Num dos livros de Gabriel García Marquez - o leitor desculpar-me-á a falta de memória mas não consigo localizar em qual é referido o episódio - no meio da canícula que é constantemente descrita pelo autor e é recorrente em toda a sua obra, a par da pele encharcada dos personagens, do cheiro nauseabundo, da febre, dos sírios mercadores, há uma pérola de paixão platónica personificada pelo telegrafista de Macondo e pela telegrafista de San Bernardo-de-um-lugarejo-qualquer. Com efeito, um e outro entretêm os seus dias a telegrafrar entre si poemas e juras de amor repetidamente e o telegrafista declara a páginas tantas que reconheceria a sua colega em qualquer parte do mundo, pelos saltos nos "iii" que ela perpetra ao dedilhar o telégrafo. Num dos instantes finais da obra, o telegrafista propõe-se mesmo transcrever "Os Miseráveis", de Vítor Hugo, pelo telégrafo, para que ela o possa assim ler e partilhar consigo. Juro que na era do telegráfico-sms, semelhante tarefa não me passaria pela cabeça, a despeito de infinitamente mais fácil de cumprir. |