quinta-feira, março 31, 2005

[não]

.
Hoje não escrevo
para não definhar a língua portuguesa
.

Prece

.
Levantar voo
no momento exacto em que um sismo
te desmorona o coração
.

Espelho monocromático


.
A imagem n'O espelho
devolve-nos esta manhã
o pressentimento
de um sono sem fim
.

terça-feira, março 29, 2005

Volta ao mundo

.
Hei-de regressar a ti
e, de novo, morrer nos teus braços
.

segunda-feira, março 28, 2005

[silêncio]

.
Que pergunta tenho receio de fazer
que o teu silêncio não me responda?
.

quinta-feira, março 24, 2005

Oceano

Hoje,
queria saber
como sacudir o oceano dos teus olhos
e secá-los
como se nunca houvessem sabido
o que são lágrimas salgadas
.
Antes
de desaparecer do mundo
.

quarta-feira, março 23, 2005

Almas

Que espinhos semeia teu amor
no caminho sobressaltado da minha vida
deixando que me pese o uivo do vento
e o rasgar das ondas de alto-mar
.
Deixa-me viver tão só o desejo
e a aventura de apenas merecer
o brilho do teu espírito puro
que sempre de sangue conspurco
.
O teu amor, a fonte de virtude, o pecado
e o castigo, oiço-te mas não te vejo falar
queixas-te mas não te escuto
sinto-me monstro e a ti donzela
.
Quero procurar nos teus olhos
os beijos calados por que anseiam meus lábios
as tuas mãos invísiveis à procura do corpo
que não é meu, inflamado pelo alento do amor
.
Almas gémeas, olhando-se em silêncio
sem nome conhecido

Condór


.
Anclado entre dos montañas
El Cóndor pasa
el viento selvaje de la borrasca
a lo largo del Anapurna
bajo el cielo de plomo y las flechas
de agua que perfuran sus plumas
.
Acorralado, como si fuera del cielo
y no más de la tierra, lejos
vola como un loco de corazón al viento
de alas desplegadas como tu alma
llena de saludad como un lirio blanco
flotando en un estero de mar.
.

terça-feira, março 22, 2005

Alegro, ma non troppo

.
O maestro António Vitorino de Almeida lançou uma sinfonia. Não uma sinfonia qualquer, antes uma Sinfonia Benfica, uma ode ao seu Benfica. Está bem, aplauda-se a iniciativa, sobretudo se com isso conseguir pôr os seis milhões de almas benfiquistas que se diz existirem, a ouvir música clássica. Um Pouco Mais de Sul deseja ao maestro e ao Benfica os maiores sucessos no campo musical.
.

Inês

.
Senhora partem tam tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
.
João Roiz de Castel-Branco, Cancioneiro Geral, III, 134
[evocação de Inês, pelo 650º aniversário da data da sua morte]
.

segunda-feira, março 21, 2005

Anexações...


.

Outros tempos...



Quantos autarcas se podem gabar de semelhante feito nos dias que correm?
.

Ilha



A ti,
que és a grande ilha do silêncio

Chac Mool

A lenta passagem do tempo
envenena a carne
e apura as linhas mestras do esquecimento
enquanto depura a febril ânsia do corpo
como a luz que agoniza
nos olhos turvos de um condenado
.
Labaredas em soluços cerram
as pálpebras do passado
na hora em que um grito se arranca
das profundezas da garganta
perante o sangue que escorre pela pedra-mãe
da constelação de calcário
.
Belisco-me para descobrir se estou vivo
mas sei no meu íntimo que sim
Bárbaro símbolo de vida,
não danso nem durmo
.

