E depois? Tenho de ter o cuidado de avisar o leitor que pense em visitar-me por estes dias, que terá de subir a pé até ao meu andar. Não é muito alto, pois moro num segundo andar. A desgraça é que tem elevador, porque ao que parece os segundos andares sem elevador já estavam todos vendidos na cidade. Estranhei, mas embarquei na aventura de morar num prédio com elevador. Ou melhor, com dez elevadores. E dois portões de garagem. Achei que assim teria menor probabilidades de ter de subir a pé até ao meu apartamento, ou até de ficar com o carro trancafiado na garagem, quando dela quisesse sair. O leitor concordará comigo quanto à lógica do meu raciocínio e imediatamente passará à crónica seguinte, porque esta não tem assunto. "O tipo endoideceu" - pensará - "não tem assunto para escrever e resolveu divagar". O leitor terá razão, confesso. Mas tenho o elevador avariado. Bem sei, escrever nunca reparará um elevador e muito menos o meu elevador preferido. Sobretudo porque este foi a gota d’água, aquela que fez transbordar o copo da minha confuciana paciência. E pergunto ao leitor se não teria semi-endoidecido, como eu, se, no mesmo fim de semana:
a) O seu elevador, o seu preferido, o único dos dez que lhe passa à porta de casa, tivesse avariado duas vezes. Pior, agora avariasse todas as semanas, sempre com o mesmo irritante problema de ficar com as portas bloqueadas na cave sem que a empresa que os repara o consiga fazer decentemente, ou sequer lhe forneça uma explicação para o problema;
b) Um dos portões da sua garagem persistisse em avariar, sempre com o mesmo problema, quebra de um cabo do sem fim, sem que haja solução à vista para acabar com o mal;
c) O seu estofador, ao fim de dois meses de trabalho e de o ter colocado em segundo plano face a, seguramente, duas centenas de motoqueiros que precisavam de assentos reluzentes para as suas montadas, após insistentes telefonemas da sua parte, lhe conseguisse entregar-me umas cortinas que não servem nas janelas a que se destinavam, por serem demasiado pequenas, apesar de lhe ter entregue as antigas para que as pudesse medir adequadamente;
d) Uma das suas secretárias tivesse contraído varicela e a outra fosse de férias;
e) Tivesse tomado conhecimento que a sua filha de três anos adora ver o saber amar e que esta telenovela continua a passar na TVI;
f) Soubesse que o juiz Rui Teixeira está de férias na Fuzeta;
g) Confirmasse que Paulo Portas continua no governo, José Vitorino ainda é presidente da Câmara de Faro, Valentim Loureiro preside à Liga de Clubes e Gilberto Madaíl à Federação Portuguesa de Futebol...
Reparo no entanto que tudo o que escrevi é palha e não posso desta feita continuar com o meu rol de desgraças; nada disto faz sentido, quando na Televisão se noticia a desgraça que resulta do facto de uma pessoa de idade ficar sem qualquer haver depois de as parcas posses de uma vida terem servido de pasto às chamas de um incêndio. Sinto-me pequeno, mas ao mesmo tempo cheio de sorte. Amanhã vou conseguir com alguma alegria olhar para o meu estofador quando lhe for devolver os cortinados que serão reciclados como panos de pó. Infelizmente, jamais conseguirei exprimir alegria por Paulo, José, Valentim ou Gilberto. São maus demais, como qualquer incêndio, para ser verdade. E não há pano de pó que, no caso deles, nos valha, à falta de um Rui Teixeira, ou de uma varicela estival que os leve.
Vou, por estes dias de férias. Não para a Fuzeta. Por precaução. Claro.
e.alves@vizzavi.pt