quinta-feira, julho 07, 2005

Levantar voo

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Há uns tempos, o Zé Carlos escrevia que ninguém se deve despedir com lágrimas nos olhos, porque havendo-as não há justa causa para uma despedida. Antes deve valer tudo, desde urros a humilhação, passando por insultos, ou não há motivo para a despedida. É preciso votar o outro ao desprezo e matar o que quer que seja necessário matar. Não assim, aqui, n'Um Pouco Mais de Sul. As lágrimas existem nesta despedida e ter a consciência de fechar esta porta implica voltar costas a algo que foi bom ao longo destes dois anos; mas por vezes as palavras escapam-nos, crescem, autonomizam-se e adquirem significados e interpretações que não foram por nós queridas e atingem aqueles por quem nutrimos a mais sentida estima. E escrever é um acto de liberdade que não pode ser cuidado nos seus limites nem nos significados, porque de outra forma deixa de ser um prazer. De certa forma, o cansaço instalou-se e por essa razão, exactamente dois anos depois do meu primeiro post, cabe-me a mim fechar a porta que o Zé Carlos, o João Filipe e o Joaquim Coelho abriram de par em par. Um Pouco Mais de Sul era, à data da sua criação, uma extensão da revista Sul e daí o nome de nascença. Atravessou diversas fases, mas nunca adquiriu uma linha editorial própria, definida e demarcada. Reinou a anarquia e era isso que o tornava especial e, falo em meu nome pessoal, em certa medida um ponto de encontro onde entrava com prazer. Fora isso, procurar o Sul é algo que me fascinou desde sempre e sempre fascinará. Mas é tempo de fazer uma pausa, uma longa pausa, que neste Sul durará para sempre.
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Recordando Al Berto, "lisboa (2)" ,
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"desejaste um país de silêncio
de chuvas salgadas-sem caminhos nem sonhos
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tiveste um país sombrio
onde a realidade devorou o delírio e
ficou desabitado-este país nocturno que geme
contra a solidão do corpo - perguntas-te
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que espécie de lume cospem os cardos?
caberá o mar dentro da tua ausência?"
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Encontramo-nos n'Outro Sul.
Por hoje é tudo... desapareço.
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