sexta-feira, julho 04, 2003

Sensibilidade e bom senso (1)

Fui multado pela primeira vez na minha vida por ter estacionado no centro histórico da minha cidade. Aparentemente, escassos meses depois de ter tomado posse, o presidente da Câmara Municipal resolveu efectuar uma limpeza automóvel ao centro histórico, tendo dado instruções à P.S.P para autuar todos os veículos estacionados na zona antiga. Ele próprio, passados alguns dias, acabou por ser multado e os média não deixaram, naturalmente, o assunto passar em branco.
Ao primeiro olhar, e numa perspectiva meramente «ecológica», a medida até pode parecer correcta. Mas se virmos o caso de perto, talvez seja mais uma manifestação de uma ortodoxia urbanística completamente vazia de sentido ou de uma visão da cidade que se pauta mais pelas modas vigentes do que pela vivência concreta dos seus habitantes. Por um lado, o centro histórico da minha cidade tem um valor patrimonial e arquitectónico muito reduzido. É o que temos, eu sei, mas vale muito pouco e tem pouquíssimos visitantes. Retirar os carros não faz com que as pedras fiquem mais bonitas. Por outro lado, já quase ninguém lá vive e os que subsistem são, na maioria, velhos e sós. Ao proibir o estacionamento aos automóveis das escassas pessoas que ainda lá vão porque frequentam o único café existente ou porque precisam de ir aos serviços municipalizados, a autarquia, ainda que de boa fé, está a matar o resto de vida que o centro histórico ainda tem. Está a asseptizar a zona deixando os velhos ainda mais solitários. Basta passar lá num Domingo, quando o café e os serviços municipalizados estão fechados, para se perceber o que digo. Cinco turistas estrangeiros a olhar para o ar, que nem perdem tempo com fotografias, e três velhas sentadas no poial da respectiva porta, cada uma em sua esquina, e um siléncio sepulcral a envolver tudo isto.
Agora não há carros, mas também não há pessoas, não há conversas, não há criançaas, não há clientes, não há bairro; numa palavra: não há sociedade e, consequentemente, não há cidade.
A minha rua fica num bairro novo e burguês onde há muita vida, muitas crianças, muitas pessoas e muitos clientes, mas onde também não há cidade: em nenhum passeio consegue passar um carrinho de bébé, uma cadeira de rodas, um cego ou uma bicicleta de criançaa porque há demasiados carros. Estes sim, mal estacionados.
O agente da P.S.P que veio a minha casa para identificar o condutor do veículo autuado bem me disse: «Eu também acho um disparate; e para mais com tanto trabalho importante que nós temos para fazer... mas o que é que o senhor quer? São ordens...».