sexta-feira, dezembro 17, 2004

[Nas casas]

Nas casas da encosta findavam pelo fim da manhã
os trabalhos domésticos. O calor poisava
nos armários e nas mesas como se tudo
fosse arder por dentro à visita inesperada
e pendular dum corpo que regressa
para impor no estio a ordem da paixão.
Recordas o rumor no degrau de cima
da escaleira do relógio velho, o esvoaçar
das moscas contra os vidros, um grito
pretérito que descia do cume dos incêndios
a pedir a deus um copo de água ou
uma lâmina nos pulsos. Como tudo
passa e tudo esquece à aproximação da primeira
sombra do freixo na margem do rio, recordas
ainda. Um freixo ou um corpo que retomem
a respiração dos primeiros dias do mundo,
os trabalhos domésticos contra o calor
da tarde, as mãos das mulheres a mexer
indiferentes na água fresca dos púcaros.