quarta-feira, janeiro 12, 2005

Uma vogal

«Sonhei com o nascimento de uma vogal em pleno centro da palavra. O rumor estranho de músicas interiores dirigia-me os lábios com que a pronunciei, internando-me na margem do pronome; e, procurando-me uma luminosa abertura na escura concha da frase, cheguei ao fundo da essencial visão. Um louvor de canto subtraía o sentido à sonolenta inquietação da figura. Remota, quase morta, exalava uma sugestão de ritos verbais. Corpo pousado na arena da língua - insecto vago.»

Nuno Júdice, in A Manta Religiosa. Contexto, 1982.