terça-feira, novembro 25, 2003
Era como se tudo estivesse certo
À hora em que a sombra começa a espalhar-se vagarosamente nos telhados das casas, imaginou que uma ave gigante varria o areal da praia e se levantava na espuma do levante, e que depois avançava sobre o parque de estacionamento e sobre as esplanadas da praça. Era uma ave de longas asas recortadas, e era como se o mundo por instantes ficasse suspenso de si próprio e nada mais houvesse à face da terra para além desse voo e de um silêncio tão espesso que podia tocar-se com as mãos. Apercebeu-se então de que ninguém falava, que ninguém se movia, que ninguém respirava. E no entanto ouvia-se um alarido de vozes estrangeiras misturado na sombra que recomeçava a descer. E a ave desapareceu e a sombra desceu e era como se tudo estivesse certo.