terça-feira, outubro 14, 2003

Um tiro no porta-aviões

Desculpar-me-á o leitor a questão, e bem assim a insistência no tema, mas será que alguém se importa de me explicar porque razão o PS insiste em colar-se ao desfecho do caso Casa Pia e, em particular, ao que daí advenha para Paulo Pedroso? Sinceramente, até percebo a solidariedade e as declarações inflamadas dos membros do partido, mas tornar o maior partido da oposição - como vejo o líder do PS fazer - refém de uma sentença, parece-me um erro indesculpável. Para já, parece-me que o PS não precisava disso na medida em que a tese da cabala não cola, nem pode colar em democracia e muito menos num Estado de Direito. A ser aceitável defendê-la, é essencial arguir um simples facto que nos aponte nessa direcção, coisa que o PS não fez, nem provavelmente fará. Por outro lado, a manter-se o actual estado de coisas, e perante o cenário de uma eventual condenação de Paulo Pedroso, todos, sem excepção, os órgãos do partido terão forçosamente de se demitir, sem redenção possível. Já perante o cenário contrário, no caso da eventual absolvição de Paulo Pedroso, não vejo o que tem o PS a ganhar com a sua atitude actual e, nessa justa medida, parece-me disparatada a insistência nesta postura - porque nem de estratégia se pode, em bom rigor, falar.
Para já, e por outro lado, sendo Paulo Pedroso arguido num processo do foro criminal, parece-me assaz criticável que tenha tomado o seu lugar de deputado na Assembleia da República. É que, se antes de qualquer investigação, o PS exigiu a queda de dois ministros com base em argumentos do campo moral, não consigo perceber como consegue conceber a manutenção de um deputado seu em exercício de funções, com o particular relevo que sobre este impende uma investigação pela eventual prática de uma conduta que se situa, mais do para além do campo da imoralidade, no próprio campo da criminalidade. Bem sei que Paulo Pedroso não está condenado, mas o certo é que no desempenho da função que lhe foi confiada, a suspeita, o indício e a conduta imoral ou amoral, não são aceitáveis. Receio, pois, que ao PS e a Paulo Pedroso, apesar da apoteose com que este foi recebido na AR pelos seus, mais não reste que a continuação da suspensão do seu mandato, até trânsito em julgado da decisão do caso, altura em que, consoante o resultado, terá de optar por renunciar ao mandato, ou retomá-lo. A não ser assim, sinceramente, não vejo como o PS possa sobreviver a uma batalha que não era a sua e que, pela quantidade de água que mete, é verdadeira batalha naval na qual muito facilmente irá ao fundo, salvo se, como é hábito, a opinião pública se preocupar mais com o teor das declarações de Marco Paulo no programa do Herman (por sinal, arguido no mesmo processo e sujeito à mesma medida de coacção de Paulo Pedroso) que com o (des)governo da nação.