E então, subitamente, um dia, uma noite, já nem sei quando, sequer se nesta vida, deixei de sonhar contigo. Deixei de me imaginar nos teus braços, de sonhar os momentos a dois, os passeios na avenida, as leituras partilhadas, o contar das velhas piadas a que só tu achavas graça... Foi-se, tudo se foi. Com pena, refugiei-me dentro de mim mesmo, definhei na vã esperança que o notasses. Mas não, parecias imune ao sofrimento que me consumia as entranhas. Sentia-me capaz de tudo, menos de te dizer isso mesmo, e os anos passaram, ligeiros a princípio e arrastados mais tarde, cada vez mais lentos, insuportavelmente mais lentos.
Um dia tornámo-nos brancos, que é como quem diz translúcidos, sem pinta de sangue nas veias, no coração, no rosto. Foi assim desde que as crianças sairam de casa porque deixaram de ser crianças. Cabelos grisalhos, mãos pálidas, enrugadas, frias... geladas!... Arrepio-me por pensar nas tuas mãos geladas no teu leito de morte. Só então - desculpa-me a franqueza - pela primeira vez senti saudades tuas.