domingo, setembro 14, 2003

A tramontana

Gabriel García Márquez, em Doze Contos Peregrinos, fala da tramontana, esse «vento de terra inclemente e tenaz». E conta a história do jovem contratado para cantar canções das Antilhas em Cadaqués, na Costa Brava, de onde fugira no Verão anterior depois de a tramontana o ter vencido: sabia que, se regressasse, a morte estaria inevitavelmente à sua espera. Era uma noite de copos no Boccacio, em Barcelona. Uma pandilha de turistas suecos pretendia acabar a noite de farra em Cadaqués, e exigia que o jovem músico os acompanhasse. Ele explicava as razões que lhe impossibilitavam o regresso. Mas os nórdicos, animados pelo vinho catalão e por um elevado desdém perante as superstições «africanas», forçaram-no a entrar na carrinha e seguiram viagem. Já perto de Cadaqués, aproveitando uma distracção dos companheiros suecos, o jovem caribenho abriu a porta da carrinha em andamento e lançou-se no abismo. Tentava fugir assim a uma «morte inelutável», como a do velho marinheiro catalão alguns anos antes, encontrado morto no seu quarto, pendurado pelo pescoço na viga do meio, «balouçado ainda pelo último sopro da tramontana».