O Zé Carlos escreveu ontem um artigo relativo a um dos temas quentes do momento (não, não tem nada que ver com helicópteros e os incêndios há muito lá vão), precisamente o das propriedades detidas por sociedades ou indivíduos com sede ou domicílio em Estado ou território com tratamento fiscal mais favorável - os chamados paraísos fiscais. De facto, o artigo do Expresso do último Sábado aborda o tema de uma forma que, eufemisticamente, optarei por chamar de "levezinha". Evidentemente, não estamos perante um artigo, nem sequer por uma reportagem que se possam considerar sérios. Não há trabalhode campo nem qualquer rigor na abordagem do problema ou das questões de que ali se tratam. Erradamente ainda, fica a pairar no ar a ideia de que uma sociedade off shore tem que ver com qualquer coisa de obscuro, de ilegal, com lavagem de dinheiro, fuga ao fisco e por aí diante. Nada de mais errado, pelas razões que passo a explicar.
Deter uma propriedade por uma sociedade off shore representa, para o Estado Português, rigorosamente a mesma coisa que se a propriedade em causa for detida por uma sociedade ou um indivíduo portugueses. Até 2002 pagavam exactamente os mesmo impostos, fossem eles quais fossem e estavam sujeitos ao mesmo regime e legislação, com uma excepção, que consistia no facto de tais sociedades não poderem obter quaisquer benefício fiscais. Desde então, tudo se agravou para tais dsociedades (ou indivíduos com domicílio nesses territórios).
Evidentemente, há uma pequena nuance que escandaliza meio mundo, que reside no facto de tais sociedades terem uma estrutura que lhes permite que sejam transaccionadas sem que aos olhos do Estado Português se detecte a mais pequena alteração na sua estrutura accionista, pelo que não lhes é aplicável - a não ser no momento em que compram, pela primeira vez uma propriedade - a Sisa no momento da transacção. Contudo, existem sociedades na ordem portuguesa que igualmente beneficiam deste regime, como sejam as sociedades anónimas, com acções ao portador, entre outras. Quanto aos demais contribuintes, como se sabe, toda a gente declara na íntegra o valor pago pelas propriedades que compra, porque a sisa - na qualidade de imposto mais estúpido do mundo - merece ser paga e toda a gente faz questão disso... Adiante, que há muita gente com vontade de atirar a primeira pedra...
Como é evidente, este não é o espaço próprio para abordar todas as questões que o problema levanta, até porque elas são demasiado extensa e arrisco-me a "pregar" uma enorme seca ao leitor. Para já importa contudo reter a ideia que a reforma proposta pelo Estado Português é mal pensada, cretina e, porque não dizê-lo, absurda. A verdade é que o problema de fundo não é (nem perto nem de longe ) o sistema do off shore, mas chama-se antes sisa, contribuição autárquica, valor patrimonial e Código de Avaliações. É esta a reforma que tem de ser feita, a bem da moral do sistema e do país. Não faz sentido que um prédio na Av da Liberdade com cinco andares, ou um palácio no Restelo tenha 500 Euros de valor patrimonial e o meu humilde T2 tenha 60 ou 70 mil euros. A Contribuição devida anualmente varia entre 0,8% e 1,3% daquele valor, por isso agradeço que me expliquem se atacar o sistema do off shore faz algum tipo de sentido. Até porque, como é evidente, por meia dúzia de tostões qualquer pessoa redomicilia uma sociedade off shore passando a sua sede para um território não abrangido por tais disposições penalizantes. Outro aspecto do problema e do mau planeamento está em discriminar as situações em que o dono da propriedade é uma pessoa singular, que não tem forma de mudar a sua vida para outro lado e por sinal deseja investir num imóvel em Portugal. Pergunto-me, qual é a relevância deste aspecto, que tutela merece esta discriminação?
É que, parecendo que não, o sistema inventando, sem qualquer dúvida, é patético e mal desenhado. Tem lacunas, abre brechas à nascença e limita-se a ser mais um mal-amanhado remendo no iníquo sistema tributário português. Ainda hoje, por falta de uma vírgula (decididamente, este é um problema nacional), acabo de descobrir mais uma enorme brecha. Desculpem os leitores, mas não o posso partilhar convosco. E no entanto, era tão mais fácil fazer bem... Desculpa portanto Zé Carlos, mas não posso, desta vez, concordar contigo.
PS: Agradeço ao Carlos Vaz Marques a referência feita em 24 de Setembro, ao texto sobre os engraxadores aqui publicado.