terça-feira, setembro 30, 2003

Investimentos públicos

Temos um objectivo oficialmente declarado de promoção da equidade territorial. Isto significa corrigir desequilíbrios, atenuar assimetrias, contrariar tendências de progressiva desertificação e marginalização de vastas zonas do interior do país. Simultaneamente, os investimentos públicos (em infraestruturas e equipamentos, por exemplo) são prioritariamente direccionados para as parcelas do território mais densamente povoadas e com mais elevadas dinâmicas do ponto de vista económico e social. Há boas razões para que assim seja. Mas haveria também razões para que fôssemos menos politicamente correctos na enunciação dos objectivos de desenvolvimento regional; que fôssemos mais consequentes no discurso. É que, neste modelo, mais investimento público significa, na prática, mais assimetrias e menos equidade territorial; e quanto mais investimento, mais assimetrias e desequilíbrios. No limite, um máximo de investimento público significaria a efectiva desertificação do interior...

segunda-feira, setembro 29, 2003

De engraxadores e burros de cobrição

Confesso, abismado, que li atentamente o post do José Carlos de há uns dias e, foi entre a admiração e a completa surpresa que descobri que há um trabalho ainda mais repugnante que o de "Apontador Real", cargo remunerado que constou das folhas de pagamento de ordenados da função pública até 1916, a despeito da implantação da República seis anos antes. Tal funcionário – Apontador - tinha mais ou menos as mesmas competências do popular Lançarote, mas com uma enorme diferença, já que apenas tinha de exercer tais funções com o cavalo real, em dia de arraial (para o cavalo, bem entendido). Perante tal cenário, importa reflectir na natureza essencial das profissões pois, obviamente, uma coisa será uma pessoa dedicar-se ao exercício de tal tarefa auxiliar com um cavalo, real, animal que ainda por cima será de linhagem, contudo apenas e só um único animal (ignoro todavia quão promíscuo será um equídeo, ou quais as suas reais necessidades), por quem o funcionário público até pode criar alguma, digamos, afeição ou, porque não chamar os cavalos pelos nomes, intimidade. Outra coisa, muito diferente, será apontar (ou lançar) um burro, animal de fraca linhagem e nobreza que padece, ao que parece, de fraca pontaria, a despeito do alvo ser uma fêmea de porte superior. Não sendo este o objectivo deste post, naturalmente que não me debruçarei sobre as (fracas) qualidades de um macho que tem dificuldade em concretizar, para utilizar uma linguagem futebolística, um tento com uma fêmea de porte competitivo. Todavia, convirá esgaçar um pouco mais a ideia de que, relativamente ao Apontador ou ao Lançarote, se poderá falar de altruísmo no exercício das suas respectivas profissões. Na verdade, ambos, quais cançonetistas da desfolhada, ficavam após a consumação do acto e sofridos os riscos inerentes, portadores de segredos de alcova dos estábulos e porventura dos demais aposentos reais ou do país campesino, consoante os casos. Imagino mesmo que ambos estariam submetidos a apertada ética no exercício das suas profissões e não poderiam desvendar os segredos que lhes fossem revelados. Imagine-se a desgraça que seria se se soubesse que o cavalo do rei não conseguia cobrir a égua da rainha. Quem conta um ponto aumenta um ponto, e facilmente se chegaria à conclusão que o País estaria governada por um Rei fanchão com fraca inclinação para a arte de bem cavalgar em toda a sela. Provavelmente, tais profissões velariam igualmente pela inexistência do incesto entre filhos e pais da mesma manada e recusariam o préstimo do seu essencial auxílio copulativo entre burros de certa idade e éguas imberbes. Nada de poneifilia, portanto, debaixo dos seus narizes.
Olhando para o Portugal de hoje, dou por mim a pensar na desgraça que representou para o país a queda em desuso do Apontador ou do Lançarote. Salvam-se, afinal, os engraxadores, que nunca precisaram, que se saiba, de Apontadores ou de Lançarores.

O resto das nossas vidas

Parece que o Vitorino Salomé agora canta com o Roberto Leal. É claro que estas coisas já não nos deviam surpreender. Ainda assim, custa sermos diariamente confrontados com aquilo que sabíamos há muito: que talvez não devêssemos ter saltado tanto, e tão entusiasmadamente, em certas alturas da nossa vida.

domingo, setembro 28, 2003

Isto é uma chatice

Ontem, na praia da Lota, não se notava assim muito que tivesse chegado o Outono. Até que um amigo do Norte me telefona a meio da manhã a dizer que chovia. Isto é uma chatice: quando mergulhei de novo nas águas tépidas ia cheio de problemas de consciência...

Sempre têm a Fórmula 1

Stéphanie do Mónaco confessou ter casado «por amor». Os nossos corações derretem-se de ternura. Mas depois há quem se admire de a monarquia estar como está.

Uma casa com o mar ali ao pé

De acordo com a senhora secretária de Estado da segurança social, orgulhosa de pertencer desde sempre ao CDS-PP, «não se muda de partido como se muda de casa». É bem verdade que os congressos partidários são os locais por excelência para a enunciação dos grandes princípios de doutrina política...

