sábado, dezembro 04, 2004

A lentidão

Tínhamos marcado um último encontro. Haveríamos de nos saber despedir de forma civilizada. Mas a coisa correu mal. Quer dizer: passámos duas horas sem trocar praticamente uma palavra. Com vagarosas lágrimas nos olhos. Desajeitados. Esboçando gestos lentos, cansados, magoados, tão próximos e já tão distantes um do outro no restaurante quase deserto. Despedimo-nos, enfim, sem saber muito bem que palavras se podem dizer quando, de súbito, nenhuma palavra do mundo parece fazer sentido.

E só então compreendi que o senhor sentado na mesa ao lado (esse que tinha chegado antes de nós e o empregado tratara cerimoniosamente por «mestre») era Manoel de Oliveira.

Fiquei em pânico. Temi que a nossa despedida, feita de momentos desconexos, de uma lentidão exasperante, pudesse ser aproveitada como material narrativo na sua cinematografia futura (não esqueço aquele sorriso enigmático quando cruzámos o olhar por um breve instante). E isso era o pior, depois de um tão desolado adeus, que eu imaginava que me pudesse acontecer.