Aprende com as crianças: desenha remoinhos nas águas paradas, quase apodrecidas, do tanque.
sexta-feira, outubro 29, 2004
quinta-feira, outubro 28, 2004
O fauno
Um fauno peludo dança
Na tua direcção,
odiosa criatura
cuspindo viscosas palavras,
imprecações sanguinárias
que ferem como ferro
e fogo, a carne desfeita
de cada sílaba que oiço.
O vómito sulca as minhas entranhas
ao mesmo tempo que o céu que se abre
para permitir a passagem de um arco-iris
que o crepúsculo anuncia
sob o milagre
dos últimos raios de Sol
que por engano
julgamos serem os últimos da eternidade.
Erro,
porque os faunos não são eternos.
Na tua direcção,
odiosa criatura
cuspindo viscosas palavras,
imprecações sanguinárias
que ferem como ferro
e fogo, a carne desfeita
de cada sílaba que oiço.
O vómito sulca as minhas entranhas
ao mesmo tempo que o céu que se abre
para permitir a passagem de um arco-iris
que o crepúsculo anuncia
sob o milagre
dos últimos raios de Sol
que por engano
julgamos serem os últimos da eternidade.
Erro,
porque os faunos não são eternos.
Os líderes
É interessante constatar que os dois mais recentes líderes do PSD acabam de sofrer duas pequenas derrotas que têm por cerne, precisamente, o triunfo da democracia. Um, Santana Lopes, envolve-se num mini-escândalo do qual sai beliscado devido à tentativa de controlo dos media. Outro, Durão Barroso, devido ao reforço de poder do Parlamento Europeu. Num e noutro casos, goste-se ou não, o contraditório e o livre direito à opinião prevaleceram sobre a vontade desses líderes. E é este auto-controlo da democracia, este sistema de contrapoderes que faz da democracia o mais equilibrado dos sistemas de governo à face da Terra que deve ser ressaltado e ressalvado. É ainda, por outro lado, esta divisão em que assentam a maioria dos sistemas parlamentares ou semi-presidenciais europeus que constitui o último reduto defensivo da constelação de direitos, liberdades e garantias fundamentais que tão arduamente foi conquistada ao longo de todo o séc. XX que urge consciencializar e, sobretudo, fortificar para melhor defesa.
Incêndio
Consumam-me as chamas
para que no fim desse incêndio,
nada de mim reste que não
apenas
palavras queimadas.
para que no fim desse incêndio,
nada de mim reste que não
apenas
palavras queimadas.
quarta-feira, outubro 27, 2004
terça-feira, outubro 26, 2004
Ah, se é por uma questão de pedagogia
Um professor do primeiro ciclo é acusado pelos encarregados de educação de gritar, ameaçar, usar linguagem imprópria e arrear forte e feio nos alunos. A presidente do conselho directivo optou por manter o professor em funções até à conclusão do processo, garantindo que o mesmo será sempre acompanhado por uma outra docente, de vigia. Mais adianta que se poderia ter optado pela expulsão, mas que «essa não seria a medida mais correcta, uma vez que aqueles alunos já tinham mudado uma vez de professor e estas trocas constantes não são pedagógicas».
Pois bem certo é que estamos sempre a aprender com quem sabe.
Pois bem certo é que estamos sempre a aprender com quem sabe.
Eu é que sou o porsidente da junta
O líder político duma distrital lamenta-se de a sua Região não ter no Governo a representatividade que devia. E portanto essa determinada Região não é tão bem defendida em Conselho de Ministros como outra Região numericamente melhor representada. Ora a gente pensava que aos senhores ministros competiria a salvaguarda do interesse nacional, e não tanto os interesses do bairro fiscal, da freguesia ou da comunidade urbana onde nasceram.
Pois bem certo é que estamos sempre a aprender com quem sabe.
Pois bem certo é que estamos sempre a aprender com quem sabe.
segunda-feira, outubro 25, 2004
Frio
Cala-se o riso
e o ruído das correrias
das crianças.
A água gela
no lago do velho moinho
em cada manhã de névoa
E o espesso manto do velho
que dorme sozinho no jardim
desfaz-se sob a geada
que sobre si se abate,
como uma terrível
maldição indesejada.
Sob o frio cortante,
estão imóveis os lábios
e as crianças já não riem
como prisioneiras
de uma felicidade
que apenas se evaporou
e já não transpira
pelas margens verdes nem
por sobre as folhas dos plátanos.
e o ruído das correrias
das crianças.
