quarta-feira, junho 23, 2004

O fim do dever cívico

Quando pensávamos que tínhamos ouvido tudo, eis que o CDS/PP nos brinda com mais uma pérola. Pela voz de Telmo Correia, a direcção do CDS/PP afirma que os dois deputados que elegeu nas últimas eleições teriam sempre sido eleitos ainda que o partido não concorresse em coligação e portanto o facto de se ter apresentado a votos com o PSD não beneficiou nem prejudicou o partido. Pelo contrário, o PSD – seu conveniente aliado nas vitórias – seria assim o principal derrotado de Domingo, mas o CDS/PP nada terá que ver com o assunto, nem o mesmo diz respeito ao CDS/PP.
Eis um dos custos da democracia. Resta saber se teremos de o pagar ou sequer se temos de estar dispostos a pagá-lo. A liberdade conquistada em Abril não pode ser ilimitada ao ponto de termos de continuar a ouvir dislates destes. Percebe-se que enquanto se mantiverem níveis de abstenção idênticos àqueles com que nos temos vindo a deparar, todas as conjecturas e especulações de qualquer quadrante político serão possíveis e legítimas. O que não podemos continuar a tolerar é a abstenção consciente e irresponsável de grande parte dos eleitores do país, que permitem que a troco de um punhado de cervejas, um mergulho domingueiro ou um passeio no shopping, sejamos obrigados a calar perante semelhantes afirmações. De uma vez por todas, era bom que fossem revistas as regras do sistema eleitoral por forma a tornar o voto obrigatório, aplicando multas ou agravando os impostos daqueles que optem pela abstenção. O voto branco ou nulo – desde que expresso de forma consciente e ponderada - é a forma cívica aceitável de manifestar descontentamento perante as forças políticas em disputa numa eleição. Não assim com a abstenção, porque se funda na preguiça mesquinha e irresponsável, no desinteresse e, ó quantas vezes, na simples ignorância que não pode ser tolerada. Esta intolerância, de resto, é necessária para o progresso da democracia e o voto obrigatório em substituição do mero dever cívico – ressalvadas certas excepções, bem entendido – seria o estágio último de evolução daquele instituto.