quinta-feira, setembro 25, 2003
O lançarote
O Eurico, num texto aqui editado ontem, fala dos seus problemas de relacionamento com os engraxadores de sapatos, essencialmente porque o perturba olhar de cima para uma pessoa que está ajoelhada a seus pés. Pois imagine-se os problemas que não teria ao contratar o homem que, no Sul, se ajustava antigamente para «tratar do burro de lançamento e conduzi-lo à cobrição das éguas» (cf. Silva Picão, Através dos Campos). O lançarote (assim era designada o infeliz) exercia a profissão mais aviltante e repudiada, e nem os criados da lavoura lhe permitiam sentar-se a seu lado durante as refeições ou, mesmo, sentar-se numa cadeira de que eles pudessem mais tarde fazer uso. É que o engraxador, enfim, senta-se a nossos pés e engraxa-nos os sapatos enquanto o olhamos de cima. Mas o lançarote, esse, era pago para facilitar em tudo o que necessário fosse à consumação da cópula do burro, sendo muitas vezes obrigado a usar as suas próprias mãos quando o bronco não acertava no sítio da égua. E isto é muito frequente nos burros, como se sabe: não acertarem onde devem, e ser preciso alguém (neste caso metendo a mão na massa) que os ajude à função.