sábado, março 19, 2005

Janela

Um sorriso apenas. Deste-me um sorriso apenas e um aceno com a tua minúscula mão de princesinha. E tanto me bastou para te saber bem, feliz, o melhor possível. Estás uma senhora, fica-te bem o casaco azul escuro e os tons rosa da malha, que se confundem com o rubor da tua face, mesmo quando no calor das brincadeiras ficas incandescente. Há pouco, apeteceu-me deter o carro que arrancou e te levou. Apeteceu-me pará-lo, arrancar-te de lá de dentro e dar-te um abraço apertado como tantos outros que já demos. E desejar ao mesmo tempo que aquele fosse melhor que todos os outros, que nos desse energia para tudo, para todas as tormentas que teremos de enfrentar no futuro. Hoje fiquei com uma lágrima no olho, bem sei que são apenas momentos, mas fico perdidamente aflito quando perco um instante mágico da tua vida e não o partilho, ou sinto como meu. Queria ser anjo, poder velar-te e garantir a tua felicidade. Só isso, nada mais. E poder morrer quando o conseguisse.
.

Aqui estou

Aqui estou
despido de tudo
dono de nada, sequer do ar que respiro
do vento que sopra, dos murmúrios
dos sonhos, da vontade natural
dos homens
.
Aqui estou
no fim do mundo
nas estepes sem desditoso fim
onde gela a erva verde da terra-mãe
corroída pelo glacial Inverno
do nosso tempo
.
Aqui estou
no profundo mar
onde ninguém me toca
onde habitam a escuridão e os temores
mais recônditos que existem
no meu eu
.
Aqui estou
à deriva e sem rumo
sem pontos cardeais
ou desejos colaterais
porque apenas procuro paz
e nada mais.
.

quarta-feira, março 16, 2005

Palavras II...

Cautela. A hipotética beleza das palavras está no erro com que nos perplexam, na verdade crua que nos querem fazer acreditar, quantas vezes mascarada sob aparência de seriedade. Cuidado com as palavras aos dezasseis anos, aos trinta, aos quarenta... cuidado com todas as palavras, as tontas e as vãs, as boas, as que nos ferem e desassossegam, as esperançosas e as de malévola paciência. Pânico, palavras de regozijo irónico, brilho sinistro, poéticas, destrutivas, silenciosas, plenas de espuma, brancas, negras, fluentemente fluviais ou marítimas. De rei, de rainha, plebeu, pobretão, améres, de concentração animal... Palavras, fortes, deslocam montanhas, mundos, gargantas, luas e grutas obscuras. Palavras de marfim, espuma, sangrentas, carmim... palavras, de mel, dentro das veias, palavras mágicas, que soem bem em inglês, português ou francês, sem sentido, belas, ritmadas, universais. Eis o propósito vão do poeta, a escolha das palavras que libertem o leitor na escolha dos sentidos do poema.
.

terça-feira, março 15, 2005

Olhares

Gosto
quando enches todas as coisas com a tua presença
as cobres com o teu silêncio
e encurtas a distância
entre a minha alma e a tua
.
Trabalhos simples do teu olhar
.

Cruzamentos



As nossas avenidas...
.

sexta-feira, março 11, 2005

Cesto da gávea

Hoje apareceste-me num soneto de lua, pendurada no cesto da gávea onde os sinais da vida se procuram gota a gota, nas manchas de ausência de cor. Sei que fui cruel, que afrouxei o corpo, e me abandonei à dureza fotográfica de um momento de cansaço, de um soluço de respiração onde duvidei que estava vivo. Sei que perdi a memória, já não sei o que faço aqui e magoo-te a cada passo, por mais leve que o tente dar. Perco-me e faço-te perder a beleza de todos os instantes de lume e ar que se estatelaram nos nossos corações e que por comodidade se guardaram na velha gaveta da cómoda de pinho amarelecido. Perdoa-me o desastre e todo o mar triste que agora te trago. De bom grado abandonaria este leme frágil, se não temesse as sombras que me esforço por esquecer porque, pelas asas que te corto, morro para sempre de aflição.

