sexta-feira, outubro 01, 2004

[Da casa]

1.
Mas nesse tempo os homens avançavam contra a desordem.
E abriam fendas na encosta. E depois
desfaziam as pedras. E depois traziam esse
pó quase roubado ao fogo
de modo a juntar à escassa aluvião
as luzes acesas de março. E depois entravam nas minas
e bombeavam a água do subsolo
e saíam de novo a caminho das agras.
E só depois lançavam as sementes à terra.
.
E no domingo rezavam como se a litologia os ouvisse.
.
2.
Mas nesse tempo os homens respiravam pelos juncos
dos pauis enquanto espalhavam os drenos.
E aplanavam o granito das plataformas
atando à nuca as
máscaras de caulino.
E mediam as curvas de nível aspirando a água.
E deixavam no vale os pulmões submersos.
E traziam depois as pedras dos terraços
e erguiam barragens
onde a enchente
haveria de subir
até ao limite
da casa.
.
E adormeciam no pesadelo de imaginar os panos dos linhares
a tapar-lhes o rosto
quando já não houvesse mais nada.
.
3.
Mas nesse tempo os homens acreditavam
que os ferros se dobravam sustendo a respiração.
E se acendiam fornalhas
receavam a repercussão dos desastres.
E não sopravam as canas nem erguiam pilares
de tijolo junto ao fogo refractário.
E desviavam-se da lava incandescente
e da diástole dos foles.
E só de noite ousavam descer aos algares
e bater numa forja
com os pulsos.
.
E só então a casa e a claridade e um fio de água.