A água gela
no lago do velho moinho
em cada manhã de névoa
E o espesso manto do velho
que dorme sozinho no jardim
desfaz-se sob a geada
que sobre si se abate,
como uma terrível
maldição indesejada.
Sob o frio cortante,
estão imóveis os lábios
e as crianças já não riem
como prisioneiras
de uma felicidade
que apenas se evaporou
e já não transpira
pelas margens verdes nem
por sobre as folhas dos plátanos.
Os agaves
O outono demora a trazer-nos a luz tão breve de novembro: perde-se nos poentes, nos ramos quase secos das amendoeiras, na faixa de névoa que se espalha sobre os campos lavrados das fazendas onde não avançou o betão dos loteamentos. Mas a meio da tarde, por instantes, chegamos a pressentir que essa luz nos vem poisar nas mãos e que o inverno, finalmente, pode começar: no odor do café, nos trabalhos domésticos, no azul dos agaves que não iniciaram ainda a derradeira (e única...) floração.
sexta-feira, outubro 22, 2004
Três dias apenas
Sangue,
sob o Sol
frio de Outubro,
negro dilúvio
derramado
em pétalas
de rosa carmim,
é esta a cor da
tua ausência.
Volta depressa,
mata-me a saudade,
tira-me de cima
este peso brutal.
sob o Sol
frio de Outubro,
negro dilúvio
derramado
em pétalas
de rosa carmim,
é esta a cor da
tua ausência.
Volta depressa,
mata-me a saudade,
tira-me de cima
este peso brutal.
[Três poemas]
Constantino Paustovski
Uma e outra palavra se perdem no decurso
das viagens, um e outro nome, o fluir
monótono de rumores indecifráveis,
águas onde nunca mais virá o sonho
usar as suas frases, um e outro modo
de lembrar as coisas, mínimos sinais
dum amor que raramente demorou os lábios
nesta margem, litorais por onde
o próprio aroma do desejo se perdeu.
Falo da tua voz tranquila, da mata de
bétulas e do caminho de casa, do medo
de esquecer a cor do teu vestido azul,
a caligrafia inúmera das tuas cartas e dos
teus postais. Mas quase sempre é tarde,
quase sempre me demoro para lá da viagem
onde mesmo a morte vem para morrer.
Heinrich von Kleist
A morte nos dirá enfim o nosso nome
verdadeiro, os nossos modos de lembrar as
coisas, o desejo dum lugar onde a verdade
e o amor aproximem a luz do primeiro ao
lume do segundo, talvez o inamissível
sortilégio de por uma vez nos termos
encontrado. Nada sabemos de quanto nos
ensinaram, nada sabemos para lá do que
soubermos descobrir errando a alma em
recônditos lugares, inatingíveis latitudes.
Caiando de sombra a transparência não
oblíqua sobre os muros das cidades,
a ignomínia reina como se tudo fosse um
reflexo dos seus gestos e nada mais
restasse, amiga, que trocar de roupa e
procurar um mapa de silêncio para morrer.
Mário
Se te conheci foi numa página ímpar dum livro
de poemas e não, como dirão talvez para tornar
verosímil uma história que nunca o poderá
ser, em montmartre ou nas folies bergère.
Se te conheci tinhas o cabelo curto e um anel de
prata, nenhum outro adorno ou adjectivo, e
pouco valor tudo quanto me dissesses ou
levasses a dizer. Se te conheci foi para
fingir ter dado importância às tuas palavras,
no fundo para que em ti e no mundo, num
qualquer instante sem poesia ou outro
fingimento, houvesse de novo alguma importância,
um pouco de mistério. Sejamos claros: o desejo
é sempre singular e cruel: se te conheci
foi apenas para que me fosse mais custoso
olhar o passado ao preparar-me para morrer.
Uma e outra palavra se perdem no decurso
das viagens, um e outro nome, o fluir
monótono de rumores indecifráveis,
águas onde nunca mais virá o sonho
usar as suas frases, um e outro modo
de lembrar as coisas, mínimos sinais
dum amor que raramente demorou os lábios
nesta margem, litorais por onde
o próprio aroma do desejo se perdeu.
Falo da tua voz tranquila, da mata de
bétulas e do caminho de casa, do medo
de esquecer a cor do teu vestido azul,
a caligrafia inúmera das tuas cartas e dos
teus postais. Mas quase sempre é tarde,
quase sempre me demoro para lá da viagem
onde mesmo a morte vem para morrer.