Monchique II

As cinzas
queimam agora
onde não
lavrou o fogo

sexta-feira, setembro 26, 2003

As imagens

Como num quadro de Georges, o
de la Tour, era do interior
das coisas que saía a luz
mais leve, a que poisava e
ficava nos dedos das crianças,
a que trocava de lugar com
a noite e o esquecimento.
Por isso, provavelmente, tão
cedo se perderam as vozes
sem máscara, sem o peso
estrangeiro da usura, sem
o logro disfarçado das imagens.
E agora é tarde. Ninguém
regressa a um lugar ausente.

Última hora

Afinal parece que não havia helicóptero nenhum em passeatas turísticas sobre o casario de Lamego ou as encostas do Douro. Afinal o helicóptero parece que sempre esteve no combate aos incêndios. A SIC é que confundiu o helicóptero com uma borboleta, uma borboleta ubíqua, que já foi identificada por anteriores comissões de inquérito, e que andará ainda por aí, levantando e borboleteando, a espalhar a confusão num país onde estas coisas, em boa verdade, não acontecem. Como sucessivas comissões de inquérito hão-de, a seu tempo, esclarecer.

Pontapés

O ainda presidente do Sport Lisboa e Benfica confessou-se «descoraçado» com os resultados desportivos da equipa, acrescentando que os jogadores têm revelado um «excesso de ansiosidade» inaceitável. É certo que há muito por onde começar no processo de renovação do futebol português: mas talvez não fosse de todo mau que, «paulatinadamente», como aqui há uns tempos dizia um outro figurão, se começasse pela gramática.

Convocatória

Ontem à noite, na televisão, fui convocado publicamente pelo senhor Scolari para a selecção nacional de futebol. Confesso-me orgulhoso. Mas sempre gostaria de deixar aqui o aviso de que não me sinto nas melhores condições físicas e psicológicas para aguentar a pressão do Europeu. Sendo certo, claro, que estou à disposição do treinador e do senhor Madaíl para o que der e vier.

Os bons exemplos

Os dias, na estância turística de Manucatorama, começam cedo de manhã com um raid nas dunas em moto-4. Mas a condução das moto-4, por razões de conservação da natureza, obriga à prévia frequência de um curso de vinte minutos, com intervalo para café e variedades, onde os participantes aprendem a reconhecer dois endemismos florísticos e a ultrapassá-los em aceleração e cavalinho. Só então podem destruir a duna.

Depois tem lugar o atelier de observação de aves: acautelando os incómodos da observação in situ (mosquitos, plantas espinhosas, bolhas nos pés...), os interessados dirigem-se à sala Flamingo, sentam-se nos maples estofados e assistem a um vídeo exemplificativo da avifauna da região, enquanto um rancho folclórico evolui em fundo para desanuviar. Ainda antes do almoço, e após um aperitivo servido por meninas vestidas em trajes autóctones, os turistas sobrevoam gratuitamente as lagoas no helicóptero dos incêndios pago pelo Estado, mas com a obrigação estrita de avisarem o piloto caso identifiquem vestígios de fogo ou de fumo nas florestas circundantes.

A meio da tarde, finalmente, decorre o circuito subaquático. Este circuito tem uma especificidade muito realçada: faz-se quase todo debaixo de água e dá direito a um diploma...

quinta-feira, setembro 25, 2003

O lançarote

O Eurico, num texto aqui editado ontem, fala dos seus problemas de relacionamento com os engraxadores de sapatos, essencialmente porque o perturba olhar de cima para uma pessoa que está ajoelhada a seus pés. Pois imagine-se os problemas que não teria ao contratar o homem que, no Sul, se ajustava antigamente para «tratar do burro de lançamento e conduzi-lo à cobrição das éguas» (cf. Silva Picão, Através dos Campos). O lançarote (assim era designada o infeliz) exercia a profissão mais aviltante e repudiada, e nem os criados da lavoura lhe permitiam sentar-se a seu lado durante as refeições ou, mesmo, sentar-se numa cadeira de que eles pudessem mais tarde fazer uso. É que o engraxador, enfim, senta-se a nossos pés e engraxa-nos os sapatos enquanto o olhamos de cima. Mas o lançarote, esse, era pago para facilitar em tudo o que necessário fosse à consumação da cópula do burro, sendo muitas vezes obrigado a usar as suas próprias mãos quando o bronco não acertava no sítio da égua. E isto é muito frequente nos burros, como se sabe: não acertarem onde devem, e ser preciso alguém (neste caso metendo a mão na massa) que os ajude à função.

quarta-feira, setembro 24, 2003

Uma arte da Ria

Múltiplos, acrescentará de memória, os
lugares do desencontro. E fala
primeiro da casa abandonada, de
taipa, à erosão de meses e
interesses. Um barco, depois. A lua
nova irrepetível nas calmas da
baixa, a agilidade na fisga iludindo
o cansaço de remos vorazes. O azeite de
ver o fundo quase transparente do
verde das águas, a pressentida aluvião
tão lenta demorada a um olhar eternizado
em sombra. Como esse, e esse sim
permanece, perfume das dunas mais
próximas. Tudo isto sem lágrimas.