Canción de la montaña

Quiero terminar la ansiedad
que agota mi pecho en tormentas
Quiero tus ojos abiertos
y no las ataduras del silencio
de paredes húmedas
.
Quiero el volumen de tus besos
.

quarta-feira, março 09, 2005

Hanami



Quero fazer-te o milagre
que a Primavera faz à cerejeira
.
N. do A.: 14/12/2007: Há dias, numa pesquisa, verifiquei acidentalmente que Neruda tem um verso muito parecido num dos seus poemas. Soará, pois, este poema, a plágio. Julgará assim, quem assim o quiser.

Urgente

Lavar as palavras do desencontro
Onde tudo,
a visão e o tempo
são mais duros de apagar
.

Babugem

Para que melhor me ouças
cuido que cada palavra minha
se reduza à sua expressão mínima
de babugem na baixa-mar
e pegadas de gaivota nas dunas
.
contra a incerteza
e os pequenos suicídios quotidianos.

A dúvida universal

Vamos ser sérios: de uma vez por todas, definitivamente, só há uma forma de colocação correcta do papel higiénico no respectivo suporte de parede que é com o papel a desenrolar do lado oposto a esta. Um Pouco Mais de Sul espera ter contribuído de forma decisiva para acabar com a dúvida universal que acerca do assunto ainda subsistia inaceitavelmente no dealbar do Séc. XXI.

terça-feira, março 08, 2005

Sussurro

Vou confiar-te um segredo
conhecerás a fonte dos meus encantos
aquela que faz florir as amendoeiras
e mais tarde as cerejeiras
.
Guarda este segredo que te confio,
se necessário com a tua própria vida
ignora os apelos mundanos
e cala-te em agonia
.
Cega teus olhos, que nada mais vejam
depois de contemplarem a flor
do meu desejo, se tornem indignos
da pura luz dos dias que me restam
.
Porque pecaram quando se abriram
Aos contornos do rosto daquela
por quem dobra em uníssono
o meu coração palpitante
.
Mata-me, que não me vejam louco
me tomem por demente
e me atirem às feras do circo
na arena ensanguentada
.
Salva-te o quanto antes
sobe à montanha distante
e não tornes a esta terra
onde já não há tesouros
[por descobrir]
.
Ouve,
Já não há cerejas, nem amendoeiras
Promete-me. Não tornes.
Ainda que sejam estas palavras
uma súplica no deserto.

.
A Presa regressou em força. Salut, José Carlos.
.

segunda-feira, março 07, 2005

Grito

Oásis na cidade

Luz

Luz filtrada pelos olhos inocentes
de quem tem ossos frágeis
apogeu de sentidas emoções
brilho dum mergulho em ti
e na intimidade pura
do teu pequeno ser.

Rasga-me o desejo
e a miragem ao crepúsculo oferece-me
o milagre da tua existência
Rendo-me em homenagem
à fina seiva do baile da tua vida
E fecho-me

num sindicato de sentimentos
.
Escrevo, para salvar a minha vida.
.

sexta-feira, março 04, 2005

Trabalho

Estados de Alma
Nuvens de tempo
Borrasca passageira em tardes distantes
mas hoje,
alheamento profundo
autismo telefónico
aos apelos do mundo
às vagas mensagens
de hediondas criaturas
do Apocalíptico desacerto

Que visão aterradora,
a do trabalho que me espera!

Tempo



Mergulho pela manhã na recordação do teu olhar
e sinto o empalidecimento das cores que me cercam
como se me envolvesse o opaco véu
da tua ausência
assim desabasse o céu
e tudo à minha volta perdesse
a transparência
.
Partiste há já uma eternidade
Impeço-me de crer no teu regresso
amiúde, acordo em sobressalto
a cada bater na porta
regurgito em cada alvorada, a memória distinta,
e uma e outra vez
evoco sem Norte
o canto melodioso de ti, sereia,
que nunca dormes
no teu leito de algas do fundo do mar
Debaixo do promontório.
.
Sim, esperançadamente, temos novo governo; não se preocupe o leitor, o défice segue dentro de momentos.