A nossa memória meteorológica é uma desgraça. Todos os invernos é o inverno mais chuvoso de que há memória, ou o inverno mais seco de que há memória, ou o mais frio, ou o mais quente. A meteorologia, portanto, vem mesmo a calhar para justificar e desculpar a sobranceria burgessa com que destruímos paisagens e recursos, com que artificializamos linhas de água, com que impermeabilizamos zonas de máxima infiltração, com que potenciamos processos erosivos, com que construímos em zonas de risco: os senhores jornalistas (que nestas coisas sofrem de uma amnésia viral galopante) reportam então a desgraça das cheias, das moradias «germinadas» que são arrastadas por deslizamentos de terras em encostas imunes a qualquer excrescência de mato ou bosquete autóctone, de estradas cortadas pela violência das águas correndo em ribeiras canalizadas a montante, de incêndios que reduzem a cinzas florestas mono-específicas - justificando tudo isto, cientificamente, com a meteorologia: não há memória de ter chovido tanto, não há memória de as temperaturas terem subido tão alto...
Chega-se o Verão e, é claro, ele são os incêndios... No ano passado os jornalistas relatavam em directo a destruição da maior mancha florestal de pinheiro bravo da Europa, que, se bem me lembro, era a do concelho de Boticas; este ano relatam a destruição da maior mancha florestal de pinheiro bravo da Europa, que, ao que parece, agora é (era...) na zona Centro... No próximo ano (ou no ano em curso, com sorte) será outra, em outra zona do país. Em alguma coisa haveríamos de ser os melhores, ou pelo menos os maiores, da Europa civilizada...
Depois declaram-se situações de calamidade, sendo que ninguém a declara (à calamidade) na altura devida: no preciso momento em que as asneiras são cometidas e legitimadas com licença e alvará...
Embora, enfim, a culpa seja do raio da meteorologia, que nos é adversa...