sexta-feira, novembro 28, 2003

A força da vazante

Desceu a escada a caminho da ria e estranhou a força da vazante. Uma leve cerração erguia-se no enraizamento da península e começava a ocultar em névoa a linha do horizonte, e depois os chapéus de sol mais distantes, e depois os cordeirinhos-da- praia e o eriçado irregular do estorno, e depois as estacas dos viveiros da fábrica, e depois o próprio azul ondulado das águas. Virou-se e olhou o pano da muralha a procurar um rosto ou uns braços apoiados no muro, uma criança que corresse no largo, um guarda-fiscal na atalaia da fortaleza a assestar os binóculos ao assoreamento da barra. Mas não havia ninguém, nenhum movimento, nenhuma sombra. Olhou o areal da península e deixou de ver o mar. Não havia ninguém à face da terra e o mar adivinhava-se apenas à distância no marulhar sobressaltado do levante.