Heinrich von Kleist
A morte nos dirá enfim o nosso nome
verdadeiro, os nossos modos de lembrar as
coisas, o desejo dum lugar onde a verdade
e o amor aproximem a luz do primeiro ao
lume do segundo, talvez o inamissível
sortilégio de por uma vez nos termos
encontrado. Nada sabemos de quanto nos
ensinaram, nada sabemos para lá do que
soubermos descobrir errando a alma em
recônditos lugares, inatingíveis latitudes.
Caiando de sombra a transparência não
oblíqua sobre os muros das cidades,
a ignomínia reina como se tudo fosse um
reflexo dos seus gestos e nada mais
restasse, amiga, que trocar de roupa e
procurar um mapa de silêncio para morrer.
Mário
Se te conheci foi numa página ímpar dum livro
de poemas e não, como dirão talvez para tornar
verosímil uma história que nunca o poderá
ser, em montmartre ou nas folies bergère.
Se te conheci tinhas o cabelo curto e um anel de
prata, nenhum outro adorno ou adjectivo, e
pouco valor tudo quanto me dissesses ou
levasses a dizer. Se te conheci foi para
fingir ter dado importância às tuas palavras,
no fundo para que em ti e no mundo, num
qualquer instante sem poesia ou outro
fingimento, houvesse de novo alguma importância,
um pouco de mistério. Sejamos claros: o desejo
é sempre singular e cruel: se te conheci
foi apenas para que me fosse mais custoso
olhar o passado ao preparar-me para morrer.
Inquietude
Ao romper da primeira luz,
na penumbra da alvorada clara,
enquanto embalas o sono profundo,
revejo tantas vezes, incansavelmente,
o teu rosto de menina
acabada de nascer.
.
Nesses preciosos momentos,
desesperadamente efémeros
Abandono-me à saudade
dos nossos primeiros dias,
as noites em desassossego,
o teu choro de criança
.
que não quero perder.
na penumbra da alvorada clara,
enquanto embalas o sono profundo,
revejo tantas vezes, incansavelmente,
o teu rosto de menina
acabada de nascer.
.
Nesses preciosos momentos,
desesperadamente efémeros
Abandono-me à saudade
dos nossos primeiros dias,
as noites em desassossego,
o teu choro de criança
.
que não quero perder.
[Bernardo Soares]
Nenhuma fotografia fará subir a chama
da paisagem acima da janela do terceiro
andar deste prédio. O real é uma abstracção
inútil, uma eternidade a que tivessem
cortado a sua face de sonho, um coração
onde nada pesa que não seja o peso leve
dos sentidos. A vida toda é este mover
das coisas mais próximas, os ombros,
a bússola de viagem, o desenho a tinta da
china de pequenos barcos coloridos,
algumas vozes longínquas que logo fazem
viver as suas formas substantivas: pobre
de quem vê o que seus olhos vêem. Às vezes
é como se tudo tivesse uma alma, um
destino superior às vogais do seu nome,
um espaço onde a eternidade vem para morrer.
da paisagem acima da janela do terceiro
andar deste prédio. O real é uma abstracção
inútil, uma eternidade a que tivessem
cortado a sua face de sonho, um coração
onde nada pesa que não seja o peso leve
dos sentidos. A vida toda é este mover
das coisas mais próximas, os ombros,
a bússola de viagem, o desenho a tinta da
china de pequenos barcos coloridos,
algumas vozes longínquas que logo fazem
viver as suas formas substantivas: pobre
de quem vê o que seus olhos vêem. Às vezes
é como se tudo tivesse uma alma, um
destino superior às vogais do seu nome,
um espaço onde a eternidade vem para morrer.
quinta-feira, outubro 21, 2004
quarta-feira, outubro 20, 2004
O tempo
No tempo em que os boletins meteorológicos eram apresentados por meteorologistas, mesmo que o termómetro subisse aos quarenta e seis graus ou a chuva caísse dias a fio ficávamos sempre com a sensação de que «está tudo controlado».
terça-feira, outubro 19, 2004
[as sílabas dos seus nomes]
no ano em que as crianças
deixaram
nas açoteias
os seus nomes
a sombra demorou a subir os degraus
e o inverno tropeçou
na luz das romãs
incendiadas ainda
por essas tão escassas
e decisivas sílabas
deixaram
nas açoteias
os seus nomes
a sombra demorou a subir os degraus
e o inverno tropeçou
na luz das romãs
incendiadas ainda
por essas tão escassas
e decisivas sílabas
Metamorfose
Agora que o azul se transformou em cinzento, saberemos apreciar devidamente o azul quando o cinzento voltar a ser azul?
