segunda-feira, julho 07, 2003

Dia HPI

Há dias, já mais calmo, olhei friamente para os números da minha declaração de IRS e achei obscenos os números com que tive coragem de a preenchar. Não porque sejam muito elevados - há com toda a certeza muitos portugueses que têm razões para esterem mais escandalizados que eu - mas apenas porque o facto de pertencer a um grupo restrito de pessoas em Portugal me faz sentir um peso de responsabilidade incomum para a maioria dos portugueses. Passo a explicar. Declarei ao fisco tudo o que consegui ganhar durante todo o ano 2002, nem um cêntimo a mais, nem um cêntimo a menos, fiz todos os abatimentos possíveis e imaginários que a legalidade e um correcto enquadramento fiscal me permitem, não esbanjei dinheiro, não saí do país e fiz uma vida relativamente regrada. Trabalhei em média 10 horas por dia, por vezes aos fins de semana. Outros o fizeram, a maioria, provavelmente não. Fui tributado pelo escalão máximo em sede de IRS, facto que não é difícil, atento nível baixo dos escalões que compõem o imposto. Outro dado importante, devo dizê-lo, é que sou heterossexual e não sou simpatizante nem sócio do Benfica. Olhando em volta, vejo que existe um dia para os gays e lésbicas, o dia de combate ao racismo, o dia do perdão da dívida fiscal do Benfica, o dia das bruxas, o dia da inauguração de cada um dos estádios do Euro 2004, o último dia de cada prazo com que temos de nos ater em cada dia da nossa vida. O dia do cigano, o dia do doente cardíaco, o dia da Unicef, o dia do tuberculoso, enfim, um dia, uns mais que outros, para cada causa, meritória. E todavia, não existe um dia para esta minoria que consiste no heterossexual pagador de impostos. Nós não temos sede, não temos associação, não somos reconhecidos por nenhuma entidade oficial e pagamos quotas como ninguém para pertencer a uma colectividade da qual não nos podemos desvincular. É este o preço da solidariedade social, é esta a consequência do contrato social que outros subscreveram por nós... pois, é fraco argumento, que tenho de aceitar, claro, mas cujo enquadramento deve ser, definitivamente, posto em causa, num dia de reflexão nacional. Dia HPI. Procuram-se sócios. Que los hay