessar a estrada nacional seguindo as listras da zebra. A gente vai de pópó e, pelo sim pelo não, pára. Depois pode acontecer que uma velhinha simpática ou um galifão de toalha enrolada debaixo do braço nos acenem como quem diz, "ò lorpa, podes seguir"...
Isto enquanto não vier o TGV é um martírio...
Isto enquanto não vier o TGV é um martírio...
Tolerância zero
Não precisamos do Verão para andar em bichinha de pirilau nesta rua em que se transformou a estrada nacional 125. Mas nunca, como nesta altura, compreendemos o verdadeiro sentido da palavra "redundante": as placas indicadoras da tolerância zero ou limitadoras de velocidade transformam-se em objectos verdadeiramente redundantes... Eu aposto de alguém que, de Junho a Setembro, ultrapasse os 50 Km/h no percurso entre Vila Real de Santo António e Olhão sem pisar um traço contínuo ou atirar para fora da estrada, intimidando-os com gestos obscenos (às vezes basta uma buzinadela simultânea ao ligar dos máximos em intermitência), os turistas estrangeiros de carro alugado no aeroporto...
Sensibilidade e bom senso (1)
Fui multado pela primeira vez na minha vida por ter estacionado no centro histórico da minha cidade. Aparentemente, escassos meses depois de ter tomado posse, o presidente da Câmara Municipal resolveu efectuar uma limpeza automóvel ao centro histórico, tendo dado instruções à P.S.P para autuar todos os veículos estacionados na zona antiga. Ele próprio, passados alguns dias, acabou por ser multado e os média não deixaram, naturalmente, o assunto passar em branco.
Ao primeiro olhar, e numa perspectiva meramente «ecológica», a medida até pode parecer correcta. Mas se virmos o caso de perto, talvez seja mais uma manifestação de uma ortodoxia urbanística completamente vazia de sentido ou de uma visão da cidade que se pauta mais pelas modas vigentes do que pela vivência concreta dos seus habitantes. Por um lado, o centro histórico da minha cidade tem um valor patrimonial e arquitectónico muito reduzido. É o que temos, eu sei, mas vale muito pouco e tem pouquíssimos visitantes. Retirar os carros não faz com que as pedras fiquem mais bonitas. Por outro lado, já quase ninguém lá vive e os que subsistem são, na maioria, velhos e sós. Ao proibir o estacionamento aos automóveis das escassas pessoas que ainda lá vão porque frequentam o único café existente ou porque precisam de ir aos serviços municipalizados, a autarquia, ainda que de boa fé, está a matar o resto de vida que o centro histórico ainda tem. Está a asseptizar a zona deixando os velhos ainda mais solitários. Basta passar lá num Domingo, quando o café e os serviços municipalizados estão fechados, para se perceber o que digo. Cinco turistas estrangeiros a olhar para o ar, que nem perdem tempo com fotografias, e três velhas sentadas no poial da respectiva porta, cada uma em sua esquina, e um siléncio sepulcral a envolver tudo isto.
Agora não há carros, mas também não há pessoas, não há conversas, não há criançaas, não há clientes, não há bairro; numa palavra: não há sociedade e, consequentemente, não há cidade.
A minha rua fica num bairro novo e burguês onde há muita vida, muitas crianças, muitas pessoas e muitos clientes, mas onde também não há cidade: em nenhum passeio consegue passar um carrinho de bébé, uma cadeira de rodas, um cego ou uma bicicleta de criançaa porque há demasiados carros. Estes sim, mal estacionados.
O agente da P.S.P que veio a minha casa para identificar o condutor do veículo autuado bem me disse: «Eu também acho um disparate; e para mais com tanto trabalho importante que nós temos para fazer... mas o que é que o senhor quer? São ordens...».
Ao primeiro olhar, e numa perspectiva meramente «ecológica», a medida até pode parecer correcta. Mas se virmos o caso de perto, talvez seja mais uma manifestação de uma ortodoxia urbanística completamente vazia de sentido ou de uma visão da cidade que se pauta mais pelas modas vigentes do que pela vivência concreta dos seus habitantes. Por um lado, o centro histórico da minha cidade tem um valor patrimonial e arquitectónico muito reduzido. É o que temos, eu sei, mas vale muito pouco e tem pouquíssimos visitantes. Retirar os carros não faz com que as pedras fiquem mais bonitas. Por outro lado, já quase ninguém lá vive e os que subsistem são, na maioria, velhos e sós. Ao proibir o estacionamento aos automóveis das escassas pessoas que ainda lá vão porque frequentam o único café existente ou porque precisam de ir aos serviços municipalizados, a autarquia, ainda que de boa fé, está a matar o resto de vida que o centro histórico ainda tem. Está a asseptizar a zona deixando os velhos ainda mais solitários. Basta passar lá num Domingo, quando o café e os serviços municipalizados estão fechados, para se perceber o que digo. Cinco turistas estrangeiros a olhar para o ar, que nem perdem tempo com fotografias, e três velhas sentadas no poial da respectiva porta, cada uma em sua esquina, e um siléncio sepulcral a envolver tudo isto.
Agora não há carros, mas também não há pessoas, não há conversas, não há criançaas, não há clientes, não há bairro; numa palavra: não há sociedade e, consequentemente, não há cidade.
A minha rua fica num bairro novo e burguês onde há muita vida, muitas crianças, muitas pessoas e muitos clientes, mas onde também não há cidade: em nenhum passeio consegue passar um carrinho de bébé, uma cadeira de rodas, um cego ou uma bicicleta de criançaa porque há demasiados carros. Estes sim, mal estacionados.
