terça-feira, março 02, 2004

O almoço

Sentamo-nos, como de costume, na mesa do canto. As nossas conversas repetem os temas dos noticiários radiofónicos da manhã ou dos telejornais da noite anterior. Falamos mal do país, chamamos-lhe esta choldra. Olhamos a televisão pelo canto do olho, lemos os títulos que passam em rodapé. Ferreira Torres, Valentim Loureiro, a Brigada de Trânsito, as lixeiras, a disciplina de voto, o desemprego, Sousa Franco, Felgueiras, Figueiredo, o aborto, o PP, a Casa Pia, a Europa. Não avançamos com uma ideia, não nos propomos agir, não esboçamos um projecto. Não passamos já de um desabafo ou de um ou outro comentário irónico. Ácido. Como se estivéssemos num plano diferente. Como se não estivéssemos nós mesmos enterrados até ao pescoço nesta choldra que já nem propriamente nos afecta, e que apenas comentamos com distanciamento durante o almoço, de passagem, ausentes, rendidos.