terça-feira, janeiro 18, 2005

Papéis errados

«Coimbra, 4 de Maio de 1966 - Parece castigo: ninguém neste país está no seu lugar. Todos, aqui, desempenhamos papéis errados, somos no palco paródias das personagens que encarnamos. O rábula faz de primeiro actor, o meirinho de juiz, o versejador de poeta. Um clima mórbido de interesses, de conivências, de irresponsabilidade e silêncio permite que cada aventureiro se aventure e consiga chegar além da sua medida. Daí a falta de respeito e a agressividade conhecidas contra os raros que ocupam a justa posição que lhes compete. São espelhos de má consciência que é necessário tirar da sala, custe o que custar. Só reflectidos nos olhos uns dos outros, os intrusos podem representar à vontade.»

Miguel Torga. «Diário X», 1ª edição, 1968.