O Engraxador

Lembro-me de há uns tempos andar a circular na net um texto cuja autoria era erradamente atribuída a Gabriel García Marquez. Supostamente, seria um texto de despedida do escritor que, padecendo de doença incurável, teria decidido despedir-se do mundo com uma carta que teria sido tornada pública antes da sua morte, contra a vontade de Gabo. Felizmente, nem a notícia era verdadeira, nem o texto era da lavra do prémio Nobel. Pessoalmente, como admirador da prosa de García Marquez, duvidei que alguma vez pudesse ter escrito uma coisa com aquele teor. Não que a carta fosse má ou estivesse mal escrita. Nada disso - a despeito de possuir alguma lamechice desbocada - mas sobretudo porque a lamechice não faz parte, de todo, do estilo do escritor. Seguramente, quem escreveu "O Amor nos Tempos da Cólera" não precisa de se despedir do mundo, porque nunca dele partirá.
Mas voltando à suposta carta, há no seu texto uma frase que me marcou por abarcar toda a ideia de dignidade e igualdade do ser humano que partilho; "não olharás de cima para nenhum homem se não for para o ajudar a erguer-se". É uma frase forte, fortíssima, perturbadora até.
Vem isto a propósito de não ter conseguido recorrer aos serviços de um engraxador de sapatos em mais de duas ou três ocasiões na vida. Nunca sei se devo fugir de um de cada vez que o vejo, ou se devo recorrer aos seus serviços. Dito de outra forma, apesar de saber que é um ofício tradicional em vias de desaparecer, sinto sempre imensa dificuldade em relacionar-me com o personagem, normalmente pessoa simpática e de trato agradável. E isso, por um lado, porque me perturba olhar de cima para uma pessoa que está ajoelhada a meus pés enquanto me limpa os sapatos, por outro, porque me parece que o preço que pago pelo serviço não lhe permitirá erguer-se e, no limite, nunca lhe permitirá recuperar a sua dignidade perdida momentaneamente, enquanto esteve ajoelhado.
Pode ser apenas problema meu, mas no que me toca, penso que já decidi que o ofício de engraxador de sapatos não sobreviverá com a minha ajuda.

O João foi cancelado... RIP

Era um ilustre desconhecido, um pobre analista de sistemas, que nunca foi levado a sério. Da sua lavra saíram algumas das mais tristes tiradas da blogosfera. Enfim, era apenas mais um pobre de espírito a quem apenas lhe faltava a patética idea de ter um blog. E conseguiu-o, mas vá-se lá saber, afinal a coisa foi cancelada. Adeus João, não voltes, prometes?
Eu
PS: Apenas de memória o rapaz tinha um pérola que passo a citar: A constituição da equipa perfeita
Falo-vos desta feita sobre como formar a equipa de Operações perfeita. Na minha larga experiência da àrea de Sistemas, já fiz parte de equipas, umas boas, outras nem tanto, já fui chefiado por chefes mais ou menos bons, e como Director, já tive colaboradores bons e menos bons e até mediocres que tive de me livrar deles rapidamente.
Um bom colaborador nota-se logo pela aparência. Por exemplo, se é preto, usa cabelo comprido, brinco na orelha, barba por fazer, veste-se de gangas ou cheira mal, então posso desde já afirmar que não serve.
Não perca tempo com este individuo e passe ao próximo. Refiro-me as entrevistas iniciais
. Estamos conversados. Adeus João, não foi nenhum prazer, concordarás.

terça-feira, setembro 23, 2003

Kar-wai e o Outono

Chegou o Outono. Chegaram, pelos vistos, as depressões do Outono. Eu, que passara o fim de semana nos canais da Ria Formosa, de kayak, não me tinha apercebido da chegada do Outono nem das depressões outonais. Até resolver deixar o fim de noite de segunda feira para ver um filme: In the Mood for Love, de Wong Kar-wai. Confesso: o nome do realizador era-me estranho, o título do filme (Disponível para Amar, na versão portuguesa) era-me desconhecido. Pois seria melhor ficar a ver os Ídolos ou o Big Brother: a beleza terrível do filme irrompeu com violência e deixou-me sem saber se a depressão súbita devia mais ao equinócio ou ao DVD emprestado...

Seja como for, é uma depressão estranha: em rigor, é mais uma espécie de fixação, um almareio, que me pôs hoje, a caminho do almoço, a olhar as mulheres à procura de um vestido semelhante aos de, salvo erro, Maggie Cheung, e que não me deixa ouvir nenhum som que não seja o da música de Shigeru Umebayasi colada à câmara lenta das imagens subtis, e simultaneamente poderosas, de Kar-wai.

Delft, 1675

A luz havia de quebrar na cómoda do
quarto e só depois iluminar metade
da parede, o jarro com água, os panos verdes
do armário. Não gostaria que lembrasse

nada ao percorrer com vagar e definir
os objectos mais próximos. A cor, talvez
molhada nos primeiros planos, teria
depois um nome e um modo único de tocar

a roupa de quem entrasse por uma porta
adivinhada ao fundo. Não daria expressão
alguma a esse rosto de mulher, às suas mãos,
ao movimento de sentar-se. Um mapa e

uma carta ficariam esquecidos na mesa do
lado da janela. E só o rumor da manhã quase
no fim daria ao quadro, entre tanto, um
pequeno relevo d água leve de coral.

