segunda-feira, maio 31, 2004

O pecado

Certo padre, a fim de conseguir mais alguns fiéis na sua paróquia pendurou um cartaz na porta da sua igreja: "SE VOCÊ ESTÁ CANSADO DE PECAR, ENTRE!".

Alguém escreveu em baixo:
"SE NÃO ESTIVER...LIGUE-ME!
Monica/9315.6874"

Liguei, claro, antes de entrar na igreja, mas era Domingo e não havia serviço.

Um mar

Hoje
Todo o dia chorei
E quisera ser
Mar de água
Para afogar a minha mágoa

A partida

É melhor assim. É melhor que a partida seja dolorosa, com mágoa, sentida ou ressentida, até plena de ódio, tanto faz. É melhor uma partida em que ninguém olha para trás, em que não se sabe se é por tristeza, por raiva, por orgulho, ou apenas porque sim. É melhor assim, não haver nenhum motivo ou propósito que não o de esvaziar deliberadamente dois corações tontos. É mais fácil, infinitamente mais fácil. Tanto pior para o resto. A vida há-de continuar.

[O tempo]

A casa do muro
sobreveio aos anos, ao Inverno,
à tempestade:
ruiu numa tarde de Verão.

OK...

O pugilista Bento Algarvio é o mandatário regional da Juventude Socialista às eleições europeias. E garante que está preparado para pôr a direita KO. Depois dos cartões amarelos e dos apitos, o nível continua a subir. Dum lado chove, do outro troveja. Nem que as urnas estivessem abertas até às seis da manhã...

Só se perdem as que caírem no chão

Acabo de saber que o Bloco de Esquerda escolheu para frase de campanha um original «Vote em quem lhes bate forte». Sendo que são eles, exactamente, quem se prepara para bater. O slogan é acompanhado de um sugestivo rolo da massa. Já estamos em pulgas só de imaginar o primeiro round entre o padeiro do BE e o pugilista da JS-Algarve.

domingo, maio 30, 2004

[Tarde]

Mais que as palavras,
o eco devolvia os medos
e o silêncio.

[A madrugada]

A madrugada encontrava-os sempre
com os corpos misturados na pequena
luz que começava a erguer-se,
indecisa, nos cumes.
Tremiam ainda de frio
e adormeciam de novo.
Mais tarde nem
saberiam dizer onde
começavam os braços
e acabavam os ombros.

Outro lugar

É um lugar um pouco mais a Norte.

sábado, maio 29, 2004

Irós do mar

Numa reportagem televisiva em que se pedia às pessoas que cantassem o Hino Nacional, muitas acentuavam, com indisfarçável sentido patriótico, «as Brunas da memória». Não saberei explicar assim em meia dúzia de palavras o quanto fiquei comovido.

O dicionário

O fim do blog estava anunciado há muito. Ultimamente as actualizações eram espaçadas. Seja como for, passávamos sempre por lá à espera do milagre de mais um ou outro novo post. Para mim, a blogosfera começou com a Coluna Infame e o Blog de Esquerda. Para mim, o Pedro Mexia, o Zé Mário e o Francisco, por diferentes ou muito semelhantes razões que não vêm agora ao caso, fazem parte de uma secção (digamos assim) um bocadinho fora do mundo. Claro que não há nenhum drama em assistir ao desaparecimento de mais um blog num universo que vive também, ou essencialmente, disso mesmo: do constante desaparecimento e nascimento de moradas e lugares. Mas pronto. Umas coisas puxam as outras e juro que se não fosse a filha da puta da nostalgia (e hoje nem sequer é domingo) não tinha começado a escrever este texto.

Uma Palavra

Antes de serem um fruto, antes de amadurecerem, os al-bri-co-ques são uma palavra. A sua sonoridade mágica. Uma palavra que remete para a memória abstracta do fruto que agora colhemos da árvore.

Quanto mais me bates (mensagens SMS na Sol Music)

Amo te Goncalo deixa de ser assim. Amo-te Hugo apezar de nao me amares. O sentimento q tenho por ti é proibido, mas não faz com que ele acabe. Amo te GUI es o meu ganzado. Timotea amo te mas n aguento mais andar ctg. Joao amo te muito, deixa a BIA. Adoro sepultura é cul fixe.

sexta-feira, maio 28, 2004

Política

Percorremos o jardim, mas o meu entusiasmo não o comove. Nota que a sebe precisava de ser aparada. Lamenta-se de ninguém ter dado ao catapereiro uma poda de formação. Passa insensível diante dos belíssimos exemplares de viburno e de madressilva. Insiste na diferença que faria uma poda topiária com formas geométricas. Mas sobretudo não lhe agrada que os arbustos cresçam assim, desmesuradamente, sem ordem, sem regra, sem disciplina. Não falámos de política. Mas fiquei com a certeza de saber em quem vai votar nas europeias. E foi a minha vez de não me sentir comovido.

quinta-feira, maio 27, 2004

A noite...

Deito-me a teu lado. Ouço a tua respiração compassada no silêncio da noite, o bater das badaladas do relógio do campanário chamam-me à realidade, hora após hora, inexoravelmente, até ser outra vez dia. Longamente, a noite escorrega enquanto dentro de mim ecoa novamente o peso forte de cada palavra. Hoje é mais um dia, um dia a mais. Apenas outro, tanto faz, desculpa, mas já sabes.

Objecto de culto

Um Aston Martin DB9 coupé em verde-escuro metalizado, com interior em couro Connolly bege claro. Não interessa verdadeiramente o que se queira incluir na lista dos extras, aparte os estofos a condizer. Este é o verdadeiro preço do pecado, para quem o queira cometer.

