segunda-feira, novembro 29, 2004

Laura

Era quase uma doença: chegava a casa e corria para o computador à espera de encontrar um novo post. Começava a acreditar que aqueles textos eram escritos para mim. Como se nos conhecêssemos. Como se nos conhecêssemos desde sempre.Como se não houvesse segredos entre nós. Como se os meus próprios pensamentos fossem nascendo das frases que ela escrevia em http://lauravaz.blogspot.com - ou seja, como se o futuro só existisse porque alguém acreditava num futuro onde haveriam de caber os nossos sonhos e as nossas vidas.

Começámos a comunicar por mail. Compreendemos que o mundo estava à nossa espera. Não tardou que marcássemos um encontro. Em Évora. No dia 27 de Novembro. Às 16.00 horas. Na Residencial Riviera. («O primeiro a chegar fica sentado no maple castanho do átrio.»)

Cheguei cedo: eram 15.42. Ela tinha chegado ainda mais cedo. Levantou-se (só pode ser ela, pensei; só pode ser ele, terá ela pensado...), ficámos interditos por um instante, dissemos apenas: «olá». Subimos ao quarto 209. Quase não falámos: não saímos do quarto: o amor protegia-nos do mundo.

No dia seguinte, ao fim da manhã, depois de termos marcado um novo encontro, despedimo-nos com lágrimas nos olhos. Pediu-me que não descêssemos juntos: «não suportaria olhar contigo a luz intensa das ruas da cidade».

Desci, portanto, alguns minutos depois e vi uma mulher sentada no maple castanho do átrio: vestida de azul; lindíssima; triste; uns olhos ausentes.

O empregado da recepção estendeu-me o recibo e disse-me (piscando o olho esquerdo, baixando a voz até ao cicio) que «a marmanja» estava ali desde o dia anterior; que, curiosamente, tinha chegado alguns minutos depois de mim; que, desde então, não dissera uma palavra; que passara ali a noite; que era como se estivesse à espera de alguém a quem quisesse muito; alguém a quem quisesse tudo.

Fiquei sem um pingo de sangue. Senti-me o mais desgraçado dos seres à face da terra (só então me ocorreu que nem sequer perguntara o nome da mulher de quem acabara de despedir-me; que o seu nome, provavelmente, não era o nome que me levara ao encontro do amor).

Aproximei-me da jovem vestida de azul. Ela ergueu os olhos (húmidos, vermelhos de sangue) à altura dos meus olhos. Disse-lhe (em desespero, muito a medo): «Laura?...» E ela (a voz cansada, trémula, já quase indiferente, arrastando-se; a voz de quem desistiu): «Zé Carlos Barros?...»