Futebolices...

No início desta época de futebol, como em todas as outras, aspirava-se por um novo ambiente para o campeonato nacional de futebol. Muitas promessas, mas sobretudo, novos cenários permitidos por sucessivas prometidas inaugurações de novos estádios. Claro, à quarta jornada, o cenário é o mesmo de sempre. Chovem as suspeições, os árbitros voltam a estar sob fogo cerrado e o campeonato caminha para o seu fim ainda antes do Natal.
Mas - pergunto-me - seria possível que pudesse ser de outra forma? Que terá mudado entretanto? Mantêm-se os dirigentes, os "Madaís", os "Loureiros", os árbitros e os titulares das instituições. Mantém-se o estilo, o esquema, o jeito e os jeitosos, a pequena organização, o dedo em riste que limpa pouco mais que o nariz e a mentalidade poucochinha tão característica do Portugal dos Pequeninos. Enfim, que diabo, começou-se a construir o edifício (?) pelo tecto, como se os alicerces fossem coisa secundária.
Sim, temos novos estádios, mas temos mentalidade para eles? Parece evidente que não. E não será verdade que mudar de mentalidade, a despeito de ser mais difícil, custa um bocadinho menos que construir novos estádios? Claro, não interessa tanto ao lobby do betão, mas que raio, não seria ao menos possível conciliar um bocadinho de tudo. Ao menos tentar, sei lá...

segunda-feira, setembro 22, 2003

Não se pode ter tudo

Sempre me fascinaram estas imagens do continente austral em que os cangurus e os eucaliptos aparecem a par. Em Portugal faltam-nos os cangurus.

Embora seja tudo em euros

De acordo com um estudo recente, os portugueses são os mais gastadores da Europa. Mas talvez o resultado fosse diferente se, por exemplo, metêssemos o gasoil nas estações de serviço espanholas (ainda que da Galp) e comprássemos os iogurtes nas mercearias espanholas (ainda que da Mimosa).

sexta-feira, setembro 19, 2003

Florbela, 1918

Em mil novecentos e dezoito, nesta mesma
casa de Quelfes, Florbela corrige devagar
alguma da excessiva emoção dos sonetos
autógrafos do Livro de Mágoas. Por
um instante recorda o calor que em Évora, um
ano antes, se desprendia das pedras cor
de laranja do liceu, e como por
vezes o futuro se desenhava plausível
nos intervalos da dolorosa descrença
no mundo. Desce depois até ao pátio da
casa algarvia. Mas é como se já não houvesse
regressos, a respiração difícil ainda de tanta
luz à pequena sombra duma amendoeira jovem.

Como ontem ao fim da tarde

Com a conclusão da auto-estrada e da Via do Infante, já é possível fazer em pouco mais de duas horas o trajecto Faro/Lisboa, ou chegar a Ayamonte, partindo de Lisboa, em menos de três horas. Agora a chatice é demorarmos 40 minutos na 125 a percorrer os 9 Km que separam o centro de Faro da rotunda leste de Olhão...

Os marraxos

O termo «marraxo», em rigor, designava o vendedor ambulante de peixe de armação. Mas em algumas zonas do Algarve o termo generalizou-se e passou a designar indiferentemente o conjunto de pessoas que vivia na orla costeira. Entretanto caiu em desuso. Mas que estranhas contiguidades e relações de ordem etimológica e fonética terão, em seu lugar, levado à vulgarização do termo «mamarracho», usado no mesmo contexto geográfico?

quarta-feira, setembro 17, 2003

A propósito de Levante

"A ameaça invisível que o Levante trouxe no seu todo pairava sobre as coisas e as pessoas. (...) Uma paz quente, como tapume de tempestade próxima, envolvia a manhã como um manto de expectativa... os que sofriam mais directamente com o Levante andavam como que desorientados... (...) como se o todo de juízo não mais pudesse obedecer à dose do equilíbrio e da razão."

A. Vicente Campinas
in Recantos Farenses
Outubro 1955

terça-feira, setembro 16, 2003

Lá se vai o cânone

Vejo uma jovem técnica de manutenção e restauro a esfregar o pincel no pescoço do David, de Miguel Ângelo, e temo logo o pior, imaginando o tempo que estas coisas levam e o cuidado, a sensibilidade e a entrega exigíveis em certas fases do processo e em certas partes anatómicas, mais específicas, da peça...

Logo se vê

Terras do Nunca, confirmando que CVM já vai no terceiro blog, lamenta que não seja possível o três-em-um: o Carlos a entrevistar o Mark Twain no Pessoal e Transmissível.