Pois...

Em bom rigor, porque a isso me obriga o fair-play, abdico do meu sono, do meu precioso sono, para aqui vir ainda hoje dar os parabéns ao Porto, aos seus adeptos e aos que com eles e por eles sofreram.

A privada é outra limpeza

Assim é diferente. Já podiam ter avisado mais cedo. Claro que não é muito animador saber que na função pública, pago pela tabela, não se topou ninguém com competência para o cargo. Mas se o sr. Director da Colecta trabalha por seis, calo-me.

quarta-feira, maio 26, 2004

Afinal, ainda o futebol

Bom, deixemo-nos de merdas: parabéns; foi bonito.

Os azuis

Um amigo meu observava o céu esta manhã e dizia, não sem uma certa razão, que hoje é tudo azul: o fêquêpê, o saco do Cruz da Silva, as contas do Arnault, as faltas injustificadas dos deputados, a viagem adiada de Durão... enfim, o delírio nacional elevado ao seu expoente máximo!...
Temo que se por fatal azar o Porto ganhar a taça, alguém haverá que se atreva mesmo a sugerir a substituição do sangrento encarnado ou do esperançoso verde da bandeira nacional pelo azul-anta.

O nosso tempo

Pequenos folhetos espalhados pela cidade de Faro dão-nos conta de uma «empresa em grande expansão» que procura «pessoas sérias e dinâmicas», garantindo rendimentos mensais entre 500 e 2500 euros. Há aqui qualquer coisa que não bate certo... Para pessoas dinâmicas, 500 euros parece-me pouco. Para pessoas sérias, 2500 parece-me muito...

terça-feira, maio 25, 2004

As grandes questões

No País das Maravilhas, em 2002, parece que as inscrições de um jogador de berlinde tinham lá uma gralha. Dois anos depois, no fim do campeonato, levantou-se a lebre. O assunto é sério. O caso saltou para as primeiras páginas dos jornais e é tema de abertura nos noticiários televisivos. O País divide-se, suspenso de uma decisão. Já se pediu um parecer ao Supremo. E há quem fale na inevitabilidade de um referendo.

Zoomarine

Gosto muito de animaizinhos. Aprecio imenso quem os trata na doença, e lhes desinfecta as feridas, e os acarinha e tudo. Mas lamento confessar que ao golfinho que aparece todos os dias nos telejornais já lhe vou começando a ter zanga...

Nuvens

Hoje de manhã, na Avenida Gulbenkian, passei os semáforos com o cinzento intermitente.

Cabalas

O IISS está ao soldo de quem?

[Às vezes]

Às vezes é o deserto o
que parece atar a cada um
dos nossos nomes
a sua exígua voz
iluminada pela sombra
e nos transporta a uma ausência que
não tem raízes nas palavras
e no entanto nos pertence
até ao mais fundo
de nós próprios

segunda-feira, maio 24, 2004

A tortura

Desde há semanas que vêm saltando para as manchetes dos principais órgãos de informação nacionais e internacionais sucessivas notícias que vêm dando conta das torturas e perversões perpetradas contra prisioneiros em cadeias irquianas por parte de soldados e guardas americanos. Fica ainda por se saber se tais comportamentos igualmente se verificam por parte dos soldados ingleses, visto que na passada semana se ficou a saber que grande parte das fotografias exibidas pelo Daily Mail era fruto de montagem, facto que acarretou a demissão do seu director.
Boaventura de Sousa Santos escreve um artigo assaz pertinente e deveras interessante na última Visão acerca da sociologia da tortura, desenvolvendo depois um paralelo com os motivos racistas que lhe são inerentes. Evidentemente, o racismo aqui deverá ser entendido em termos latos que não se ficam a dever apenas à cor da pele, mas igualmente às ideologias e concepções políticas, à discriminação religiosa e à própria condição social de carcereiros e prisioneiros.
Retira-se ainda daquele artigo a ideia de que o abuso é subjacente e inevitável nos membros de uma sociedade dominadora que vive presa e asfixiada pela falta de realização pessoal do indivíduo que a compõe, do indivíduo a quem ensinaram o conceito de comportamento perverso -e por isso proibido - mas que por isso é igualmente um ser reprimido. Pior, a esse indivíduo coarctaram ainda mais a sua liberdade afirmando que tal se deve à necessidade de segurança do Estado e dos seus semelhantes, por causa da ameaça que representa o país em cuja invasão ele agora participa.
Seguramente por isso, mas não apenas por isso, o poder conferido por uma chave ao carcereiro pode ser quase absoluto e, no segredo do cárcere, o prisioneiro torna-se no instrumento que lhe permite assumir livremente os seus comportamentos desviantes porque tudo lhe é permitido ao abrigo da segurança do seu Estado e da dos seus semelhantes. Mercê do auxílio da sublimação que fez dos seus comportamentos, o indíviduo torna-se numa mistura explosiva, sem racionalidade que lhe permita refrear os seus comportamentos que assim se tornam quase animalescos.
Mais, mesmo racionalizando, o carcereiro observa a realidade de Guantánamo e verifica com alívio que o seu Estado não é diferente nem melhor que a sua pessoa e encontra nessa realidade a justificação comportamental para os seus vis actos.

Transpondo esta realidade para o dia-a-dia das nossas cadeias e esquadras, porquanto é certo que nelas igualmente se verificam abusos e excessos embora em menor grau - mas a nossa realidade não é a de um país em guerra e semeado de caos - muitos desses abusos e excessos ficarão explicados em semelhante análise sociológica, sobretudo se enraízada numa análise ao racismo (reitere-se que em muito lato senso) e na simples perversão sexual do indivíduo que poderá estar subjacente em muitos desses comportamentos abusivos.

