terça-feira, março 02, 2004

Segirei

Comecei a ler Miguel Delibes muito cedo. E comecei, claro, por Mis amigas las truchas. Eu pescava desde criança, e essa doença ia crescendo com o tempo. Mas só então, quando o meu amigo Miguel Cunha me emprestou o livro (ele que estava fascinado também com o Diario de un cazador e La caza de la perdiz roja), compreendi, corrompido pelo poder transfigurador da literatura, que ao acto de pescar à pluma estava inerente uma ética e uma estética de que não poderia libertar-me. Continuo (eu ia a dizer religiosamente) esse ritual de me procurar. À procura das águas límpidas de um rio de montanha, a confrontar-me com as manhãs muito frias de Março, a confirmar que não desapareceram ainda as árvores que comecei a conhecer muito cedo pelos seus nomes e a distinguir pela forma de inserção dos ramos ou pela rugosidade do tronco. Na próxima quinta feira, três dias depois do primeiro dia do ano (que é o primeiro de Março), estarei nas margens de um rio a fazer um lançamento como quem decide uma vida.