Chega-se por barco, não há outra hipótese. Não tem estradas, não tem aeroportos, apenas areia. E mar. Por todos os lados, como convém, segundo o conceito de ilha que nos ensinaram quando a idade ainda tinha só um algarismo. A atmosfera, pesada, sente-se à chegada. O cheiro, o ambiente, a sujidade, o alcoolismo. Podia ser um paraíso, mas o aspecto desolado e aqueles problemas não o permitem. Nem o excesso de alumínios cinzentos, que abunda, nas fachadas das casas, a exemplo do que se passa no resto do país. Chama-se Culatra, o lugar, fica a Sul do Sul de um Portugal que aqui também passa ao lado do paraíso. Um Portugal que não apenas existiu como existe, não foi banido nem é feito de memórias. Miséria humana que podia ter sido proscrita, assim o quisessem os Políticos que neste canto nunca existiram, ou nunca passaram de políticos. A ilha pertence ao concelho de Faro, mas nenhuma carreira fluvial ou marítima regular a liga à sede do seu concelho. O habitante da Culatra que um dia, por hipótese absurda, queira ir pagar a sua taxa de esgotos - assim o próximo presidente da câmara, a exemplo dos seus antecessores, cumpra mais esta promessa de instalação de saneamento básico - na sede do seu município terá¡ de apanhar um barco para Olhão e depois seguir de autocarro ou comboio para Faro, perfazendo em seguida o caminho de regresso. Terá com isto perdido um dia, mas que importância tem isso no ridículo número de votos que os culatrenses representam? Mesmo assim, há anos que na Culatra se boicotam todas as eleições, ainda que os políticos nunca se esqueçam do lugar nas suas promessas, em vésperas de campanha. É já um clássico. E seria uma anedota, se não existissem fossas a céu aberto, lixo espalhado nas ruas, areia suja, restos de garrafas e artefactos de pesca nos locais de passagem. Ultrapassadas as primeiras casas, tudo melhora e no final, do lado do oceano, há um mar do tamanho do mundo, iluminado por um Sol quente que nos faz esquecer a primeira sensação. O sal invade-nos e mistura-se com o sangue. Deixamo-nos cair na areia, e rezamos para não ter de sair do paraíso. O problema, é que no regresso, temos de passar pelo mesmo caminho em sentido inverso. E questionamo-nos. Necessariamente. Esta gente não tem nacionalidade? Não paga os seus impostos? Não tem direitos? A explicação, simples, prende-se em parte com a precariedade das casas, com a sua clandestinidade e com o défice de cidadania que poucos se interessaram por colmatar. Estranho país este, em que o Estado cobra impostos (contribuição autárquica) sobre a propriedade de bens ocupados por cidadãos que são clandestinos em suas próprias casas.
E contudo, à evidência, uma de duas soluções lógicas se afigura como necessária, a saber: uma, ou as casas são clandestinas e terão de ser demolidas (cessando o Estado de cobrar impostos aos seus ocupantes) provendo o Estado-providência ao realojamento dos seus cidadãos; ou, segunda hipótese, as casas são legalizadas, as infra-estruturas públicas são construídas e definidas claramente as regras do urbanismo para a zona.
Qualquer que seja a solução, urge pugnar por ela, exigindo-se o compromisso dos políticos na sua resolução. Digam o que disserem, nenhum deles cumpriu as suas promessas. José Vitorino à cabeça. Infelizmente, nada que se não adivinhasse quando foi eleito.