PS: Encontra-se em vias de ser concluída, apresentada e discutida uma tese de doutoramento, uma das poucas feitas em Portugal, sobre o tema do racismo. O seu Autor, João Filipe Marques, é fundador deste blog.

Última hora

Um funcionário público dos Açores, barrosista empedernido, impedido de se deslocar a Oliveira de Azeméis, pediu asilo político no Funchal.

domingo, maio 23, 2004

Segredos

Era uma vez um Príncipe que se apaixonou por uma menina do Povo. Casaram no Palácio Real protegidos por especiais medidas de segurança. Nessa noite, no hotel onde em segredo haveriam de iniciar a lua de mel, meteram-se no elevador e desapareceram para sempre. Lili Caneças, enigmática, defensiva, requisitada pelos principais canais televisivos da Europa e do Mundo, continua a garantir que está impedida de revelar seja o que for sobre o assunto.

Mi(ni)stérios

Alguns anos depois do conhecido evento que a História, a Literatura e a Memória do Povo acabariam por fixar, já o Lobo Mau andava pelo bosque disfarçado de Capuchinho Vermelho. E houve mesmo quem, sinceramente condoído ou por oculto interesse, lhe tivesse arranjado uma Avó.

sábado, maio 22, 2004

O poço

José António Saraiva insiste em bater no ceguinho. E escreve: a «constatação de que a guerra está perdida alegrará os que sempre estiveram contra a invasão aliada». Poderia ter escrito: «a constatação de que os seus alunos morreram afogados no poço da escola alegrará o professor que lhes pediu reiteradamente que não se aproximassem do poço». Mudavam os termos, não a má-fé intelectual dos argumentos.

[Portugal Positivo]

Confesso que andava um pouco
deprimido com isto de todos os fins de semana
ir à Galp a Ayamonte meter
gasolina a preços de saldo e
do lado de cá não ser aumentado na
folha de vencimento há dois anos e
aumentos só no que pago pelos combustíveis
para que o Défice entre nos eixos
com a muleta ainda de se
privatizar a água e a Lezíria a tijolo e vigas de cimento
com Rede Natura e áreas protegidas e
tudo
no pacote.
E confesso também que trazia em
baixo a auto-estima
sabendo que simultaneamente o
sr. Director Geral da Colecta foi requisitado
à Privada e au au-
fere ao mês o
que um técnico superior dos quadros do
mesmo ministério não au au-
fere em ano e pouco de função
pública premindo de manhã, ao fim da manhã, ao
princípio da tarde e ao fim da tarde
o indicador direito no artefacto electrónico
de ponto, sendo certo que
na função pública só malandragem campeia
sem competência para o desiderato de sacar e
disparar mais rápido que a sombra
contra o contribuinte relapso, dando
de barato que não haver dinheiro nos Serviços
para as fotocópias e
para a formação profissional dos meliantes do
Estado é um pormenor e
que nas assessorias do Ministério da Defesa é
que flui a Nata
por osmose.
Mas
o Movimento Portugal Positivo envergonhou-me e
calou-me fundo e (lá diz a
srª Ministra das Finanças que tudo não passa de Inveja)
a Inês Pedrosa tem do seu lado
a razão toda: o povo
queixa-se e devia era dar vivas e lançar
foguetes ao ar, que quanto mais a gente
berra mais o cu lhe aparece.
Por isso, repeso do queixume, comprei
deles (foguetes) meia grosa
temendo agora no entanto que, lançando-os,
festivos, não
vá darem os estrondos decorrentes
azo a estragos de
parte a
parte.

sexta-feira, maio 21, 2004

[Quase o Verão]

Não é colher um fruto o que a tarde nos pede
tocada nos flancos pela simetria
mas apenas atar cada um dos fios
que o inverno espalhou no arame das vinhas

Que a luz irrompa nas açoteias
em vez da sombra e da melancolia:
não é colher um fruto o que a tarde nos pede
tocada nos flancos pela simetria

Galp (glup)

Uma empresa portuguesa com certeza, com accionista dourado personificado no Estado. Podia ser qualquer uma das empresas que operam nos sectores ditos estratégicos para a economia ou para o interesse nacionais, mas o que é essencial referir é que esta empresa depende do abastecimento dos mercados internacionais e das flutuações do preço da matéria-prima (crude). Curioso é ainda verificar que esta empresa sobe os preços dos seus produtos no mercado nacional mesmo quando o preço daquele crude baixa e vice-versa. E sobe-o também ao mesmo tempo que no país vizinho o baixa, como se o produto ou o fornecedor fossem diferentes.

E o Estado, a tal pessoa de bem que é o detentor de uma "golden share", adopta uma postura passiva e planta-se à beira-mar a ver os navios a passar. Tudo estaria bem, se este interesse que se procura salvaguardar não fosse público e como tal não fosse fosse tutelável, o que por si só já não seria pouco. Mas acresce que ocorre ainda perguntar se não sendo o combate à inflação uma prioriodade deste Governo, não seria já tempo de se alterar o estado das coisas? Mais ainda, onde anda a autoridade reguladora da concorrência e preços numa época em que as gasolineiras, claramente, optaram pela prática de fixação de preços em cartel?

É preciso referir que a liberalização de preços é um bem para o consumidor, mas é preciso que nestes casos se garanta a existência de condições para a ocorrência da livre estipulação de preços, facto que está longe de acontecer.

