Confesso que estava à espera de mais e melhores argumentos quando ouvisse o autor do abrupto falar do Rendimento Mínimo (RM). É claro que um pequeno post num blogue não é o local indicado para desenvolver uma argumentação atenta sobre um tema no mínimo controverso. Mas assumir que o RM é pernicioso apenas pelo facto de, eventualmente, poder dar origem a clivagens sociais nas pequenas aldeias não é, convenhamos, afirmar uma grande contra-indicação para uma política que tem vindo a fazer, senão muito, pelo menos alguma coisa por muitos portugueses que sobrevivem no limiar da pobreza e da exclusão absolutas.
Na discussão sobre o rendimento mínimo é imprescindível que se enuncie claramente à partida a distinção entre um bom princípio eventualmente mal aplicado e um mau princípio com uma, eventualmente, boa aplicação, coisa que Pacheco Pereira naturalmente não faz.
E o RM é efectivamente um bom princípio com aplicações que, ao que sei, têm vindo a ser corrigidas ao longo do tempo. Os detratores do RM, ao referirem apenas os "maus exemplos" esquecem-se, não apenas de mencionar o facto de as famílias que o auferem estarem obrigadas a escolarizar os filhos, a frequentar cursos de formação profissional e pessoal, a inscrever-se num centro de emprego etc, como evitam afirmar que estas famílias estão sujeitas a um acompanhamento e uma fiscalização, que podem funcionar melhor ou pior consoante as conjunturas políticas e as estruturas organizacionais.
O RM é, para muitas famílias portuguesas a única forma de sobrevivência e a única fonte de dignidade que ainda lhes resta, e se fosse só isso já seria louvável.
Mas o grande objectivo do RM é o de procurar romper com aquilo que os sociólogos chamam o "ciclo vicioso da pobreza e da exclusão", através da injecção, junto dessas famílias, de um pequeno montante de capital a troco de uma mudança de hábitos e comportamentos. Ou seja, a troco da mudança daquilo que em sociologia se designa por "cultura da pobreza". Afirmar que o RM agrava as desigualdades sociais, que promove a exclusão social e que produz uma clivagem entre os que trabalham e os que nada querem fazer são falácias argumentativas. Se a clivagem existe é entre os que têm poder e aqueles que nada podem fazer.
As pessoas a quem o RM efectivamente se destina estão de tal modo mergulhadas nesse ciclo vicioso da exclusão, nessa cultura da pobreza, que as próprias noções de "trabalho", "integração", "dignidade" ou "ócio" lhes são completamente estranhas.
Não é "dar dinheiro" aos pobres que está em causa no princípio que subjaz ao RM - que, por acaso, existe em todos os países da Europa central - é, nomeadamente, a criação de condições mínimas para que os filhos daqueles que são hoje excluídos não o sejam no futuro e não venham, precisamente, a reproduzir a condição social dos pais.
Curiosamente, ou talvez não, nunca li nem assisti a nenhuma discussão acerca do Rendimento Mínimo que não descambasse no despejar do bébé com a água do banho.