Atravesso a rua sem olhar, indiferente às imprecações dos automobilistas e dos outro peões. Tanto me faz, que é como quem quer dizer "- é-me indiferente!", como me é indiferente se chove ou faz Sol, se é noite ou dia. Utilizo indiferentemente a passadeira e o meio anárquico da via. A indiferença pauta-me a vida sem sobressalto, sem amargura, sem objectividade, sem cumplicidade. Movo-me pelo relógio da imaginação, por vezes da barriga, fiel companheira, que decide do destino de algumas das minhas horas; volto-me de manhã na enxerga para me esconder do nascer do Sol, como se de dia as rugas que tenho na cara se tornassem cicatrizes contundentes aos olhos de quem as contempla. E no fundo consigo sorrir, rir, por vezes gargalhar sem motivo aparente. Por isso me chamam louco, fogem do meu aspecto desgrenhado, sujo, do cheiro nauseabundo que exalo mas que me diverte. A minha loucura é a de ser uma ilha no meio da sociedade e de o ter conseguido atingir sem que fosse contra alguém, sem despertar a inveja, a curiosidade nem a ambição. A nada aspiro, excepto ao verso perfeito, à palavra mágica, ao declinar do verbo. Não me perguntem porquê, já estive louco, agora apenas o sou aos olhos de quem me rodeia.