Um sorriso...

... de crianças, num jardim, correndo uma ao encontro de outra. Um menino de pedra jorrando água pelo seu órgão, observa o riso da crianças. Os pais, cúmplices, contemplam o futuro e sorriem um para o outro debaixo de um céu de chumbo que ameaça desabar. A foto, cujo cenário é real, é a preto e branco e o grande desafio é colori-la sem tocar na sua essência.

Reconhe-cimento

Durão Barroso manifesta «o seu reconhecimento pela dedicação e o empenho demonstrados pelo Dr. Amílcar Theias ao longo do exercício das suas funções». Arlindo Cunha é o novo ministro das Cidades.

quinta-feira, maio 20, 2004

Adivinha

«A Galp aumenta de novo o preço dos combustíveis». Será uma notícia de hoje, de ontem, da semana passada, de há quinze dias, de há um mês ou de há dois meses? Ou nem será uma notícia e trata-se apenas de um boato ignóbil posto a circular por opositores ao Movimento Portugal Positivo?

MPP

O Movimento Portugal Positivo anunciou uma sessão sobre a falta de auto-estima nacional e convidou Vasco Pulido Valente. Parece-me, digamos, arriscado: talvez fosse mais sensato, e útil, garantir a presença de Boaventura de Sousa Santos, solicitando-lhe que explicasse as formas de combate ao luso-merdismo.

quarta-feira, maio 19, 2004

Pastilhas

Quando me cruzo na rua com pessoas assim, de sorriso aberto, felizes, de passada confiante em direcção ao futuro ou ao parque de estacionamento mais próximo, interrogo-me sempre, perplexo, de onde é que raio vêm, que noticiários andam a ver e que pastilhas tomam.

A Primavera

Ouvido de passagem esta tarde: "Estou na Primavera da minha senilidade"...

(Mail-circular acabado de chegar à redacção)

Sabe: tanto me faz que seja o Moreira como o Baía. É-me indiferente que o Scolari escale um defesa do Penafiel ou do Marítimo: até podia escalar um peixe-agulha. Estou-me nas tintas para o que Mourinho diz das arbitragens quando perde um jogo e para a novidade de os senhores ministros e os senhores brigadeiros da GNR correrem em conformidade nos ensaios das mangueiras anti-motim. Por mim, acredite, o Sporting até pode vender o Liedson e mandar o sr. engº Santos em digressão a Fátima. E o Benfica ceder o Luisão e o sr. Camacho ao Real Madrid em troca de acções da Elite Models. Tanto me faz. Podiam agora baixar um bocadinho o som, por favor?

terça-feira, maio 18, 2004

Futebol

Este meu amigo benfiquista explica-me que a vitória na final da Taça foi importante por muitas razões. E que a principal talvez seja poder ser entendida como uma espécie de retoma, depois da crise em que o clube andava enredado. Não o quis desanimar. Mas sempre lhe disse que se esta retoma for como a outra, que bem pode esperar sentado.

Os versos mais tristes

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.

Escribir, por ejemplo: "La noche está estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos".

El viento de la noche gira en el cielo y canta.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.

En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.

Ella me quiso, a veces yo también la quería.
Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.

Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.

Qué importa que mi amor no pudiera guardarla.
La noche está estrellada y ella no está conmigo.

Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.

Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.

La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.

Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.

De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.

Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.

Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.

Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo.

Pablo Neruda, Poema 20

segunda-feira, maio 17, 2004

Uma árvore

Como se pudesses fazer à tua Vida o que Malevitch fez à Pintura com o Quadrado Negro; como se pudesses apagar as imagens do passado. E então comoveres-te a olhar as folhas recortadas do lódão, porque pela primeira vez à face da terra havia uma árvore e as suas folhas começavam a nascer.

Nocturnos de la ventana

Un brazo de la noche
entra por mi ventana.

Un gran brazo moreno
con pulseras de agua.

Sobre un cristal azul
jugaba al río mi alma.

Los instantes heridos
por el reloj pasaban.

Asomo la cabeza
por mi ventana, y veo
cómo quiere cortarla
la cuchilla del viento.

En esta guillotina
invisible, yo he puesto
las cabezas sin ojos
de todos mis deseos.

Y un olor de limón
llenó el instante inmenso,
mientras se convertía
en flor de gasa el viento.

(Federico García Llorca, excerto de Nocturnos de la Ventana)


Encuentro

Ni tú ni yo estamos
en disposición
de encontrarnos.
Tú... por lo que ya sabes.
¡Yo la he querido tanto!
Sigue esa veredita.
En las manos
tengo los agujeros
de los clavos.
¿No ves cómo me estoy
desangrando?
No mires nunca atrás,
vete despacio
y reza como yo
a San Cayetano,
que ni tú ni yo estamos
en disposición
de encontrarnos.

(Federico Garc ía Llorca)

...e não nos deixeis cair em tentação...

O mal de se resistir a uma tentação é que podemos não ter uma segunda chance.

domingo, maio 16, 2004

[Quase a glória]

é verdade que nunca chego em
primeiro lugar
mas sou eu
que corto as metas
volantes

[O que nos pertence]

nada quero do mundo que
não me pertença

só quero tudo

[A guerra]

que lança poderia já
trespassar um
corpo atado
à súplica?

[O amor é pouco]

amo-te mais do
que pode o amor

[O que diz a constituição europeia sobre o euro-festival da canção?]

às questões decisivas
ninguém
responde

sábado, maio 15, 2004

[Os taludes a pique]

Há um fio suspenso entre duas margens
e os jovens correm desamparados.
Caminham depois nos taludes a pique,
nas arribas de argila e areia.
Conhecem as frases onde se respira sob a página impressa
e a ninguém perguntam em que repartição pública
se tira do corpo uma coroa de lâminas.

