terça-feira, agosto 05, 2003

Ainda os incêndios (VI)

Em post anterior a este estado de sítio, a esta verdadeira tragédia nacional, tínhamos falado do suspeito do costume: a meteorologia. Infelizmente, pelo que é dado ver e ouvir nos comentários dos telejornais, parece confirmar-se que não há outra razão para os incêndios: está muito calor, há pouca humidade relativa, levantam-se ventos... Pelos vistos, se no próximo Verão tivermos temperaturas primaveris, e não estivais, estaremos livres dos incêndios. E se, no ano a seguir, chover de Junho a Setembro, é provável que voltemos a não ter notícias a dar deste flagelo. Se a coisa não fosse tão triste, tão lamentável, dava vontade de rir. Não é o caso.

Entretanto, as grandes discussões desenvolvem-se (e já que o fogo é inevitável em face de tanto calor...) em redor do tema da coordenação, ou falta dela, nas acções de combate; dos meios existentes ou inexistentes para as acções de combate; dos interesses económicos associados às acções de combate... Não se discutem as questões a montante (ou subvalorizam-se). Não se fala das questões de ordenamento do território, e especificamente das questões de ordenamento florestal. Não se fala de políticas de crescimento económico e de putativo desenvolvimento que levaram, e persistem em levar até às últimas consequências, à desertificação do interior. Não se fala da destruição do bosque mediterrânico e sua substituição por povoamentos extremes de pinheiro bravo e eucalipto. Não se discutem incentivos à floresta de protecção (ou com funções mistas, de produção/protecção), insistindo-se, pelo contrário, na disponibilização de fundos públicos para o apoio a florestações desastrosas do ponto de vista ambiental. Não se discute a estrutura dos povoamentos, não se fazem esforços no sentido da reestruturação fundiária, não se compreende a floresta na perspectiva dos usos públicos e benefícios sociais que proporciona, não se discute a destruição militante da floresta autóctone. Não: discutem-se as questões associadas ao combate dos fogos (que, a partir de uma certa dimensão, como se sabe, é tarefa inglória), não à forma de preveni-los.

A tragédia está ainda em curso. Há, essencialmente, que lamentar a perda de vidas e, secundariamente, a perda de bens económicos e patrimoniais. Mas talvez não fosse mau deixarmo-nos de discutir capelinhas e roupa mal lavada: no próximo Verão há-de haver de novo temperaturas elevadas e, provavelmente, uma humidade relativa do ar compatível com os valores normais da época. A meteorologia, esse papão, aí estará de novo a ameaçar-nos. Entretanto, talvez pudéssemos fazer qualquer coisa a pensar no futuro...