segunda-feira, outubro 18, 2004
Anatomia de uma ressaca
A dor invade-me. E o delírio, a enxaqueca, as pontadas no ventre, os membros mortiços, pálpebras palpitantes, olhos vermelhos, exangues. Não me mexo, nem ouso fazê-lo, pensar sequer nisso violenta-me as entranhas. Só mais uma vez, tem de ser só mais uma vez. Não! Acabou, é horrível a dor, revolvo-me em convulsão pelo chão, não me suporto e renuncio a cada instante passado da minha existência. As doses, as depressões, cada saída e cada entrada em mim... Eu já não sou eu e preciso de o ser. As dores provam-me que estou vivo, e estarei. Se a isto sobreviver...
sexta-feira, outubro 15, 2004
Um desejo
Que esta noite seja clara
e em cada estrela possa recolher
a ínfima partícula de luz
que ilumine o [meu] fim.
O rio
Emudecido,
o chamamento da outra margem
impele o poeta a avançar
pela corrente fria
e turbulenta.
.
Nús, seus membros
agarram a rocha lisa
e escorregadia
enquanto se entregam
à difícil tarefa
.
de o manter
à superfície.
É engano,
só pode ser engano
o que o traz ali.
.
Deixa-te ir, poeta,
deixa que as águas
ditem as rimas
dos teus versos
silenciados.
Quantos são?
Isso sim
Estes senhores (e mais uns quantos que se sabe) são as vedetas do jogo da bola. Certo que asneiam durinho, mas são as vedetas. E protagonistas recorrentes. Eles é que deviam jogar dentro das quatro linhas. Com este cavalheiro a arbitrar. Para que houvesse garantias de fair-play, isenção, sentido de responsabilidade. Isso sim, era outra limpeza.
Instantâneos
Sob o olhar e o sorriso complacentes da mãe, uma criança pequena ri chapinhando com os pés descalços na água fria que desliza a partir de uma jarra de lírios posta sobre a fria laje de mármore da campa de seu avô. Um pianista virtuoso.
quinta-feira, outubro 14, 2004
Alegoria breve, 3
A função pública não anda grande coisa. Isto só não está pior porque os dirigentes máximos dos serviços têm vindo a ser escolhidos num rigoroso quadro de competência técnica e de gestão, imune a tendências políticas ou filiações partidárias.
As repetições da história
A propensão de Alvalade para as goleadas históricas, a propensão para sete a um...
quarta-feira, outubro 13, 2004
Crime
Assim não,
quem dera me estrangulasses
apagasses os meus versos
e me pousasses as mãos na cabeça
perguntando-te porquê
.
assim existes.
terça-feira, outubro 12, 2004
Tareja
Ao imprevisto Deus que te fadou,
peço que trace,
na pedra, a cal, o meu e o teu
destinos de forma indelével
como
.
sangue numa arena.
peço que trace,
na pedra, a cal, o meu e o teu
destinos de forma indelével
como
.
sangue numa arena.
segunda-feira, outubro 11, 2004
Alegoria breve, 2
Amo-te. Desejo-te tanto. O teu cabelo é tão macio. Bem certo é que os champôs da Garnier estão cada vez melhores e fazem milagres.
domingo, outubro 10, 2004
Escolhos
Não foi o Outono mas o Inverno
Que esta noite entrou pela fresta
da janela aberta, em torrentes diluvianas
de gelada amargura e névoa ferida.
Fúria agreste, o mar em desconcerto,
Tudo nela foi naufrágio, buque desfeito
Em escolhos de pesadelo que
um pirata prostrado na proa descurou
Turva embriaguez, negros pássaros
Desejo infinito, calado, em húmida hora
Escombros destacam na noite
o pálido rosto e o grito reprimido
Lábios de sangue silenciam
o grito perdido. Que importa,
Ao longe uma voz, alguém canta
E abandona a sua voz na noite
Versos tristes, plenos de amargura,
Que não oiço, não quero ouvir
Caem como a alma de um pássaro
morrendo em voo, picando nas ondas.
