quarta-feira, fevereiro 04, 2004
Ainda o futebol
Talvez alguém ainda se recorde do velho Norte Desportivo. Era um fascínio. Saíamos dum jogo de futebol e pouco tempo depois o jornal já estava à venda em quiosques, cafés, cervejarias, com os resultados e os comentários da jornada que mal findara. Era difícil compreender aquela eficácia, sobretudo num tempo em que não havia telemóveis nem computadores, quanto mais internet... O tio do meu amigo JP era redactor do Norte Desportivo. Certo dia foi-lhe distribuído o relato de um jogo do Farense, no S. Luís. Claro que não vinha de escantilhão por aí abaixo para fazer a crónica da partida... Tinha um contacto no Algarve. E aos cinco minutos de jogo lá estava ele a telefonar dum café nas imediações do estádio a dar a constituição das equipas e as primeiras impressões tácticas. Ao intervalo telefonava-lhe de novo. E no fim do jogo, ou com a partida quase no fim, corria mais uma vez ao café a ditar-lhe o resultado pela rede fixa dos CTT, quando o texto já estava quase pronto a entrar nas rotativas... Nessa tarde, no Porto, fazia um calor de rachar. Na redacção do jornal, o tio do meu amigo JP, sentado em frente à máquina de escrever, suava a maldizer a soalheira e a hora de fecho do Norte Desportivo, imaginando a leve brisa das praias algarvias nesse domingo escaldante de Junho. Mas a crónica saiu limpinha. Começava assim: «No Estádio de S. Luís, em Faro, numa tarde de intensa canícula, sob um sol escaldante...» Acontece que choveu do princípio ao fim do jogo. Uma daquelas trovoadas de Verão que acabou por se constituir como nota principal duma partida disputada num rectângulo de lama e relva levantada, e que o seu colaborador, no vórtice de relatar desmarcações e atitudes defensivas, se esqueceu de referenciar. Claro que o tio do meu amigo JP só soube disso mais tarde, já depois de a edição do Norte Desportivo estar impressa e milhares de pessoas terem lido a crónica de um jogo disputado num suposto dia de sol na cidade de Faro em que choveu como não há memória desde Noé.