O homem chora. Ainda. A fotografia do filho numa mão, o lenço da primeira comunhão na outra. Derrama lágrimas de anos, de pesadelo, que o acompanharam uma vida. O remorso, a saudade, a tristeza do maldito momento que de si arrebatou a vida do filho. Foi há demasiado tempo, mas chora ainda hoje como chorou no dia seguinte ao funeral, em Agosto daquele ano. Um momento de distracção, uma miserável distracção enquanto ajeitava a toalha para a família merendar junto à presa de água, perto do Poço da Moagem. - Pedro? chamou uma vez. Novamente. - Pedro? Mas Pedro nunca respondeu. Recorda o corpo do menino, sem vida, a boiar na água cristalina e fria. Uma corrida, um mergulho em desespero, as pálpebras lívidas, os lábios roxos e frios em contacto com os seus. E em seguida, o olhar incrédulo da mulher que fora ao carro buscar a cesta da merenda, o grito lancinante que ecoa nos penedos vizinhos. A depressão. Um mundo que desaba e atira ambos para a raia do desespero. Cada sombra, cada rocha, cada elevação do lugar ficaram-lhe gravados na memória desse dia, o último da sua vida.
À data da separação estava imune ao sofrimento...