Sonho desfeito, assim é, que importa
Não podia guardá-la para sempre,
Por uma noite mais que fosse,
de nuvens ou estrelas. Tempo,
que faz ou futuro. Não a tenho,
não está comigo, partiu, para longe
e receio que para sempre
É tudo. Já não sei quem é.
Que esta noite entrou pela fresta
da janela aberta, em torrentes diluvianas
de gelada amargura e névoa ferida.
Fúria agreste, o mar em desconcerto,
Tudo nela foi naufrágio, buque desfeito
Em escolhos de pesadelo que
um pirata prostrado na proa descurou
Turva embriaguez, negros pássaros
Desejo infinito, calado, em húmida hora
Escombros destacam na noite
o pálido rosto e o grito reprimido
Lábios de sangue silenciam
o grito perdido. Que importa,
Ao longe uma voz, alguém canta
E abandona a sua voz na noite
Versos tristes, plenos de amargura,
Que não oiço, não quero ouvir
Caem como a alma de um pássaro
morrendo em voo, picando nas ondas.
Sonho desfeito, assim é, que importa
Não podia guardá-la para sempre,
Por uma noite mais que fosse,
de nuvens ou estrelas. Tempo,
que faz ou futuro. Não a tenho,
não está comigo, partiu, para longe
e receio que para sempre
É tudo. Já não sei quem é.
sábado, outubro 09, 2004
sexta-feira, outubro 08, 2004
Alegoria breve, 1
Voemos, então, rasteiro. Tocando apenas a flor das águas. Levemente. Tocando as águas menos que o vento de março quando vai abrindo pequenos círculos à superfície e essa leve ondulação bate nas margens e desgasta os taludes.
quinta-feira, outubro 07, 2004
Pensamentos dispersos
Terra ferida,
noite e dia,
destino cravado a fogo
na estrela solitária,
rosas conduzidas ao destino
de uma cruz iluminada
pela última luz
de um ano.
noite e dia,
destino cravado a fogo
na estrela solitária,
rosas conduzidas ao destino
de uma cruz iluminada
pela última luz
de um ano.
Senhor do Tempo
Se eu pudesse
por um instante só
que fosse,
cuidas que o não faria?
Se eu pudesse,
se tu soubesses [como]
o tempo que faz,
sem contradições,
Fosse igual
ao tempo que passa,
os minutos se contassem
por gotas de orvalho,
as lágrimas por segundos,
as batidas do coração
por raios de sol,
e as horas por suspiros...
Se eu pudesse, acredita,
se eu pudesse,
cuidarias
que não seria Senhor do Tempo?
por um instante só
que fosse,
cuidas que o não faria?
Se eu pudesse,
se tu soubesses [como]
o tempo que faz,
sem contradições,
Fosse igual
ao tempo que passa,
os minutos se contassem
por gotas de orvalho,
as lágrimas por segundos,
as batidas do coração
por raios de sol,
e as horas por suspiros...
Se eu pudesse, acredita,
se eu pudesse,
cuidarias
que não seria Senhor do Tempo?
De conselhos
Não é grande remédio ouvir
o nosso super-ego nestes dias;
São contraditórios
os conselhos dos mortos.
o nosso super-ego nestes dias;
São contraditórios
os conselhos dos mortos.
segunda-feira, outubro 04, 2004
Passagem
Gostei da ponte. O país, o funcionário e o outro, adorou a ponte. Nas praias, na montanha, entregou-se, displicente, ao exercício de lançar o boomerang.
domingo, outubro 03, 2004
[Da manhã]
E no entanto
às vezes as mulheres riscavam os alicerces
dispondo os púcaros na mesa.
E se afastavam as mãos por um instante do fogo
a humidade entrava nas divisórias
dos quartos.
E sabiam que se adormecessem
ou movessem os ramos da oliveira
um relâmpago cortaria em metades
os meses.
E por isso se estendiam de memória no arame das vinhas
até que o rumor dos bosques iluminados pelas aves
batesse nas paredes da casa
e amanhecesse.
.
E no entanto
às vezes as mulheres enchiam os cântaros
com o lume evaporado das presas.
E as crianças calavam-se à entrada dos astros
a olhar a nuvem de silêncio
poisada nos tanques.
E então anoitecia como se a sombra não tivesse peso
e as candeias trouxessem ao pátio
a pausada respiração dos fenos.
.
E no entanto
às vezes as mulheres saíam durante a noite
e recolhiam nos lenços
as primeiras sementes
aladas
do ácer.