Local

Na estrada da Manta Rota, junto à Quinta da Fidalga, foi construída uma rotunda fora do alinhamento da via. Notável! Só visto! Os automobilistas vêm de Sul e, obviamente, seguem a direito, deixando a bombordo um círculo de betão que só a custo, já de passagem, é possível avistar. A autoridade, atenta, diligente, eufórica, posta-se a cinquenta metros da Columbófila e emite o autozinho respectivo. Não ocorre à Guarda que seria mais útil saindo do esconderijo e ajudando quem passa a compreender o labirinto e a prevenir acidentes, mesmo com o ónus de a estatística não referir no fim do mês a sua intensa actividade, que pelos vistos se mede a recibos de multa. Em Cacela arriscamo-nos assim a receber o Prémio Mundial de Engenharia dos Transportes e, do mesmo passo, a contribuir decisivamente, por via das receitas da GNR de Vila Real de Santo António, para o equilíbrio das contas públicas, até aqui, como é sabido, deficitárias.

sexta-feira, maio 14, 2004

As metáforas

São estas as metáforas: para falar do Verão e dos dias claros, as crianças a correr no recreio contra a manhã que trouxe ainda algumas nuvens; para falar do adeus (ou calar o adeus), o jacarandá da Alameda que teima em não florir.

quinta-feira, maio 13, 2004

Lido já não sei onde e copiado à mão

Só no País das Maravilhas de Alice, por exemplo, em que a sobrevivência dos passeriformes de bico retorcido se encontra ameaçada a curto prazo, seria possível pensar uma política de crescimento económico nacional de médio e longo prazo assente na recolha, depenagem e exportação de passeriformes de bico retorcido. Só aí, por exemplo, faria sentido instituir essa política de crescimento económico e simultaneamente legislar no sentido da defesa e conservação dos ditos passeriformes. Só aí, no intervalo para o chá, às cinco da tarde, faria sentido o Chapeleiro Louco e a Rainha de Copas entenderem-se numa estratégia de desenvolvimento turístico e defesa ambiental da Lagoa dos Nenúfares do Silêncio, privilegiando, por um lado, a actividade motonáutica e os espectáculos de fogos artificiais (motonáutica de manhã e à tarde e estralaró à noite), e por outro lado a observação das aves aquáticas e a constituição de uma reserva integral faunística e florística, com a visitação condicionada a rigorosos critérios de ordem científica.

Uma rosa só

Uma rosa negra substituindo o lugar do teu rosto foi a forma que encontraste de melhor me dizer adeus. Tiveste a infinita complacência de não me dizer abertamente que foi o fim, embora no teu íntimo o sentisses já há muito. Ao espinho que na rosa de imediato não vi cravaste-o bem fundo em mim com aquele lapidar "eu compreendo" com que se encerra qualquer conversa cujo rumo está à partida traçado. Enregelado, vi-te a afastar sob a espessa cascata de água que as nuvens se entretiveram a despejar toda a tarde num prenúncio inevitável do que havia dentro de ti. Sem mesmo olhares para trás, afastaste-te, e no teu lugar, longe, por entre as pesadas nuvens do fim de tarde, fizeste brotar um arco-íris sem que todavia fossem tuas as cores que nele se avistavam, embora uma vã e ridícula esperança me tivesse levado a crer, por um miserável instante, que sim.
Prostrado, sentei-me na terra húmida sem lhe notar o odor de mãe, desejando que se apague depressa o que dentro de ti houver de ser apagado.

quarta-feira, maio 12, 2004

[Os livros]

E às vezes, muito mais tarde, surpreendias-te por de
facto não teres caminhado sobre as águas
mas apenas lido uma história em
que alguém caminhava sobre as águas.

A Imprensa e uma história antiga

Não sabiam ler: mas seduzia-os o poder das palavras, porque as palavras eram a Verdade irrefutável. O que lhes diziam que vinha escrito nos livros tinha um poder só comparável à palavra de Deus (também 'a palavra'). Por isso acreditavam nos jornais do mesmo modo que acreditavam no catecismo. O doutor Naná bem se esforçava por trazê-los a terreiro: «ai vocês estão mesmo a pensar que o Governo vai aumentar as reformas?» « É o que diz no jornal, senhor doutor.» «Irra! E então vocês acreditam no que vem nos jornais? São de bom tempo...»

Um dia, entusiasmado, o doutor veio com a boa nova: os americanos tinham chegado à lua e o homem pisava finalmente solo extra-terrestre; começava uma era de novos horizontes e de novas perspectivas para uma humanidade agarrada ao chão e à sombra; etc. Aquela gente quase analfabeta, muito duvidosa dos avanços tecnológicos e para quem era pouco crível sequer que um avião voasse com pessoas lá dentro (ainda que, de facto, o vissem pelo fim da tarde a sobrevoar os montes e a deixar um risco branco no céu), torceu o nariz. Que «era o que faltava». Um até perguntou: «E entraram por aonde? Aquilo tem um buraco?» O doutor calou-se. Mas na semana seguinte apareceu com um jornal e, vitorioso, leu o relato da aventura. «Estão a ver? Convencidos?». E teve a resposta que merecia: «O senhor doutor é de bom tempo: então ainda acredita no que vem nos jornais?»

