À custa de ouvir dizer desde tenra idade que "de Espanha nem bons ventos nem bons casamentos", fui interiorizando a ideia que tal correspondia mesmo à verdade. E assim, o orgulho ibérico nunca existiu e dentro de mim nasceu apenas um orgulho nacional que ia sendo dizimado a cada encontro de futebol entre equipas dos dois países. Mais tarde, o orgulho nacional foi-se esbatendo com a entrada na CEE e com as visitas sucessivas a Espanha, que passei a admirar na década de noventa. Afinal, nem são assim tão maus os ventos que dali sopram, nem porventura os casamentos que, confesso, não experimentei. E repensei que valia a pena olhar para aprender com o que se passava e passa no país vizinho e, porque nem tudo são rosas (senhor), com os erros que ali igualmente se cometiam e cometem. Isto para concluir que há diversas “Espanhas”, que estas evoluem a diversas velocidades e o poder central acaba por não falar a uma voz. Na comparação directa entre os dois países, normalmente envaidecia-me com o facto de darmos valentes cabazadas aos espanhóis no que tocava a gastronomia, telenovelas, touradas, vinho do porto, touradas, vinho do porto, telenovelas, gastronomia, touradas, vinho do porto e na descoberta do caminho marítimo para a Índia... Claro, havia sempre o senão de levarmos cabazadas monumentais em futebol, teatro, dança, arquitectura, literatura, urbanismo, tradição, moda, desenvolvimento, vias de comunicação, qualidade de vida, expansionismo, indústria, agricultura, finança, saúde, desporto, medicina... mas o que era isso comparado com um belo touro de Barrancos? Ou com uma litrada de Nieupoort vintage, que se bebia no Natal, depois da marcha do perú? E assim decorreram os meus tempos de juventude, sem grandes sobressaltos, quando se tratava de despoletar uma querela entre "eles" e "nós".
E de repente, Espanha cresceu. Desmesuradamente. Até tem direito a atentados internacionais, vis, bárbaros, que a colocam ainda mais no centro do mundo. Que desgraça. E que faz um primeiro-ministro recém-eleito nestas circunstâncias? Ordena a retirada das suas tropas de um país ilegitimamente ocupado. E aqui se centra, precisamente, o cerne deste post. Estará certa a retirada de Espanha do Iraque? Será esta a medida avisada que os espanhóis esperam do seu novo governo? Esta a questão, cuja resposta nos será dada dentro em breve no quadro da nova ordem internacional (mais uma!) que o Iraque, a Palestina e Israel forçosamente acabarão (finalmente!) por criar. Porque é preciso haver loucos para haver evolução. E Sharon e Bush são-no, em definitivo.
Estaremos, face ao que se disse, destinados a cometer no Iraque os mesmos erros que se cometeram em África nos anos sessenta? Pessoalmente, sempre admiti que era preciso dar tempo a África. Vigiar e eliminar, com tudo o que isso tem de utópico, o tráfico de armas, deixar regredir a civilização à era do início do domínio colonial e depois reconstruir tudo com bases sólidas, sobre as cinzas de um continente dizimado pela doença, pela fome e pela guerra. Por vezes, deixar a natureza (e não apenas a humana) agir é a melhor das soluções, minimizando-se o intervencionismo e a ingerência, retraçando-se as fronteiras de acordo com as etnias e não com os interesses económicos, federalizando onde unir não pode ser solução. A descolonização apressada, única solução possível defendida por alguns, semeou o caos e no Médio Oriente, no Iraque em particular, este neo-colonialismo pode ter consequências nefastas numa zona que depende em excesso de um petróleo com os dias contados em termos de reservas
Será por isso o abandono prematuro uma solução? Se todos os países da coligação abandonarem o Iraque deixando-o a mercê dos predadores americanos, não perderemos aquilo que os observadores da coligação nos trazem de positivo? Com que legitimidade poderá um país que não esteja presente no Iraque exigir temperança e respeito pelos direitos humanos de um soldado americano que já nos mostrou que não é melhor que o soldado iraquiano? Será isto que Zapatero terá de explicar aos seus cidadãos se da retirada das tropas, das suas e de outros países, advier o caos ao Iraque. Será isto que os detractores da manutenção das forças de paz (ninguém, que se saiba, declarou guerra ao Iraque) naquele país terão de explicar no futuro, se se atreverem a dizer que não havia outra solução que não contra argumentar ao abrigo de um ódio exacerbado aos EUA e ao seu patético Presidente que, esperemos, seja rapidamente substituído no tribunal da democracia.