segunda-feira, julho 07, 2003

Os "psis" e a Psicologia

Uma amiga psiquiatra que dava aulas numa licenciatura em Psicologia desistiu recentemente daquela actividade por não querer ser conivente com o ensino que se ministrava naquela faculdade. Não queria - confessou-me - ser responsável pela existência daquele tipo de psicólogos. Na altura só lhe consegui responder que não sentia o mesmo tipo de responsabilidade porque, em princí­pio, dos futuros economistas que são os meus estudantes, não depende a vida de ninguém. Mas esta conversa reavivou em mim algumas reflexões e interrogações já antigas: O que é efectivamente um psicólogo? O que é que um licenciado em psicologia tem realmente competência para fazer? Quem é que controla a actividade dos psicólogos? E quem é que pode responder a estas perguntas?
As ordens dos médicos, dos engenheiros ou dos economistas servem, entre outras coisas, para controlar o exercício das respectivas profissões e a adequação das respectivas formações. Mas relativamente a uma profissão investida de um grande simbolismo social e de uma enorme responsabilidade individual como a de "psicólogo" quem é que controla a qualidade da formação e o exercí­cio da profissão?
Com a proliferação de licenciaturas no sector público e privado estas interrogações tornam-se ainda mais prementes. Vou utilizar uma parábola para tentar explicitar as minhas dúvidas. Uma menina que quer muito ser psi, licencia-se com média de 10 numa qualquer universidade privada. Mal obtém o tão desejado diploma, a nossa psi, cuja famí­lia tem algumas posses obtidas, por exemplo, na construção civil, aluga imediatamente um rés-do-chão esquerdo e manda afixar na entrada uma placa onde se pode ler « psicóloga clínica». No dia seguinte bate-lhe à  porta um adolescente com problemas. A nossa psi fixa um extenso plano de consultas de psicoterapia porque não conseguiu diagnosticar a depressão clí­nica do jovem. Passados alguns dias o adolescente suicida-se. Os pais do nosso jovem até se podem consolar dizendo para si próprios: «nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance; ele até andava numa psicóloga», mas ninguém pára para reflectir sobre a responsabilidade do psicólogo.
Esta história, construí­da no limite dos possíveis para nos obrigar a pensar, não é tão inverosímil quanto parece. Conheço de perto uma pessoa com uma "perturbação obsessiva compulsiva" grave que pura e simplesmente não foi diagnosticada por um psicólogo, tendo-lhe sido prolongado, por uma série de anos, um inútil e escusado sofrimento . Como conheço o caso de uma rapariga que se auto-mutilava e que, ao pedir ajuda a um psicólogo, foi-lhe proposta uma psicoterapia totalmente desajustada que a levava a mutilar-se ainda mais intensamente.