[O poder das palavras]

A luz mudava de lugar
quando a linguagem mudava de lugar
os objectos. O poder das palavras
insinuava-se contra o inverno.
As crianças corriam à beira do lume como se
nas páginas de nenhum livro pudesse
a tempestade acolher-se de novo.

terça-feira, maio 11, 2004

Coisas que agora nos fazem sorrir

Atiçar os cães à canalha, vigiar os muros da propriedade de caçadeira assestada às veredas da encosta, tomar chá de absinto para as bichas ou xarope de folhas da figueira do inferno para a coqueluche, transformar uma pistola de alarme, marcar a água de herdeiros, cortar um pau de lódão que vergue mas não quebre, temer o escaravelho, preparar o gesarol.

Tatuagem

Lembrava-me de um camarada de recruta (colegas são as putas) dizer que as defensivas e as patrulhas começavam a viciá-lo. E que o jogo da ordem unida e da parada, que a carreira de tiro e a pista de obstáculos lhe traziam à memória os jogos da infância, substituídos os fuzis de madeira e os punhais de plástico por armas verdadeiras e o cheiro avassalador da pólvora e do rastilho. E que já só sonhava com explosões e pelotões operacionais e cenários de guerra. Encontrei-o ontem. Contou-me que era sócio-gerente de uma empresa de sucesso que comercializa flores de estufa. Falou-me dos filhos e da Mariana. Sorriu ao recordar a tapada de Mafra e o desenho dos seus muros, as noites sem dormir durante a semana de campo, o LGF 88 e os fios de tropeçar, as minas anti-carro, a farda número 3 enlameada, as balas tracejantes, os tiros de rajada, a HK montada num tripé. Disse «pois cá vamos andando». E via-se, por detrás do sorriso composto, que ao longo do tempo uma profunda e magoada tristeza se tinha agarrado à sua pele como uma tatuagem.

[Um poema antigo]

As c idades todas do teu rosto
à minha beira, a inclinação
do olh ar por cima dos telhados
à procura dum vaso ou da jan
ela aberta para o rio: só
depois a casa, o pequeno bosque
das palavras à entrada da
porta, a luz de junho adormec
ida nos degraus, a mão im paciente
a numerar as páginas dos livros.

Reforma

É curioso: depois de voltas e mais voltas, depois de tantos ensaios, depois de tanto diagnóstico, o tão aguardado sistema de avaliação de desempenho dos funcionários públicos é afinal exactamente igual ao que vigora em muitas empresas privadas. Ainda bem que o bom senso acabou por impor-se: os privados é outra limpeza, como se sabe e bem recentemente se provou de novo, se necessária fosse a prova, pelo excelente desempenho das empresas externas contratadas pelo Ministério da Educação para tratar do processo de colocação de professores. Pois é assim: como no sistema agora promulgado pelo sr. Presidente da República, na minha empresa sou eu que escolho os directores de projecto sem a chatice e a perda de tempo dos concursos (era o que faltava que tivesse que dar satisfações públicas justificando a nomeação de um afilhado: a empresa é minha, eu é que sou o chefe); também à imagem do sistema promulgado pelo sr. Presidente da República, eu, o chefe, a sós com a minha superior competência e capacidade ímpar de discernimento, é que avalio os assalariados da empresa, definindo objectivos, competências comportamentais (por exemplo, capacidade de adaptação ao mau-humor matinal de moi même) e atitude pessoal (por exemplo, aptidão inata para a aceitação do facto de que durante dois anos não vão ser aumentados); finalmente, e como no sistema agora promulgado pelo sr. Presidente da República, claro que não sou avaliado por ninguém: sou o chefe, eu é que sei, só avalio.

Está a administração pública, portanto, no bom caminho e de parabéns. Agora, quando os Serviços públicos funcionarem mal já se sabe onde mora a responsabilidade e como se trata a doença: é só ir aos arquivos e vasculhar as classificações de desempenho dos funcionários sujeitos a avaliação.

segunda-feira, maio 10, 2004

As quotas...

Foi hoje promulgada pelo Presidente da República a lei que determina o método de avaliação dos funcionários públicos. Evidentemente, tal representa um avanço notável na carreira do serviço público, na medida em que quem trabalha para os serviços do Estado não estava habituado, até aqui, a receber promoções por mérito, mas sim, antes em função da antiguidade no posto. Até aqui tudo correcto, a iniciative é de aplaudir porque inova e, parece-me, sem aprofundada análise da mesma, que inova onde era necessário inovar. Todavia, como é normal, no melhor pano cai a nódoa e aqui, segundo julgo crer, os sindicatos têm toda a razão em apontar o dedo a um sistema que lavra num erro crasso que é o de estabelecer quotas para os funcionários que podem ser merecedores de determinada nota na avaliação que vierem a receber.
Tal parece-me pura e simplesmente inaceitável no seu conteúdo. Percebe-se, evidentemente, o alcance, visa evitar-se que todos os funcionários de um serviço recebam, em conluio corporativo, a nota máxima. Penso todavia que se podia lá ter chegado de outra forma. Qual? por exemplo, fazendo intervir na nota da avaliação a opinião do público que é atendido pelo funcionário ou que usufrui de um serviço. Assim evitava-se, entre outras coisas, que ao funcionário de determinado serviço fosse dada nota máxima se esse serviço recolhesse péssima opinião junto do público que serve. No fundo, trata-se de fazer aplicar ao Estado os mesmos critérios de qualidade por que se deve reger uma instituição privada que queira obter uma certificação no âmbito das normas ISO, critério infinitamente mais razoável que o das quotas.

domingo, maio 09, 2004

[Um trono]

Nunca compreenderemos essa arte obscura de trazer a
água do fundo do poço nas manhãs ainda frescas de Março
como se só então a luz pudesse, escorrendo
por entre o labirinto dos canais de rega,
poisar por instantes num trono de palma.

sábado, maio 08, 2004

SUL

É já logo à noite. Às 22.00 horas. A apresentação do número oito da revista SUL. Em Olhão. No bar Catita & Companhia.

