quarta-feira, dezembro 01, 2004

Política

Estávamos quê? Em finais dos anos setenta, inícios dos anos oitenta. O congresso da JSD haveria necessariamente de ficar marcado para sempre nas nossas vidas: porque todos os nossos sonhos têm um começo, e este começava nesse dia: em Montechoro, no Algarve (num hotel cuja envolvente - anárquica, de estaleiro de obras -, enfim, não condizia muito com a nossa ideia de futuro; mas também isso, claro, haveríamos de mudar).

Logo no balcão das inscrições, nas conversas de circunstância antes ainda do começo dos trabalhos, alguma coisa nos aproximou: e no intervalo para o café, ao fim da manhã, eu e C. M. discutíamos já as teses, os princípios de actuação, as propostas de orientação política. Abdicámos do almoço. A uma mesa baixa do átrio do segundo piso, junto aos elevadores, esboçámos a moção de estratégia. E lembro-me de, entusiasmado, a meio da redacção, dizer ao C. M. que os nossos sonhos não tinham limite no horizonte visível (nessa altura usávamos expressões grandiloquentes: «quando formos escolhidos para servir o País...»).

Concluímos a moção de estratégia muito tarde da noite, depois de vários percalços (a discordância, por exemplo, de um companheiro do Porto cujo nome, desde que o autocarro nos levara ao hotel e fomos apresentados, me fascinara pelo equilíbrio e por um marcado rigor: duas palavras, ambas começadas por R, ambas com três letras e uma ténue, fascinante aliteração).

A nossa moção foi indecentemente chumbada em escrutínio secreto. Custou-nos, é óbvio. Mas nós estávamos do lado do sonho. Era, portanto, uma questão de tempo. E o tempo jogava a nosso favor.

A verdade é que nunca mais nos encontrámos.. Nunca mais ouvi o seu nome. Nunca mais. Penso muitas vezes nele. Na sua alegria. No seu entusiasmo. Na sua disponibilidade. No destino que nos estava destinado. Nos sonhos que, por um momento, desenhámos juntos: num tempo em que nos defendíamos na certeza de que o futuro estava do lado dos sonhos que sonhávamos.

Às vezes penso que C. M. talvez tenha comprado a quinta no Alentejo ou a casa em Trás-os-Montes, junto ao rio, de que falava tantas vezes. E fico feliz. Mas o mais certo é que continue ainda enredado nesse labirinto de sonhos e que, como eu, seja agora um triste e desiludido técnico superior com requerimentos a pedir licença sem vencimento, perdido na ilusão de que é possível afastar-se do mundo, e ficar assim, fora do mundo, a tratar das amendoeiras, do escarificador, da tijoleira das açoteias, dos albricoques, dos pomares de citrinos...