E atavam aos fios de lã humedecidos nas pontas
as suas vagarosas hélices
puxando-as para o centro dos rastilhos
acesos.
E só então o rumor dos bosques iluminados pelas aves
batia nas paredes da casa
e amanhecia.
às vezes as mulheres riscavam os alicerces
dispondo os púcaros na mesa.
E se afastavam as mãos por um instante do fogo
a humidade entrava nas divisórias
dos quartos.
E sabiam que se adormecessem
ou movessem os ramos da oliveira
um relâmpago cortaria em metades
os meses.
E por isso se estendiam de memória no arame das vinhas
até que o rumor dos bosques iluminados pelas aves
batesse nas paredes da casa
e amanhecesse.
.
E no entanto
às vezes as mulheres enchiam os cântaros
com o lume evaporado das presas.
E as crianças calavam-se à entrada dos astros
a olhar a nuvem de silêncio
poisada nos tanques.
E então anoitecia como se a sombra não tivesse peso
e as candeias trouxessem ao pátio
a pausada respiração dos fenos.
.
E no entanto
às vezes as mulheres saíam durante a noite
e recolhiam nos lenços
as primeiras sementes
aladas
do ácer.
E atavam aos fios de lã humedecidos nas pontas
as suas vagarosas hélices
puxando-as para o centro dos rastilhos
acesos.
E só então o rumor dos bosques iluminados pelas aves
batia nas paredes da casa
e amanhecia.
sexta-feira, outubro 01, 2004
[Da casa]
1.
Mas nesse tempo os homens avançavam contra a desordem.
E abriam fendas na encosta. E depois
desfaziam as pedras. E depois traziam esse
pó quase roubado ao fogo
de modo a juntar à escassa aluvião
as luzes acesas de março. E depois entravam nas minas
e bombeavam a água do subsolo
e saíam de novo a caminho das agras.
E só depois lançavam as sementes à terra.
.
E no domingo rezavam como se a litologia os ouvisse.
.
2.
Mas nesse tempo os homens respiravam pelos juncos
dos pauis enquanto espalhavam os drenos.
E aplanavam o granito das plataformas
atando à nuca as
máscaras de caulino.
E mediam as curvas de nível aspirando a água.
E deixavam no vale os pulmões submersos.
E traziam depois as pedras dos terraços
e erguiam barragens
onde a enchente
haveria de subir
até ao limite
da casa.
.
E adormeciam no pesadelo de imaginar os panos dos linhares
a tapar-lhes o rosto
quando já não houvesse mais nada.
.
3.
Mas nesse tempo os homens acreditavam
que os ferros se dobravam sustendo a respiração.
E se acendiam fornalhas
receavam a repercussão dos desastres.
E não sopravam as canas nem erguiam pilares
de tijolo junto ao fogo refractário.
E desviavam-se da lava incandescente
e da diástole dos foles.
E só de noite ousavam descer aos algares
e bater numa forja
com os pulsos.
.
E só então a casa e a claridade e um fio de água.
Mas nesse tempo os homens avançavam contra a desordem.
E abriam fendas na encosta. E depois
desfaziam as pedras. E depois traziam esse
pó quase roubado ao fogo
de modo a juntar à escassa aluvião
as luzes acesas de março. E depois entravam nas minas
e bombeavam a água do subsolo
e saíam de novo a caminho das agras.
E só depois lançavam as sementes à terra.
.
E no domingo rezavam como se a litologia os ouvisse.
.
2.
Mas nesse tempo os homens respiravam pelos juncos
dos pauis enquanto espalhavam os drenos.
E aplanavam o granito das plataformas
atando à nuca as
máscaras de caulino.
E mediam as curvas de nível aspirando a água.
E deixavam no vale os pulmões submersos.
E traziam depois as pedras dos terraços
e erguiam barragens
onde a enchente
haveria de subir
até ao limite
da casa.
.
E adormeciam no pesadelo de imaginar os panos dos linhares
a tapar-lhes o rosto
quando já não houvesse mais nada.
.
3.
Mas nesse tempo os homens acreditavam
que os ferros se dobravam sustendo a respiração.
E se acendiam fornalhas
receavam a repercussão dos desastres.
E não sopravam as canas nem erguiam pilares
de tijolo junto ao fogo refractário.
E desviavam-se da lava incandescente
e da diástole dos foles.
E só de noite ousavam descer aos algares
e bater numa forja
com os pulsos.
.
E só então a casa e a claridade e um fio de água.
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