Todas as coisas

Os dias continuam cinzentos. Mas o chão do pomar de amendoeiras, ao fim da tarde, fica estranhamente iluminado. Como se as folhas e os frutos tivessem uma luz própria e por um instante essa luz nos trouxesse tudo quanto julgávamos perdido: um nome escrito a tinta permanente no caderno de capas azuis, o pátio, a varanda, um cântaro com água, as promessas de mudar o mundo.

Os extremos

A comunicação social tem ido atrás (às vezes à frente) do pior que temos e do pior que somos. Custa assistir a este ritual diário. Que entra pelos editoriais, pelas primeiras páginas, pelas colunas de opinião, pelos noticiários televisivos. Uma tristeza. Mas a gente recorda-se, ou deverá recordar-se sempre, de um tempo em que se fabricavam e usavam filtros para obliterar a percepção pública disso mesmo, da irracionalidade, do compadrio, da injustiça, da arbitrariedade. Ora talvez não seja pior (não é) aguentar os actuais exageros que suportar as antigas omissões, o silêncio, a censura prévia. Convinha ter presente...

O mau é que os exageros de um lado costumam justificar os exageros do outro. E é assim: a irracionalidade tem dois extremos que se tocam.

sexta-feira, maio 07, 2004

Fica...

Nem há cinco minutos, dos verdadeiros, não daqueles nossos que se estendem por tempos infinitos quando estamos juntos, partiste e sinto já aquela horrível sensação. De vazio.Vazio gelado que me impede de sentir, pensar, ponderar, ou sequer articular uma palavra que te convença a ficar. Fazes bem, sei que fazes bem e não te censuro, nem podia, por esta partida. Guardo de nós cada instante na memória, como se cada um desses instantes fosse melhor e mais doce que o anterior e infinitamente pior que o seguinte. Guardo ainda cada arco-íris, cada poema, cada palavra, cada sílaba, cada letra, como os tesouros mais importante que poderia aspirar a encerrar na minha caverna secreta. Apago o meu apego a ti pelo espaço de tempo que me for indispensável, a tua imagem, porque me dói vê-la. Sobrevives-lhe, em mim, nas ideias, no sentimento, no sorriso do Sol, mas recuso guardar um ícone teu, um único que seja, porque assim me posso permitir duvidar se foste real, ou achar que te criou a minha féstil imaginação. E no entanto, ainda que parecendo-me que és real, sei que as meninas do mar, simplesmente, não existem...

quinta-feira, maio 06, 2004

A grande retirada

À custa de ouvir dizer desde tenra idade que "de Espanha nem bons ventos nem bons casamentos", fui interiorizando a ideia que tal correspondia mesmo à verdade. E assim, o orgulho ibérico nunca existiu e dentro de mim nasceu apenas um orgulho nacional que ia sendo dizimado a cada encontro de futebol entre equipas dos dois países. Mais tarde, o orgulho nacional foi-se esbatendo com a entrada na CEE e com as visitas sucessivas a Espanha, que passei a admirar na década de noventa. Afinal, nem são assim tão maus os ventos que dali sopram, nem porventura os casamentos que, confesso, não experimentei. E repensei que valia a pena olhar para aprender com o que se passava e passa no país vizinho e, porque nem tudo são rosas (senhor), com os erros que ali igualmente se cometiam e cometem. Isto para concluir que há diversas “Espanhas”, que estas evoluem a diversas velocidades e o poder central acaba por não falar a uma voz. Na comparação directa entre os dois países, normalmente envaidecia-me com o facto de darmos valentes cabazadas aos espanhóis no que tocava a gastronomia, telenovelas, touradas, vinho do porto, touradas, vinho do porto, telenovelas, gastronomia, touradas, vinho do porto e na descoberta do caminho marítimo para a Índia... Claro, havia sempre o senão de levarmos cabazadas monumentais em futebol, teatro, dança, arquitectura, literatura, urbanismo, tradição, moda, desenvolvimento, vias de comunicação, qualidade de vida, expansionismo, indústria, agricultura, finança, saúde, desporto, medicina... mas o que era isso comparado com um belo touro de Barrancos? Ou com uma litrada de Nieupoort vintage, que se bebia no Natal, depois da marcha do perú? E assim decorreram os meus tempos de juventude, sem grandes sobressaltos, quando se tratava de despoletar uma querela entre "eles" e "nós".
E de repente, Espanha cresceu. Desmesuradamente. Até tem direito a atentados internacionais, vis, bárbaros, que a colocam ainda mais no centro do mundo. Que desgraça. E que faz um primeiro-ministro recém-eleito nestas circunstâncias? Ordena a retirada das suas tropas de um país ilegitimamente ocupado. E aqui se centra, precisamente, o cerne deste post. Estará certa a retirada de Espanha do Iraque? Será esta a medida avisada que os espanhóis esperam do seu novo governo? Esta a questão, cuja resposta nos será dada dentro em breve no quadro da nova ordem internacional (mais uma!) que o Iraque, a Palestina e Israel forçosamente acabarão (finalmente!) por criar. Porque é preciso haver loucos para haver evolução. E Sharon e Bush são-no, em definitivo.
Estaremos, face ao que se disse, destinados a cometer no Iraque os mesmos erros que se cometeram em África nos anos sessenta? Pessoalmente, sempre admiti que era preciso dar tempo a África. Vigiar e eliminar, com tudo o que isso tem de utópico, o tráfico de armas, deixar regredir a civilização à era do início do domínio colonial e depois reconstruir tudo com bases sólidas, sobre as cinzas de um continente dizimado pela doença, pela fome e pela guerra. Por vezes, deixar a natureza (e não apenas a humana) agir é a melhor das soluções, minimizando-se o intervencionismo e a ingerência, retraçando-se as fronteiras de acordo com as etnias e não com os interesses económicos, federalizando onde unir não pode ser solução. A descolonização apressada, única solução possível defendida por alguns, semeou o caos e no Médio Oriente, no Iraque em particular, este neo-colonialismo pode ter consequências nefastas numa zona que depende em excesso de um petróleo com os dias contados em termos de reservas
Será por isso o abandono prematuro uma solução? Se todos os países da coligação abandonarem o Iraque deixando-o a mercê dos predadores americanos, não perderemos aquilo que os observadores da coligação nos trazem de positivo? Com que legitimidade poderá um país que não esteja presente no Iraque exigir temperança e respeito pelos direitos humanos de um soldado americano que já nos mostrou que não é melhor que o soldado iraquiano? Será isto que Zapatero terá de explicar aos seus cidadãos se da retirada das tropas, das suas e de outros países, advier o caos ao Iraque. Será isto que os detractores da manutenção das forças de paz (ninguém, que se saiba, declarou guerra ao Iraque) naquele país terão de explicar no futuro, se se atreverem a dizer que não havia outra solução que não contra argumentar ao abrigo de um ódio exacerbado aos EUA e ao seu patético Presidente que, esperemos, seja rapidamente substituído no tribunal da democracia.

