domingo, outubro 03, 2004

[Da manhã]

E no entanto
às vezes as mulheres riscavam os alicerces
dispondo os púcaros na mesa.
E se afastavam as mãos por um instante do fogo
a humidade entrava nas divisórias
dos quartos.
E sabiam que se adormecessem
ou movessem os ramos da oliveira
um relâmpago cortaria em metades
os meses.
E por isso se estendiam de memória no arame das vinhas
até que o rumor dos bosques iluminados pelas aves
batesse nas paredes da casa
e amanhecesse.
.
E no entanto
às vezes as mulheres enchiam os cântaros
com o lume evaporado das presas.
E as crianças calavam-se à entrada dos astros
a olhar a nuvem de silêncio
poisada nos tanques.
E então anoitecia como se a sombra não tivesse peso
e as candeias trouxessem ao pátio
a pausada respiração dos fenos.
.
E no entanto
às vezes as mulheres saíam durante a noite
e recolhiam nos lenços
as primeiras sementes
aladas
do ácer.
E atavam aos fios de lã humedecidos nas pontas
as suas vagarosas hélices
puxando-as para o centro dos rastilhos
acesos.
E só então o rumor dos bosques iluminados pelas aves
batia nas paredes da casa
e amanhecia.