O agente da P.S.P que veio a minha casa para identificar o condutor do veículo autuado bem me disse: «Eu também acho um disparate; e para mais com tanto trabalho importante que nós temos para fazer... mas o que é que o senhor quer? São ordens...».
quinta-feira, julho 03, 2003
O Carteiro que não toca duas vezes
O carteiro é alguém que inspira sempre simpatia. Não é normal as pessoas queixarem-se do carteiro como se queixam, por exemplo, dos funcionários das finanças. Pois eu sou a única pessoa que conheço que fez queixa do carteiro. Apresentei, já por três vezes, reclamações junto dos correios.
Há alturas em que recebo muita correspondência registada. Mas o carteiro da minha rua não me toca à porta nem ma entrega; limita-se a deixar o aviso na caixa do correio para que eu depois tenha de perder uma tarde a ir levantá-la à estação de correios. E o que me revollta mais é que, quando se digna a preencher o dito aviso, o que raramente acontece, o «meu» carteiro escreve: «nâo estava/nâo atendeu». Ora engana-se o senhor quando pensa que àquela hora matinal «nunca ninguém está em casa». Eu, efectivamente, trabalho em casa e quando saio nunca o faço antes da uma da tarde.
É evidente que aquele carteiro nem sequer carrega com a correspondência registada, só leva os avisos porque parte do princípio que ninguém lhe vai abrir a porta. Até aposto que preenche logo o dito «não estava/não atendeu» nos avisozinhos todos mesmo antes de sair da estação dos correios.
Eu imagino que os carteiros andem muito carregados, só de pensar em todas as contas de água, de luz, de esgotos, em todos os extractos bancários, em toda a publicidade, em todos os catálogos da La Redoute, com que têm de alancar! Realmente fica pouco espaço no saco para a verdadeira correspondência. Eu sei que não sou o Pablo Neruda mas seria pedir muito, que o carteiro que me levasse as cartinhas registadas ? E, já agora, que tocasse; uma vez só era suficiente.
Há alturas em que recebo muita correspondência registada. Mas o carteiro da minha rua não me toca à porta nem ma entrega; limita-se a deixar o aviso na caixa do correio para que eu depois tenha de perder uma tarde a ir levantá-la à estação de correios. E o que me revollta mais é que, quando se digna a preencher o dito aviso, o que raramente acontece, o «meu» carteiro escreve: «nâo estava/nâo atendeu». Ora engana-se o senhor quando pensa que àquela hora matinal «nunca ninguém está em casa». Eu, efectivamente, trabalho em casa e quando saio nunca o faço antes da uma da tarde.
É evidente que aquele carteiro nem sequer carrega com a correspondência registada, só leva os avisos porque parte do princípio que ninguém lhe vai abrir a porta. Até aposto que preenche logo o dito «não estava/não atendeu» nos avisozinhos todos mesmo antes de sair da estação dos correios.
Eu imagino que os carteiros andem muito carregados, só de pensar em todas as contas de água, de luz, de esgotos, em todos os extractos bancários, em toda a publicidade, em todos os catálogos da La Redoute, com que têm de alancar! Realmente fica pouco espaço no saco para a verdadeira correspondência. Eu sei que não sou o Pablo Neruda mas seria pedir muito, que o carteiro que me levasse as cartinhas registadas ? E, já agora, que tocasse; uma vez só era suficiente.
A grande invasão
Agora que se aproxima mais um Verão e que todos para se dirigem para Sul nós, que cá ficamos o ano inteiro, já estamos a preparar-nos para mais uma invasão sazonal.
Não é que nos incomode o aumento no trânsito, as bichas intermináveis nos supermercados, as insuportáveis exigências do português em férias, o lixo deixado por todo lado, as praias inevitavelmente cheias; não é isso que nos incomóda. Também não são as avionetas a anunciar as festas da "Kadoc", o cheiro a bronzeador entranhado por todo o lado, ou os meninos parvos de calções às flores e as meninas parvas de bikini às cores.
Qualquer habitante do Sul, ou tenta ir-se embora no Verão ou tem o seu pequeno paraíso semi-privado onde não chega a marabunta alienígena.
O que nos chateia mesmo é o que o que dizem do Sul aqueles que, precisamente, para cá vêm; e é para isso que já estamos a preparar-nos. Para os comentários de praticamente todos os cronistas e "opinion makers" do país, durante a "silly season".
Enfim, ficamos calmamente aguardar as bocas do costume, do tipo: "o Algarve está insuportável", "já não se pode lá ir", "está tudo estragado" e a vê-los, ano após ano, a regressarem com a mesma falta de chá.
Não é que nos incomode o aumento no trânsito, as bichas intermináveis nos supermercados, as insuportáveis exigências do português em férias, o lixo deixado por todo lado, as praias inevitavelmente cheias; não é isso que nos incomóda. Também não são as avionetas a anunciar as festas da "Kadoc", o cheiro a bronzeador entranhado por todo o lado, ou os meninos parvos de calções às flores e as meninas parvas de bikini às cores.
Qualquer habitante do Sul, ou tenta ir-se embora no Verão ou tem o seu pequeno paraíso semi-privado onde não chega a marabunta alienígena.
O que nos chateia mesmo é o que o que dizem do Sul aqueles que, precisamente, para cá vêm; e é para isso que já estamos a preparar-nos. Para os comentários de praticamente todos os cronistas e "opinion makers" do país, durante a "silly season".
Enfim, ficamos calmamente aguardar as bocas do costume, do tipo: "o Algarve está insuportável", "já não se pode lá ir", "está tudo estragado" e a vê-los, ano após ano, a regressarem com a mesma falta de chá.
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