Um epitáfio breve - "Aqui jaz um Pianista" - foi o único adorno colocado na campa rasa do pianista. Anos mais tarde, esta viria a ser coberta por uma laje de granito que se destacava entre as demais de mármore branco que a rodeavam. Raramente tinha flores,e quando as havia eram lá postas por uma alma caridosa que se comovia com a dedicatória que alguém se lembrara de gravar. E contudo, tudo naquele homem era diferente: a paixão pela música, o talento, a certeza da vocação, um amor de que fugira anos antes, e por fim a alma de uma violinista que não conhecera mas que apenas ouvira numa época da sua vida, na varanda da casa deitada sobre o pátio. A prisão no auge da sua juventude, por delito de opinião, marcara-o igualmente para a vida e tudo isto o distanciava dos outro homens sem histórias de vida. Mas quem o olhasse diria tratar-se de um homem comum, banal, até de carne e osso como os demais. Só tarde, muito tarde, quando alguém se lembrou de escrever a sua biografia lhe reconheceram o valor, o mérito, a dignidade. Somente quando alguém cavou a sua vida e lhe arrancou a alma e a sua memória à terra se aperceberam do que aquele homem vivera e quem fora. Na homenagem, na vernissage do dia do lançamento da sua biografia, uma violinista falou demoradamente de quem nunca conheceu, arrancou aplausos e apaziguou consciências. A violinista chorou de admiração e saudade e nesse dia calou para sempre o seu violino. Pelo pianista.