«é o desejo, / mais que a fortuna, que faz com que sejamos/ amanhã o que hoje não esperamos ser».
Foi com raros versos como estes que Nuno Júdice acedeu ao pedido de colaboração na revista SUL. Estávamos em 2001. Este ano, por obra e graça das Publicações Dom Quixote, chega-nos O Estado dos Campos. Do livro, e só para aguçar o apetite, não resistimos a deixar aqui um dos três poemas então publicados pela SUL em primeira mão. É um soneto, e chama-se RELENDO CAMÕES:
Vejo ainda coisas por dizer; em cada mudança
não somos já quem costumávamos; e quando mudamos,
é quem fomos que fica ainda por mudar. Um ser pode
ser tudo o que quisermos, se o tempo o deixar;
mas não será outro se entre ontem e hoje
se não souber transformar: pois é o desejo,
mais do que a fortuna, que faz com que sejamos
amanhã o que hoje não esperamos ser; a não ser
que o amor nos prenda à sua sorte constante. Então,
de dentro da alma, o sereno rosto procura novas
inquietações; e o teu riso o desperta de entre dias
e estações, convidando-o para a vida que é assim:
feita de mudança, quando tudo vai ficar;
e insistindo em ser o que tinha de mudar.