terça-feira, abril 13, 2004

Crime e Castigo

O problema de Raskólnikov é que não podia expiar o seu crime: pela razão simples de que não conseguia acusar-se a si mesmo. É verdade que matou. Mas o crime (essa leve falta) só o era na justa medida em que não servira para atingir os seus grandiosos fins. Preso na Sibéria, rendido, percorria-o uma indefinida inquietude e a sensação terrível de que se sacrificara sem finalidade. Deixou, portanto, de ter interesse na vida. Porque viver parecia significar apenas existir.

Mas a Primavera é assim: uma eterna possibilidade de redenção. E Raskólnikov, indiferente a tudo (incluindo o infinito amor de Sónia Semiónovna), olhou um dia o rio largo e deserto, a estepe banhada pelo sol. Tinham chegado os dias primaveris: tépidos, claros. E, de súbito, na segunda semana depois da Páscoa, sob esse impulso renovador da Primavera, toda a sua desgraça lhe pareceu exterior e superficial. E, de súbito, compreendeu que um futuro radioso era ainda possível. Que a vida podia ainda fazer sentido. Que podia escolher entre a luz e a sombra.

Na Primavera é assim: há sempre uma linha, uma fina membrana, que separa o que é e o que poderia ser. Como hoje: chego à janela, olho o dia claro, limpo, redentor, o céu muito azul, as folhas de novo nas árvores. E compreendo que é possível escolher. Mesmo que, escolhendo a luz, não nos seja ainda possível libertarmo-nos da sombra.