sexta-feira, fevereiro 20, 2004
Antes de partir
Sem lua, a copa das árvores mal se recorta contra o céu. É preciso habituar o olhar, não ter pressa, ficar durante muito tempo a olhá-las até a sombra ser quase diáfana. E então, aos poucos, identificar uma árvore de entre o conjunto do pomar, e depois um tronco, e depois um ramo, e depois uma folha, e depois uma flor. Do outro lado, subindo à varanda, adivinha-se o mar. Nenhuma luz, nenhum espelho nos devolve essas águas, esse sobressalto sem nome do levante. Mas o rumor do sudeste nasce do fundo da terra e propaga-se em ondas que é possível recolher deixando as mãos assim por instantes, abertas em concha, à espera das coisas que a noite reconhece como suas.