E agora?

Um amigo meu interrogava-se ontem, com alguma apreensão, "E agora, somos todos monegascos?". Confesso honestamente, que ainda não decidi o que fazer, na insofismável dialética que dentro de mim opõe o coração à razão. Isto porque me repugna abster-me ou votar em branco, a despeito dos conselhos que outros, supostamente mais sábios, nos dão nos seus escritos.

quarta-feira, maio 05, 2004

Ainda o eclipse

(Claro que o eclipse não era apenas mais que um instante. Claro que não te devolvi a lua antes da meia noite em todo o seu esplen/dor. De resto, as nuvens começaram cedo a cobrir o céu. O que vale é que, como ambos sabemos, as promessas dos poemas não são para cumprir. A literatura só serve para nos continuarmos a enganar. Mesmo, ou sobretudo, quando já nem o engano nos engana. E portanto é assim, e não é grave. O amor não se decide nos eclipses nem está dependente da lua ou das nuvens ou dos versos que escrevemos, mas do pó sobre os móveis, da cerveja no frigorífico, das idas ao supermercado, da humidade nas paredes, do peso da rotina, da monotonia, da roupa passada a ferro, do ordenado e das prestações mensais, das cartas que deixamos de receber, do silêncio, das folhas que ninguém varre e se acumulam no chão do jardim. Ainda que, ambos o sabemos também, amanhã troquemos de novo poemas de amor.)

terça-feira, maio 04, 2004

[Eclipse]

Deixa lá meu amor
não é mais que um instante
eu juro que antes da meia noite
te darei de novo a lua
em todo o seu
esplen
dor

[Águas de Maio]

E depois a chuva cai durante dias seguidos
e há sempre uma criança que se perde a
caminho da escola
porque se perde a
caminho do Verão

segunda-feira, maio 03, 2004

Em Olhão, no sábado à noite

Poemas inéditos de Fernando Esteves Pinto; pinturas recentes de Gervásio; um texto de Bénédicte Houart a favor da miopia; uma viagem a Shiraz e Persepolis; uma reflexão sobre o Algarve florestal depois dos incêndios de 2003; um dossier sobre desporto onde não se fala de apitos em filigrana. Isto e muito mais no número oito da revista SUL. Com lançamento marcado para o próximo sábado, em Olhão, no bar Catita & Companhia, a partir das 22.00 horas. A entrada é livre e desejável.

domingo, maio 02, 2004

Pra onde vai o R

No feriado de Abril houve quem tivesse dúvidas sobre se se comemorava a Revolução dos cravos ou a canonização da santinha de Salazar, ou lá que é. Ontem não foi propriamente o Dia do Trabalhador, mas a véspera do decisivo Sporting vs. Benfica. Já só falta um F, o de Fado. Onde raio anda o Nuno da Câmara Pereira? Estará à espera do dia da Rraça para aparecer em grande, com todos os matadores?

Heróis do Mar

Os energúmenos do meu clube (que são assim mais coisa menos coisa iguais aos energúmenos dos outros clubes) invadiram o campo, em cenas tristes, quando o Sporting sofreu um golo. Eis um belo teste para o Euro. Eis uma excelente imagem daquilo de que, hoje em dia, somos capazes.

Chuva

O Sporting perdeu. Fez uma exibição consistente com a meteorologia e o país: cinzenta, sem um golpe de asa.

sábado, maio 01, 2004

NOTA DA GERÊNCIA

umpoucomaisdesul é mantido por José Carlos Barros (jcb) e Eurico Alves (E). Trata de rumores e pomares, árvores e poesia, futebol e fórmula 1, levante e desabafos, açoteias & platibandas, política e desamores. São permitidas incursões a centros comerciais, à ilha da Culatra, à Foia, a S. Petersburgo e à península de Cacela. Não tem programa eleitoral mas promete, um destes dias, actualizar os links.