Não sabiam ler: mas seduzia-os o poder das palavras, porque as palavras eram a Verdade irrefutável. O que lhes diziam que vinha escrito nos livros tinha um poder só comparável à palavra de Deus (também 'a palavra'). Por isso acreditavam nos jornais do mesmo modo que acreditavam no catecismo. O doutor Naná bem se esforçava por trazê-los a terreiro: «ai vocês estão mesmo a pensar que o Governo vai aumentar as reformas?» « É o que diz no jornal, senhor doutor.» «Irra! E então vocês acreditam no que vem nos jornais? São de bom tempo...»
Um dia, entusiasmado, o doutor veio com a boa nova: os americanos tinham chegado à lua e o homem pisava finalmente solo extra-terrestre; começava uma era de novos horizontes e de novas perspectivas para uma humanidade agarrada ao chão e à sombra; etc. Aquela gente quase analfabeta, muito duvidosa dos avanços tecnológicos e para quem era pouco crível sequer que um avião voasse com pessoas lá dentro (ainda que, de facto, o vissem pelo fim da tarde a sobrevoar os montes e a deixar um risco branco no céu), torceu o nariz. Que «era o que faltava». Um até perguntou: «E entraram por aonde? Aquilo tem um buraco?» O doutor calou-se. Mas na semana seguinte apareceu com um jornal e, vitorioso, leu o relato da aventura. «Estão a ver? Convencidos?». E teve a resposta que merecia: «O senhor doutor é de bom tempo: então ainda acredita no que vem nos jornais?»