quarta-feira, maio 05, 2004

Ainda o eclipse

(Claro que o eclipse não era apenas mais que um instante. Claro que não te devolvi a lua antes da meia noite em todo o seu esplen/dor. De resto, as nuvens começaram cedo a cobrir o céu. O que vale é que, como ambos sabemos, as promessas dos poemas não são para cumprir. A literatura só serve para nos continuarmos a enganar. Mesmo, ou sobretudo, quando já nem o engano nos engana. E portanto é assim, e não é grave. O amor não se decide nos eclipses nem está dependente da lua ou das nuvens ou dos versos que escrevemos, mas do pó sobre os móveis, da cerveja no frigorífico, das idas ao supermercado, da humidade nas paredes, do peso da rotina, da monotonia, da roupa passada a ferro, do ordenado e das prestações mensais, das cartas que deixamos de receber, do silêncio, das folhas que ninguém varre e se acumulam no chão do jardim. Ainda que, ambos o sabemos também, amanhã troquemos de novo poemas de amor.)