Talvez não seja uma impossibilidade: eu propunha que o Carlos se socorresse dos serviços de assessoria literária da C.M. Lisboa, recentemente tão atentos ao lançamento de um livro do coevo Machado de Assis, e logo se vê no que dá...

segunda-feira, setembro 15, 2003

A casa do muro

O mundo é tão pequeno
tão sujeito à vaga do inverno
aos limites da dádiva
à ignomínia
à chuva a demorar no pátio a
memória breve
dos milagres

A perda II

"E além do mais" - dizia-me ela, cabisbaixa - "somos de mundos diferentes. Nunca dará certo, percebes isso?". E partiu, deixando a sua mão escorregar pela minha, pousada em cima da mesa com tampo de mármore do café. Para sempre. Hoje apenas guardo a sua imagem, de costas, deslizando entre as mesas, afastando-se. Percebi-a, não que aceitasse o que acabara de me dizer, mas entendi o seu ponto de vista. Hoje, evocar a sua imagem já não é doloroso, mas obriga-me a velar pelas feridas que na altura se abriram. Cicatrizes? Nem sei. Mas também isto, sem querer despoletar nenhum sentimentalismo bacoco ou desbocado, é crescer.

A perda

Hoje, o dia nasceu cinzento apesar do Sol, escuro apesar da luz, triste apesar dos sorrisos que comigo se cruzaram. Hoje, desapareceu Vítor Damas, e com ele, Sábados, Domingos e Quarta-feiras importantíssimas, de ouvido encostado à telefonia. A isto também se chama envelhecer. Até sempre, Vítor.

domingo, setembro 14, 2003

Morreu Vítor Damas

E é como se de repente as balizas todas da minha infância deixassem de ter quem as defendesse.

A tramontana

Gabriel García Márquez, em Doze Contos Peregrinos, fala da tramontana, esse «vento de terra inclemente e tenaz». E conta a história do jovem contratado para cantar canções das Antilhas em Cadaqués, na Costa Brava, de onde fugira no Verão anterior depois de a tramontana o ter vencido: sabia que, se regressasse, a morte estaria inevitavelmente à sua espera. Era uma noite de copos no Boccacio, em Barcelona. Uma pandilha de turistas suecos pretendia acabar a noite de farra em Cadaqués, e exigia que o jovem músico os acompanhasse. Ele explicava as razões que lhe impossibilitavam o regresso. Mas os nórdicos, animados pelo vinho catalão e por um elevado desdém perante as superstições «africanas», forçaram-no a entrar na carrinha e seguiram viagem. Já perto de Cadaqués, aproveitando uma distracção dos companheiros suecos, o jovem caribenho abriu a porta da carrinha em andamento e lançou-se no abismo. Tentava fugir assim a uma «morte inelutável», como a do velho marinheiro catalão alguns anos antes, encontrado morto no seu quarto, pendurado pelo pescoço na viga do meio, «balouçado ainda pelo último sopro da tramontana».

O levante

O levante não espalha as sementes da loucura com a mesma violência da tramontana. O seu rumor, ou a sua presença apenas adivinhada, o que deixa no ar, vindo do nascente (e não do norte), é um leve enjoo, uma tontura, uma pequena febre que um único nome pode caracterizar: almareio. Podemos ficar almariados antes ainda desse vento do mediterrâneo, esse vento do leste, fazer estremecer as folhas minúsculas da amendoeira: mas não é bom pressentir o levante com muita antecedência. Nesse caso, o almareio pode levar à doença. E a doença pode levar à loucura.

quinta-feira, setembro 11, 2003

Última estação

De que lado vem a tempestade
quando as folhas do negrilho
uma a uma
se desprendem dos seus ramos velhos
e o escorpião do medo se
acolhe em segredo ao
que ficar da luz de setembro
para prolongar
a sede

Desculpem lá mas eu não resisto

Eu tenho de vos perguntar: algum de vós viu "O triunfo da vontade"? Não não, agora a sério, do que é que se lembram? Do que é que se lembram daqueles épicos 140 minutos de gente a marchar? Sim, porque, dê lá por onde der, é isso que é "O triunfo da vontade". Ele é tudo a marchar para a direita, agora tudo a marchar para a esquerda, agora tudo a marchar para direita outra vez... pelo amor da santinha...
Vejam, OK... revejam o filme, é tudo o que vos peço. Vão sentir uma desilusão, essa sim, monstruosa. É que ver uns bocadinhos, seleccionados, num qualquer programa de TV é uma coisa, ver o filme, os 140 minutos inteirinhos de, enfim... de gente e marchar de um lado para o outro, é outra coisa completamente diferente. É uma seca completamente diferente. "O triunfo da vontade" é (mesmo) um mau filme. Já repararam?
Verdadeiras obras-primas da manipulação, e excelentes trabalhos cinematográficos, são Olympia, Fest der Völker e Olympia, Fest der Schönheit, conhecidos entre nós como "Olympia" e "Os Deuses do estádio", mas acho que ninguém quer falar nisso, afinal de contas, o tema de "O Triunfo..." torna tudo tão fácil, não é?

quarta-feira, setembro 10, 2003

Triumph des Willens

A morte de Leni Riefenstahl vai certamente fazer correr muita tinta. Neste caso, em vez da habitual discussão sobre a distinção entre obra e artista, uma das grandes questões será outra: a estética e a ética são dissociáveis? Ou a estética implica sempre a ética (e vice-versa)?

Bullfight

em Albufeira. Que é para os turistas que nos visitam poderem partilhar connosco as mais profundas raízes e tradições da Região.

