quinta-feira, julho 29, 2004

O homem

O homem trabalha. Toma por esposa a mulher dos seus sonhos. Amealha. Emigra para amealhar ainda mais. Vive longe dos filhos, da mulher, de todo o conforto de um lar. Nas suas visitas anuais a Portugal, concebe um filho com aquela que escolheu e que o recebeu. Uma, duas... cinco vezes. No nono mês de gravidez do quinto filho, a mulher tem um acidente, quebra a coluna, fica tetraplégica e com respiração assistida, mas consciente. Chamam-no. O homem vem o mais depressa que pode. Chega a tempo de assistir ao nascimento, por cesariana, do seu quinto filho, uma menina a que, por milagre, chamará Fátima. A mulher despede-se dele e o ventilador é desligado. O homem chora com a menina nos braços. Chorará toda uma vida e não tornará a casar. Deposita todo o seu amor nos filhos, mas nutrirá por Fátima um sentimento especial.
Fátima engravida, ainda adolescente, de uma aventura com um primo. Este assume, mas não estão apaixonados. Fátima nunca casará, porque não quer ou não tem ânimo para isso. Vive, lutando pela vida, ao lado de seu pai. O pai, uma vez mais, cria uma neta, depois de criar cinco filhos.
O pai é apesar de tudo um homem feliz. Nunca pediu, foi pastor, pedreiro, carpinteiro e agricultor. Não sabe o que são férias, nem quer saber. Tem uma prótese na anca, mas não faz disso alarde, nem se nota que a tem. Sobe à montanha sempre que pode, duas horas a pé pela serrania, à procura das cabeças de gado. Tem um sorriso franco ao fim do dia de trabalho. Adivinha-se a dor, mas a força de viver deixa-nos na dúvida: as rugas serão da dureza da vida, ou do calor do sorriso?