Nunca será demais salientar um trabalho de qualidade. Vem isto a propósito do excelente artigo redigido pelo Prof. Vital Moreira, publicado no jornal Público de ontem. Ali, o Prof. Vital Moreira faz aquilo que é preciso fazer e presta um excelente serviço à democracia e ao nosso sistema judicial. Pegando no caso Casa Pia e no sucedido no âmbito do recurso interposto pelo advogado Celso Cruzeiro, defensor do deputado Paulo Pedroso, Vital Moreira explica de forma pedagógica que um juiz é um membro de um órgão de soberania e por esse facto deve à lei - acima de qualquer outra pessoa - obediência e respeito. Mais, deve-lhe obediência inteligente e responsável, sem recurso a quaisquer subterfúgios ou malabarismos de nenhuma ordem. Esquecendo isso, ou manipulando a lei contra o respeito que lhe é imposto por tais funções, pratica um facto que pode e deve ser passível de investigação criminal.
No caso concreto referente a Paulo Pedroso, Vital Moreira volta a lembrar os factos do conhecimento público: estando interposto e pendente para apreciação, no Tribunal da Relação de Lisboa, um recurso de decisão proferida pelo juiz de instrução criminal Rui Teixeira que determinou o estabelecimento da medida de coacção da prisão preventiva àquele deputado, o mesmo juiz Rui Teixeira proferiu, na pendência de tal recurso, um despacho que confirmou a manutenção da prisão preventiva. Com isso, anulou o direito constitucional do arguido ao recurso, na medida em que a decisão recorrida deixa de existir, porque substituída por outra, ainda que de idêntico teor. É vil, fraudulento e, pior que tudo, inconstitucional, porquanto nada obrigava o juiz Rui Teixeira a rever os pressupostos de tal prisão preventiva, uma vez que a argumentação e os pressupostos se mantêm inalterados, como se infere do teor do novo despacho. Tal é tanto mais criticável porquanto faltava ainda um mês para que a revisão daqueles pressupostos (obrigatória a cada três meses) tivesse de ser realizada em face da lei do processo penal. Uma antecipação na análise dos mesmos justificar-se-ia se para alterar a prisão por medida menos gravosa - visto que não existe medida mais gravosa no sistema pena português, nunca para a manter. O juiz do Tribunal da Relação escusou-se em julgar materialmente o recurso com base neste formalismo, facto que igualmente merece reparo de idêntico teor.
Last but not the least, há dias, foi ainda mais assomboso ver um desembargador, em pleno horário nobre, a tentar defender perante as câmaras de televisão, o que é indefensável. Claro, como português e cidadão de um Estado de Direito, mais do que constrangido, fico arrepiado por verificar que em menos de três dias existem três membros de órgãos de soberania que se permitem defender publicamente a negação de um direito fundamental - o direito ao recurso - a um cidadão que procura a todo o custo defender um dos valores mais importantes para cada pessoa - a sua própria liberdade. Na verdade, tal é tanto mais assustador quanto o cidadão em causa é igualmente membro de um órgão de soberania, não porque lhe deva ser destinado tratamento mais favorável, mas porque sendo uma personalidade mediática cada novo desenvolvimento processual é seguido de forma sistemática pela opinião pública e tanto bastaria para que cada acto, cada despachado fosse reflectido e devidamente sustentado. E é isto que me assusta; esta completa ausência de temor pela tomada irresponsável de decisões arbitrárias. Não se trata sequer e apenas de bom senso, mas antes de responsabilidade, num duplo sentido. A um tempo, de respeito, através de um uso e interpretação prudentes das normais processuais e substantivas, noutro momento, da própria responsabilização pessoal pelos actos de um magistrado, quando deles derivem de forma grosseira - como é o caso - sérios danos para os agentes visados por estes, para a legalidade democrática, maxime, para as normas fundamentais do Estado de Direito de que fazem parte enquanto seus pilares de sustentação.