Heróis do Mar

Não obstante saber-se que a mezinha do alho nem sempre resulta, no ano passado não admitíamos menos que ser campeões mundiais de futebol. Não obstante os acidentes de percurso, bem como nada de substancial se ter entretanto alterado aos níveis dirigente, organizativo e das mentalidades (dando-se de barato a eventualidade de terem sido adquiridos pós de salamandra no congresso de Vilar de Perdizes para ministrar aos atletas em vez da xaropada do alho que deu a alhada que se viu, o que sempre seria um avanço), no próximo ano não admitimos menos que ser campeões da Europa. E é nestas alturas que sentimos um orgulho filho da puta em ser portugueses...

Um sussurro...

De acordo, já não é novidade nenhuma, já toda a gente ouviu, mas vale sempre a pena salientar o que é bom. E numa quarta-feira de meados de Setembro, 125 atulhada de radares e caçadores de multas, qualquer coisa que nos deixe bem dispostos merece um segundo de atenção, ou melhor, um minuto que não seja o último. Liga-se o leitor e ouve-se como um sussurro, um desejo segredado ao ouvido, pleno de cumplicidade, como aquele pelo qual qualquer comum mortal gostaria de ser acordado todos os dias do resto da sua vida. Hesita-se ao princípio entre qualificá-la como cantora ou modelo, mas o certo é que cinco minutos depois, a certeza da cantora instala-se em cada um. E para além do mais, por trás da voz, das palavras e da música há um rosto bonito. Muito bonito, por sinal. Não há, seguramente, duas opiniões sobre o assunto. Quelqu’un m’a dit. Carla Bruni. Venha o próximo.

segunda-feira, setembro 08, 2003

Geometria descritiva

É preciso ir agora à praia, com Setembro já entradote, para compreender aquela expressão da menina do Big Brother: «isto em tão pouco tempo deu uma volta de cento e cinquenta graus».

Mataram ele

As cacetadas à má fila do Fernando Couto aos jogadores espanhóis, bem como a defesa dessa violência por parte do senhor treinador nacional (só Jesus é que dava a outra face. Mas Jesus só houve um e mataram ele), iluminam de um modo muito vivo esse conceito de «jogo amigável».

domingo, setembro 07, 2003

Esquerda, direita

Estrelinhas vermelhas nas unhas do pé esquerdo. E eu, parvo, a perguntar-lhe se as convicções ideológicas vinham dela ou da pedicure.

Abanar o capacete

Já tinha ouvido falar em toques polifónicos. Mas faltava-me assistir à cena de dois adolescentes sentados na escada exterior de um prédio de apartamentos, em Faro, a abanar o capacete e os joelhos ao som de um telemóvel.

Relendo Júdice

«é o desejo, / mais que a fortuna, que faz com que sejamos/ amanhã o que hoje não esperamos ser».

Foi com raros versos como estes que Nuno Júdice acedeu ao pedido de colaboração na revista SUL. Estávamos em 2001. Este ano, por obra e graça das Publicações Dom Quixote, chega-nos O Estado dos Campos. Do livro, e só para aguçar o apetite, não resistimos a deixar aqui um dos três poemas então publicados pela SUL em primeira mão. É um soneto, e chama-se RELENDO CAMÕES:

Vejo ainda coisas por dizer; em cada mudança
não somos já quem costumávamos; e quando mudamos,
é quem fomos que fica ainda por mudar. Um ser pode
ser tudo o que quisermos, se o tempo o deixar;
mas não será outro se entre ontem e hoje
se não souber transformar: pois é o desejo,
mais do que a fortuna, que faz com que sejamos
amanhã o que hoje não esperamos ser; a não ser
que o amor nos prenda à sua sorte constante. Então,
de dentro da alma, o sereno rosto procura novas
inquietações; e o teu riso o desperta de entre dias
e estações, convidando-o para a vida que é assim:
feita de mudança, quando tudo vai ficar;
e insistindo em ser o que tinha de mudar.

Num casamento

A terceira leitura era do Evangelho de S. Mateus, e falava do «homem insensato que edificou a sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, vieram as torrentes e sopraram os ventos contra aquela casa; ela desmoronou-se e foi grande a sua ruína».

Isto, dito assim na igreja de S. Pedro do Mar, em Quarteira, junto a um litoral em erosão e casas tem-te-não-caias edificadas na crista de arribas argilo-arenosas, se não é a palavra de Deus não saberei dizer o que é.

Lula é que está a dar

«Hoje no cais a lula estava dando ao monte.»

quinta-feira, setembro 04, 2003

Alguns desses dias

Podar as amendoeiras. Planear os enxertos. Guardar as azeitonas na tarefa. Secar os figos nas esteiras de cana, enrolando-as durante a noite. Caiar o tanque. Arranjar a eira. Recuperar os alcatruzes da nora. Ouvir, pelo fim da tarde, o som da água nas levadas.

São estas merdas que me deixam fulo 2.

"Guterres é um excelente candidato da área política e sociológica (?) que o PS lidera."
João Pina Moura ao D.Notícias, 3 de Setembro 2003.

Ahahahha ahaha ahaha ahaha.
Ahahahha ahaha ahaha ahaha ahahahha ahaha ahaha ahaha ahahahha ahaha ahaha ahaha ahahahha ahaha ahaha ahaha ahahahha ahaha ahaha ahaha ahahahha ahaha ahaha ahaha ahaha ahaha ahaha ahahahha ahaha ahaha ahaha ahahahha ahaha ahaha ahaha ahahahha ahaha ahaha ahaha ahahahha ahaha ahaha ahaha ahaha ahaha ahaha ahahahha ahaha ahaha.

São estas merdas que me deixam fulo.

"Pela sua moderação, tolerância e sentido de estado é o candidato natural da esquerda."
José Lello ao D.Notícias, 3 de Setembro 2003.

Isto é mesmo o pior espectáculo que a política tem para oferecer. Este PS é, de facto, uma coisa de bradar aos céus. Como é que alguém no seu perfeito juizo pode afirmar que semelhante criatura é o candidato natural da esquerda? Qual esquerda (foda-se)? Que merda de esquerda é a nossa que se identifica num indivíduo que, não é moderado pôrra nenhuma, não não, é um frouxo, é um mole. Tão simples como isso.
E ele não é tolerante, não se deixem enganar (outra vez) pelo seu sorriso beato e superior, mas no que é que vocês estão a pensar(?), ele é um deixa-andar, um caga-nisso... que diabo, querem que vos faça um desenho?
Já quanto ao seu fantástico sentido de Estado é preciso relembrar a sua cobarde atitude perante o desastre eleitoral do PS nas autárquicas de 2000?

Conclusão: se esse ser rastejante, essa massa amorfa de gordura animal desprovida de espinha dorsal, essa grande cloaca em formato de padreco, esse tal António Guterres, se ele é o candidato natural da esquerda então, meus amigos, então já estou como o outro que diz "se o Guterres é de esquerda eu quero ser nazi."
Juro.

Jamón Serrano

O meu caro leitor desculpar-me-á a confissão, mas o tema para esta crónica foi por várias vezes alterado. Primeiro, resolvi comentar as mais recentes evoluções do caso Casa Pia e daí partir para uma análise ao sistema judicial penal português, que diariamente abre brechas graves, para defender que é a reboque dos casos que lhes expõem as falhas que se revêm os sistemas e não quando eles, funcionando bem, se cristalizaram. É assim em tudo, não se percebe porque é que num sistema judicial as coisas têm de ser de modo diferente. Mas depois, na segunda-feira, uma hecatombe nacional fez-me repensar tudo e, amargurado com a vida, resolvi tentar explicar o inexplicável, justificando a derrota do Sporting. Tarefa árdua, difícil, rapidamente abandonei a ideia, porque com o passar do tempo é preciso começar-se a pensar no próximo adversário e esquecer o assunto (mas viram aquele golo do Roschemback, hã?).
Foi então que, num destes dias, ao meter gasolina, algures entre o verde-código-verde e a passagem de olhos pelo escaparate das revistas e jornais, uma notícia me chamou a atenção. Pela gravidade e seriedade do assunto, tinha de ser tema de crónica, porquanto o país por certo está suspenso do acontecimento - pensei. Mas não, dois dias volvidos, não há vivalma que comente o assunto, nenhum telejornal abordou sequer a questão e esta passou despercebida como se fosse uma coisa banal ou até natural. E o certo é que não é, por isso me vejo obrigado a vir a terreiro. Passo pois a explicar. Fernanda Serrano tem um romance com Pedro Miguel Ramos. Isso mesmo, Fernanda Serrano tem um romance com Pedro Miguel Ramos, aquele que apresentou o Big Brother com Teresa Guilherme e que casou com Bárbara Guimarães nas Caraíbas. Esse mesmo. Ora, uma pessoa que apresenta o Big Brother não pode ser recomendável e, como é óbvio, Fernanda Serrano corre o sério risco de ficar afectada por este deslize na sua carreira, o que é uma pena. A rapariga é boa actriz, é bonita, inteligente e, por sinal, lavadinha, por isso fica-lhe mal ponderar sequer passear-se com Pedro Miguel Ramos na Feira Popular, quanto mais ter um caso com ele. Bem sei que ainda é Verão, que ainda estamos na silly season, e que ainda não ocorreu o momento da viragem marcado pelo comício do Pontal, mas quando se deveria estar a pensar na seriedade de retomar a vida normal de todos os dias, somos confrontados com uma notícias destas, ainda por cima de forma brutal, na capa da Caras? O leitor perceberá a gravidade da questão. A Fernanda Serrano ter um namoro com Pedro Miguel Ramos representa a chegada do Outono, o murchar das nossas expectativas, o fim dos sonhos matutinos com a pequena. E depois do Pedro Miguel Ramos, o que se seguirá? Sinceramente, o caminho só poderá ser a descer. Que o país não se tenha apercebido da revisão do défice em alta pela Ministra das Finanças, ainda percebo, agora isto só pode ser adormecimento. E isso preocupa-me. Só há uma explicação e ela reside no facto de há algum tempo, na internet, ter andado a circular um pequeno excerto de um filme pornográfico no qual se dizia que a actriz principal, com quase tantos atributos como a Fernanda Serrano, era a própria. Será? Não será? Rapidamente se chegou à conclusão que era uma actriz húngara muito parecida com Fernanda Serrano. Não foi fácil descobrir isso, contudo, porque os diálogos no filme não permitiam descortinar a língua da actriz. Ou melhor, apenas não permitiam descortinar o idioma porquanto os “uhms” e “ahs” que representavam o diálogo tinham um sotaque magiar muito bem disfarçado, na medida em que ao que parece tais filmes se destinavam a ser exportados, e portanto tinham de poder ser vistos sem legendas que, como se sabe, são redutoras em qualquer filme de categoria. Com efeito, não lembra ao diabo ter um cê de cedilha na frente da virilha da actriz quando esta se apresta para cavalgar o actor contracenante.
Mas o certo é que tudo isto deve ter abalado a Fernanda e, de um momento para o outro, ela recolhe abrigo nos braços de Pedro Miguel Ramos. Tenho de confessar que o rapaz até tem jeito, mas que é uma tristeza, lá isso é. Basta ver o estado em que ficou Bárbara Guimarães, que depois de Pedro Miguel Ramos só encontrou refúgio em Manuel Maria Carrilho, para se perceber a gravidade do problema. Nunca mais chega o Outono?

Que os Planos Repousem em Paz

Os Resíduos Industriais Perigosos têm uma sigla curiosa. E diz a bota com a perdigota, sobretudo se aplicada aos respectivos planos de eliminação. É como aquela que vem do latim e se mete nas lápides: RIP. Ou seja: que repousem na paz do Senhor. À minha porta é que não. No meu mandato é que não. Se for preciso fecha-se uma estrada. Ou encomenda-se mais um estudo às universidades.

Lessem as Directivas...

Não, não começou a caça aos patos. Na Ria Formosa só morreram às centenas por causa de uma bactéria, que por sua vez deu origem a uma coisa designada por botulismo hídrico. Na foz do rio Alcabrichel, junto à praia do Porto Novo, só morreram cem devido à ingestão de um produto altamente tóxico cuja composição o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária não conseguiu ainda determinar. Não, não é grave. Quem lhes manda, aos patos, ingerir tóxicos ou exporem-se ao botulismo? Se calhar vai-se a ver e ainda foi suicídio.

Ressaca leonina

Logo tinha que passar a ressaca em Lisboa... Ontem à tarde, no metro, fui vítima dos problemas de circulação na linha verde. Presumo que tivessem origem algures entre Roma e Alvalade. E que a fluidez e a normalidade do tráfego fossem um exclusivo da linha azul, ali entre a Baixa e a Pontinha. Acontece-nos tudo...

terça-feira, setembro 02, 2003

Assim vamos longe

O meu Sporting perdeu com o Futebol Clube do Porto. Mourinho tem razões para estar preocupado com o Estrela da Amadora.

Ainda falam mal da tropa

É como se fosse uma farda: calções francamente abaixo do joelho; sapatos vela; camisa de marca com as fraldas de fora. Só então a noite, a música ao ar livre, Marte afastando-se vagarosamente na distância.

segunda-feira, setembro 01, 2003

Love is in the air

José Júdice escreve uma crónica de meia página sobre os esgotos da Manta Rota e da Altura sem saber muito bem o que se passa com os esgotos da Manta Rota e da Altura. «Sem conhecer os pormenores», como ele mesmo confessa. Mas isso, claro, não interessa. O que conta é o estilo. O parágrafo. A frase. O efeito. A blague.

É assim

Vivi durante dois ou três anos a cento e cinquenta metros da estação de tratamento de águas residuais da Manta Rota. Que não funciona, nem então funcionava. Mas nessa altura havia umas poucas de casas isoladas a drenar para a estação, que por sua vez drenava directamente para uma pequena lagoa, que por sua vez drenava para a praia. Não era propriamente grave. Desde esse tempo (meia dúzia de anos) construiram-se centenas de apartamentos e moradias em banda. A ETAR funciona ainda do mesmo modo (quer dizer, não funciona). O caudal efluente centuplicou. Os telejornais e a imprensa escrita, em chegando o Verão, falam do «mau cheiro». Ninguém é culpado de nada. Os loteamentos sucedem-se a bom ritmo. A festa não pode parar.

A mosca monótona do estio

A irreverência e a inteligência do Pedro Mexia fazem-nos falta. Por isso nos custa tanto o seu silêncio no Dicionário do Diabo, fechado para obras desde o dia de Nossa Senhora da Assunção. Vai-se a ver, e topamos com o Pedro no Independente. Garantindo que «a fé é vida privada», e insurgindo-se contra a «captação de imagens em actos religiosos». Porque «a fé, e a maneira como cada qual a pratica individualmente ou na sua comunidade de crentes, é vida privada». Pois. Claro. É assim mesmo. Isto é uma chatice...

Seja como for, Pedro, apreciamos-te infinitamente mais quando não és tão cuidadoso nem tão politicamente correcto nem tão previsível. Quando és como costumas ser. Quando escreves como no Dicionário. Quando não te pica a mosca monótona do estio. Regressa depressa, por favor, e deixa-te de fosquinhas. Fazes-nos falta.